António Costa não o esconde: "para já", e a expressão a reter é mesmo "para já" não se justifica a declaração do estado de emergência. Esta terça-feira é a vez da líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, engrossar a lista dos que defendem que é preciso agir "com equilíbrio" perante o risco de se agravar uma crise económica e social com efeitos imprevisíveis à crise de saúde pública.
Aos olhos do Governo, o estado de emergência, instrumento nunca utilizado em democracia, significa uma suspensão da normalidade constitucional que, até ver, não se justifica. António Costa, aliás, tem vindo a defender que para o estado atual do país, e a atendendo à expectável evolução da pandemia em território nacional, será apenas necessário, em teoria, avançar para o declaração do estado mais elevado da protecção civil, o estado de calamidade - uma figura que, em abstrato, é diferente do estado de emergência, como explica aqui o Expresso.
O estado de calamidade já permite ao Governo restringir áreas mais afetadas, impondo limites à circulação ou fazer requisições civis caso isso venha a ser necessário. Foi aliás o que fez nos incêndios em 2017. Nessa altura fê-lo de forma "preventiva" quando se aproximava em Agosto um fim de semana com mais de 40 graus. É essa a linha que quer voltar a tomar, em contradição com o Presidente da República.
O estado de emergência, de absoluta exceção, tem outro alcance. Em teoria, pode levar à suspensão do direito à greve sempre que tal constitua uma ameaça ao funcionamento do país; pode colocar em causa a liberdade da celebração do culto, uma vez que impede grandes aglomerações e manifestações coletivas (missas, por exemplo); pode dar ao Governo o poder de impor o funcionamento de certas fábricas para garantir a produção de bens essenciais; assim como suspender a liberdade de reunião ou de manifestação.
Tem, no entender do Governo, um carácter coercivo que importa afastar num momento em que os portugueses têm, de uma forma voluntária e civilizada, cumprido as principais recomendações das autoridades, em particular das autoridades de saúde. E é uma bala de prata: é o último nível, à exceção do estado de sítio que prevê uma agressão por forças estrangeiras, de alerta de que o Governo dispõe. Do ponto de vista político e psicológico pode ter consequências na mobilização dos cidadãos a longo prazo - e a crise vai ser longa.
Os avisos de Ana Catarina Mendes
Num artigo de opinião no Público, Ana Catarina Mendes defende que é preciso agir sem "ligeireza" neste assunto. "Não podemos, com ligeireza, reclamar sem hesitações e contrapesos o estado de emergência", escreveu. O estado de emergência foi uma hipótese admitida pelo Presidente da República numa comunicação por vídeo no fim de semana e que será debatida amanhã, quarta-feira, pelo Conselho de Estado. Medida com a qual o primeiro-ministro não concorda, pelo menos nesta fase.
Ana Catarina Mendes tece vários argumentos a começar pelos "riscos de devastação da economia, tão reais como os riscos da pandemia". Diz a dirigente socialista que é preciso ponderar "caso a caso" os impactos "das decisões que tomamos tanto sobre a saúde como sobre a economia". Caso a caso foi uma expressão parecida com a usada por António Costa que, em entrevista à SIC na segunda-feira disse que "as medidas têm de ir sendo tomadas em função da necessidade de cada dia. Mas é necessário também que a vida continue".
Como segundo argumento, Ana Catarina lembra que "não podemos trocar a epidemia do coronavírus por outras epidemias". No leque de argumentos da socialista entra também a necessidade de ponderar as restrições às liberdades, também em linha com o que disse o primeiro-ministro.
Uma declaração tout court do estado de emergência levaria a que fossem suspensos todos os direitos, liberdades e garantias e por isso o Governo apela a que, se tal acontecer, seja com conta, peso e medida, uma vez que neste caso se está a falar sobretudo do direito de circulação e para restringir movimentos de cidadãos há outros instrumentos como a declaração do estado de calamidade.
Ana Catarina Mendes não o diz, no seu artigo não se refere ao estado de calamidade, mas argumenta a favor da ideia de esperar para tomar uma medida tão gravosa. "Pode vir a ser necessário suspender algumas liberdades para conter a pandemia. Mas não podemos, com ligeireza, reclamar sem hesitações e contrapesos o estado de emergência", escreve. E acrescenta: "Ele poderá ser necessário. Mas devemos ponderar a suspensão de cada liberdade ou direito, garantir a transitoriedade dessa suspensão e o seu permanente escrutínio", escreve.
*Artigo atualizado às 17h37 com novas informações