Economia

Covid-19. Trabalhadores independentes também podem adiar pagamento de impostos

Covid-19. Trabalhadores independentes também podem adiar pagamento de impostos

Finanças esclarecem ao Expresso que as prorrogações dos prazos para entrega de declarações e possibilidade de pagar impostos a prestações abrangem todos os trabalhadores independentes, de qualquer atividade, e que a adesão será um processo “simples”

Várias questões se levantam face às medidas fiscais de apoio às empresas e aos trabalhadores independentes face ao surto do novo coronavírus e consequente impacto nas atividades económicas. Como, por exemplo, se estão abrangidos todos os independentes, de qualquer atividade? Como se acede aos mecanismos de pagamento dos impostos a prestações? E a quebra no volume de negócios, como se calcula e como se fiscaliza?

O diploma que vai dar força de lei às alterações anunciadas, que passam pela prorrogação de prazos declarativos e de flexibilização das obrigações de pagamentos dos impostos, ainda não foi publicado e, por isso, o detalhe das medidas ainda é desconhecido. Mas fonte oficial do Ministério das Finanças esclareceu ao Expresso algumas dúvidas.

Ontem, quarta-feira, o ministro das Finanças, Mário Centeno, anunciou a flexibilização do pagamento de impostos para as empresas e para os trabalhadores independentes, no caso do IVA (mensal e trimestral) e das retenções na fonte de IRS e de IRC. E ao Expresso, fonte oficial do gabinete das Finanças, garante que a adesão a estes mecanismos de alívio de liquidez será “simples”: “o diploma que aprova estas medidas contém o detalhe do procedimento simples adequado à urgência medidas”.

E, no caso dos trabalhadores independentes, as Finanças garantem que todos estão abrangidos qualquer que seja a sua atividade.

O Executivo vai permitir que liquidar o IVA e entregar ao Estado as retenções na fonte IRS e IRC possam ser feitas não só através do pagamento imediato, nos termos habituais, mas também via três prestações mensais sem juros ou em seis prestações mensais, tendo aplicáveis juros de mora às últimas três. “Para qualquer uma destas situações de pagamento em prestações não será necessário apresentar garantias”, frisou Centeno e acrescentou que “esta medida é aplicável a trabalhadores independentes e a empresas com volume de negócios até 10 milhões de euros em 2018 ou com início de atividade a partir de janeiro de 2019”. Questionada sobre se um contribuinte com início de atividade no ano passado com faturação acima do limite dos 10 milhões de euros estará abrangido, fonte do Ministério das Finanças não deixa clara esta potencial situação: “O critério é o do volume de negócios relativo a 2018 (o único que nesta data temos conhecimento pelos elementos declarativos dos contribuintes)”.

Pedras na engrenagem

Para a Deloitte, “a informação disponível não refere qualquer limite relativamente às sociedades que iniciaram a sua atividade a partir de 1 de janeiro de 2019. Seria de supor que o limite de volume de negócios de 10 milhões de euros fosse igualmente aplicável a estas”. E, a este respeito, fonte da consultora, alerta que, “no entanto, importa referir que os valores do volume de negócios relativos a 2019 poderão não ser ainda conhecidos, dado que os prazos legais de aprovação de contas que estão ainda a decorrer, bem como a sua possível extensão tendo em conta a previsão legal do adiamento dos prazos de realização das assembleias gerais como medida preventiva no âmbito desta crise de saúde pública”.

Por sua vez, fonte do escritório de advogados Antas da Cunha Ecija considera que, face à informação disponível, na sua ótica “quem abriu atividade no decurso do ano de 2019 (ou mesmo 2020) fica automaticamente abrangido pelas medidas de flexibilização, independentemente do volume de negócios verificado”. E faz notar que “relativamente aos trabalhadores independentes, deverá ser clarificada a forma e prazos aplicáveis quanto ao requerimento acima referido para os trabalhadores cujo volume de negócios exceda os 10 milhões”.

Este mecanismo também pode ser requerido pelas “restantes empresas ou trabalhadores independentes quando tenham verificado uma diminuição no volume de negócios de pelo menos 20% na média dos três meses anteriores ao mês em que exista esta obrigação, face ao período homólogo do ano anterior”, adiantou o ministro das Finanças.

E como é calculada a quebra e como se fiscaliza? “Para este efeito, contamos com o elemento declarativo do contribuinte (que o vincula) e com os elementos decorrentes das obrigações declarativas que permitem fazer o controlo adequado”, diz fonte oficial das Finanças. Ou seja, se a empresa ou trabalhador ‘enganar’ o Fisco, será questionado pela administração fiscal. “Quem aproveitar das medidas sem ter esta quebra no volume de negócios, será depois confrontado com as penalidades mais tarde (coimas e juros), através da ação da inspeção tributária”, considera Joaquim Pedro Lampreia, advogado na Vieira de Almeida e especialista em Direito Fiscal.

Segundo a Deloitte, “o conceito de volume de negócios está previsto legalmente (artigo 143 Código do IRC) e resulta de elementos contabilísticos. Como tal, o mesmo é suscetível de apuramento objetivo e fiscalização, nos termos gerais sendo previsível que o diploma contenha penalizações para quando os pressupostos de exceção não se verificam”.

Fonte da Antas da Cunha Ecija acredita que “a quebra ao nível do volume de negócios de um trabalhador independente será determinada por referência à média dos três meses anteriores à data prevista para o cumprimento da obrigação, face ao período homólogo do ano anterior, com base na respetiva contabilidade”. E que “embora não tenha havido qualquer clarificação adicional este nível, pressupõe-se que a fiscalização do cumprimento de tais requisitos venha a ser realizada pela própria Autoridade Tributária, quando requerida pelos contribuintes abrangidos a aplicação do referido mecanismo”.

Outras medidas que podiam ajudar

Na opinião de Joaquim Pedro Lampreia, “a limitação desta medida ao volume de negócios é criticável, por dois motivos: por um lado, o volume de negócios pode ter pouco significado, sobretudo em atividades de grande volume de faturação mas de pequena margem. Por outro lado, e mais importante, o problema agora centra-se na tesouraria das empresas, que pouco terá a ver com o volume de negócios”.

E sugere que o adiamento do prazo de entrega da Modelo 22 (passa para 31 de junho) “deveria ser acompanhado do adiamento do prazo para as obrigações meramente declarativas, como a IES [Informação Empresarial Simplificada], e também a necessidade de entrega do dossiê fiscal e do dossiê de preços de transferência, que é imposto às empresas de maior dimensão”.

Além disso, Joaquim Pedro Lampreia aponta outras medidas para aliviar as empresas nesta fase crítica: “os processos de reembolso de IVA deveriam ser processados mais rapidamente, como forma de injetar os tão necessários fundos nas empresas”, já que “as inspeções prévias aos reembolsos poderiam ser adiadas e efetuadas a posteriori”; os prazos para pedir a recuperação do IVA nos créditos em mora deveriam ser estendidos, “pois a torna-se difícil às empresas conseguir cumpri-los nas presentes situações”; “deveria ser excecionalmente aceite o envio de faturas em pdf por e-mail (as faturas que não são eletrónicas, pois são muitas as empresas e trabalhadores em nome individual que não recorrem a essa modalidade)”.

E adianta ao Expresso que “temos tido informação que várias inspeções tributárias continuam, com os inspetores a telefonar para os telemóveis dos técnicos oficiais de contas e outros funcionários”. O jurista pede a suspensão dos prazos para realizar as inspeções, “pois as empresas tem muita dificuldade em fornecer os documentos e informações solicitados, sendo que os inspetores não devem deslocar-se às empresas”.

Outra medida anunciada é que serão suspensos por três meses os processos de execução na área fiscal e na área contributiva que estejam em curso ou venham a ser instaurados pelas respetivas autoridades.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ASSantos@expresso.impresa.pt

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