O principal resultado destas eleições europeias é a estrondosa derrota do sistema partidário português e da nossa própria democracia. A principal ilação a retirar destas eleições é o enorme distanciamento dos cidadãos face ao sistema político. Uma abstenção de quase 70% deve fazer corar de vergonha qualquer democrata e, sobretudo, todos nós, agentes políticos. Se há coisa que é de facto uma ameaça à democracia é a elevada abstenção.
A vitória da estratégia de António Costa deve-se muito à fidelização do seu eleitorado mais leal para o qual tem governado sem hesitações. Este é o resultado de uma ação governativa dirigida a uma faixa da população que se revê na forma socialista de abordar os problemas e que lhe agradeceu na hora de votar. Faz-nos crer que teve uma grande vitória quando afinal não foi bem assim. Repare-se que nesta eleição o PS manteve praticamente o “poucochinho” de António José Seguro (31,46%) e o valor da derrota perante PSD/CDS de 2015 com 32,31% e mesmo assim surge como “grande vencedor”. Ou seja, apesar de todas as medidas populistas o PS com 33,4% vence as eleições, mas fica muito aquém do esperado. O PS ganhou à custa dos seus eleitores mais fiéis e valoriza-se pela queda brutal do PSD e do CDS que concorrendo separados tiveram resultados individuais abaixo das expectativas. Somados nestas eleições, PSD e CDS teriam 28%. Mesmo com os votos da Aliança e IL chegaria apenas aos 30%. Ou seja, o centro direita não passa dos 30% e isso também é muito preocupante.
Tendo em conta a abstenção é fácil constatar que a derrota do PSD e CDS está explicada na incapacidade de “fidelizar” os seus eleitores habituais. Ou seja, antes de partir à conquista de novo eleitorado importava garantir que os nossos não nos fugiam ou pelo menos que não ficavam em casa. E isso não aconteceu. Se é verdade que à direita se aprofundou a fragmentação de votos pelo nascimento de partidos como a Aliança, a Iniciativa Liberal e até o Basta, isso não pode justificar tudo. PSD e CDS juntos em 2014, em plena austeridade, tiveram 909 mil votos e agora apenas conseguiram mais 12 mil, enquanto o PS subiu cerca de 100 mil. O PCP perdeu metade dos seus votantes face a 2014 e isso confirma uma alteração profunda no seu eleitorado que muitos considerávamos bastante fiel e cristalizado. É justo reconhecer que o BE é o que mais proveito retira da Geringonça pois passa de 149 mil votos em 2014 para 325 mil em 2019 e o PCP não deixará de cobrar isso à coligação.
Chamo ainda a atenção para outro facto que nos deve fazer pensar, 229.861 eleitores (7%) decidiram ir às urnas para não votarem em nenhum dos 17 partidos. Estes eleitores representam mais do que a votação do PAN (que elegeu um), da Aliança, do Livre etc.
O grande vencedor destas eleições é sem dúvida o PAN. Como já escrevi muitas vezes as pessoas tendem cada vez mais a ligar-se a causas concretas do que à ideologia como acontecia anteriormente. Hoje as pessoas não querem sentir-se presas a um partido ou a uma militância, querem ter liberdade e espaço para apoiar o Partido A na causa X e o partido B na causa y. Além de novos eleitores ou ex abstencionistas, o PAN deve estar cheio de antigos eleitores do PS, do PSD ou do Bloco de Esquerda e do PCP. Os grandes partidos terão que encontrar formas de permitir que as pessoas “militem” em algumas das suas causas sem que isso signifique uma exclusividade no “afeto” partidário.
A terminar, três notas que considero importantes para memória futura:
A falta de debate de temas europeus não é apenas uma responsabilidade das candidaturas. Vezes sem fim a imprensa portuguesa ignora os temas europeus da campanha e assume preferir os “temas internos” que “dizem mais aos nossos ouvintes/telespectadores/leitores”. Há aqui uma responsabilidade partilhada que não pode ser ignorada. Ver alguns jornalistas a criticar os partidos por isso é pura hipocrisia.
Os resultados finais demonstram que os portugueses deram mais crédito à política espetáculo de António Costa, aos soundbytes, ao regresso das realidades alternativas do tempo de Sócrates, do que aos factos e à verdade. Os portugueses parecem querer acreditar mais na falsa sensação de maior rendimento nos seus bolsos criada pelo Governo e pelos seus parceiros da geringonça, do que à falência do Serviço Nacional de Saúde, `da ferrovia, dos transportes, dos serviços da administração pública, aos atrasos nas pensões, ao aumento de impostos como os combustíveis ou o IMI, entre outros tantos falhanços. E isso deve fazer-nos refletir enquanto sociedade. Também José Sócrates venceu eleições escassos meses antes da bancarrota e depois foi o que se viu…. Pelos vistos, para os portugueses que foram votar, a “arte política” de António Costa revelou-se mais importante que a falta de qualidade das suas “políticas”.
Estou certo que o resultado do PSD nestas eleições irá servir para aprender com os erros a tempo de recuperar terreno até às legislativas. É possível inverter este resultado nos próximos 4 meses se as lições forem aprendidas e o partido continuar unido. A quatro meses das últimas eleições legislativas nenhuma sondagem demonstrava ser possível a Passos Coelho vencer as eleições que acabou por ganhar com 38%. Antes de querer abordar novos eleitorados é fundamental unir os nossos eleitores em torno do partido, conseguindo demonstrar a diferença entre António Costa e Rui Rio. O atual Primeiro-Ministro é um malabarista que não faz política pelos mesmos padrões éticos do PSD. Para o atual Primeiro-Ministro, o importante não é o país nem os portugueses, mas sim o Partido Socialista e as eleições seguintes. Para o PS, o importante não é a verdade, mas a história que as pessoas querem ouvir e que o PS procura vender. Hoje já não basta ter razão. É preciso que as pessoas percebam isso no seu dia a dia.
Obrigado Carlos Coelho
Uma palavra final para um grande amigo que agora se despede do Parlamento Europeu, Carlos Coelho. Provavelmente o eurodeputado português que mais fez para aumentar o conhecimento dos portugueses em relação à União Europeia e ao Parlamento Europeu. Foram 20 anos a servir os portugueses, a defender Portugal e o projeto europeu. Carlos Coelho provou que é possível defender mais segurança e mais justiça garantindo mais liberdades e maior respeito pelos direitos humanos. Carlos Coelho sai de cabeça erguida e com o aplauso de pé de todo o Parlamento Europeu, da esquerda à direita, do Conselho à Comissão, dos polícias aos ativistas dos direitos humanos. Num tempo em que o radicalismo ganha escala, enquanto Eurodeputado, Carlos Coelho foi o exemplo da moderação, do bom senso e da força das convicções. Acredito que em quaisquer outras funções continuará a servir o PSD, a Europa e sobretudo Portugal e os portugueses.
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