Rotas de Navegação inspiram “expedição gastronómica” em Ponta Delgada

Jornalista
Sempre de casa cheia, a iniciativa “dá uma oportunidade à equipa para mostrar o seu trabalho” e envolve a comunidade. Contam-se “histórias à mesa” e “partilham-se memórias”, sublinha o diretor do hotel, Miguel Rego. Com a criação, em 1866, da Parceria Geral das Pescas (PGP), especializada na pesca do bacalhau, selava-se a ligação à Frota Branca, que operava nos mares gélidos da Terra Nova e da Gronelândia. Esta empresa do Grupo Bensaude detinha vários navios famosos, como o Argus, o Hortense, o Gazela e o Creoula, construído no tempo recorde de 62 dias úteis, em 1937, e ainda a navegar na marinha portuguesa. “Eram navios de uma resistência e eficiência incríveis para a época, com homens duros e muito corajosos a pescar em pequenos barcos de um único pescador, denominados dóris”. Extinta em 1999, a PGP “deixou uma marca profunda na pesca e seca do bacalhau”, o que motivou o chef José Gala a explorar as texturas, cores, subprodutos – da cabeça à cauda - e pontos de salga deste produto nobre, nas diversas fases.
Foi a quarta “expedição” gastronómica a animar o Balcony Restaurant, em Ponta Delgada. Os jantares temáticos Rotas da Insulana de Navegação, que prosseguem em novembro, voltaram a encher de convivas o restaurante de fine dining do Grand Hotel Açores Atlântico. Desta vez, o fio condutor do menu foi o bacalhau e o pairing com os vinhos da Herdade do Esporão que, “para além da elevada qualidade que aportam à experiência, coincidem com a Bensaude Hotels Collection na partilha de pilares ligados à tradição, história e inovação”, avançava a nota de imprensa.
Um cocktail de boas-vindas antecede o “Carpaccio de bacalhau fresco e as suas caras”, gema de codorniz e a ostra. A meia cura da proteína permite que a viagem se desenrole num crescendo de sabor e intensidade, enquanto o colagénio das caras facilita a montagem da terrina. A acompanhar, um vinho verde da Quinta do Ameal, que manteve a linha sustentável após adquirida pelo Esporão. No momento do “Bacalhau fumado” com mousseline de feijão prevalece a identidade açoriana: introduz-se cerveja artesanal regional na patanisca, no gel e num sponge, além da erva patinha e da acidez dos típicos curtumes, neste caso de pimentos assados. Harmoniza com o Esporão Reserva branco.
A seguir, servem-se as lascas (com cebolada pré-fermentada), a língua (marinada em alho e limão-galego, panada e frita em azeite) e os sames de bacalhau, com os chícharos regionais, cenoura selvagem assada, nabo de Santa Maria e pó de alheira de caça. Supera-se o desafio de conjugar diferentes sabores e texturas num prato rico em portugalidade, equilibrando com a frescura da hortelã. A surpresa é a inclusão de dois vinhos monocasta no mesmo momento, o Esporão Aragonez, com um “tanino muito relativo, mas também a elegância de não sobressair relativamente ao prato”, e o Esporão Touriga Nacional, “mais estruturado e com menos acidez, dando outro balanço”, observa João Ramos, enólogo da Herdade do Esporão responsável pela vinificação de tintos. Até então, o prato mais consistente da noite.
O Esporão Alicante Bouschet foi o vinho tinto escolhido para o segundo prato principal. A curiosidade da apresentação, “Bacalhau do mar e o 'bacalhau' da terra”, deve-se ao paralelismo entre o produto-estrela da refeição, o bacalhau, entendido na sua plenitude, com outro animal “que comemos com regularidade e do princípio ao fim, o porco”. A junção do torresmo de porco, elemento de terra, apoia-se na história: “Os torresmos, chouriços, fumados e matérias-primas mais curadas eram coisas que os pescadores levavam nos barcos, já que estavam muitos meses no mar”, explica José Gala. Boa combinação com a pérola de couve penca, batata olho de perdiz, trufa, o guisado cítrico de amêijoa e a hortelã da ribeira.
A pele do bacalhau servido no carpaccio não é desperdiçada. Transforma-se num crocante que vem com a sobremesa e o sabor a bacalhau revela-se, ainda, no sponge. Estes elementos acompanham os pudins de ovos e também de minhotos e pimenta-da-terra, que por sua vez contrastam com o sorvet de ananás e coentros. A criatividade e técnica de José Gala, chef em crescendo no arquipélago, manifestam-se, de novo, através da pipoca de azeite do Esporão e da espuma de alho negro, ingredientes normalmente associados a receitas de bacalhau que reforçam a dinâmica desta sobremesa de moderada doçura. Para beber, o Quinta dos Murças Vintage 2015, um vinho do Porto que nasceu do trabalho do Esporão no Douro. “Serviram-se monocastas, monocastas com envelhecimento e castas que não são fáceis de emparelhar. Vinhos diferentes, de quintas emblemáticas e já com bastante tradição, o que nos confere flexibilidade ao nível dos pairings”, concluiu João Ramos. A descontração à mesa era evidente no jantar temático do Balcony Restaurant(Grand Hotel Açores Atlântico, Avenida Infante Dom Henrique, 113, Ponta Delgada, Tel. 296302200), confirmando as palavras do distinto chefe de sala, Acácio Oliveira: “Somos um restaurante de fine dining, mas gostamos de receber as pessoas como se recebe um amigo em casa. Nunca descurando a técnica e o profissionalismo e sempre ao encontro das ambições do cliente, para transformar a experiência em algo memorável”.
Acompanhe o Boa Cama Boa Mesa no Facebook, no Instagram e no Twitter!
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt