Ponto de partida: Pedro Abrunhosa tem 20 e poucos anos e está perdido na Transilvânia. Na sua juventude, impulsionado pelos hábitos dos pais, que viajavam em família com frequência, e pela sua própria curiosidade, mormente cultural, o portuense lançava-se em jornadas destemidas e, por vezes, improváveis. No episódio que relata agora, no remanso de uma esplanada parisiense, logrou, por sorte, escapar ao destino de tantos aventureiros imprudentes. “Eu estava a estudar um compositor húngaro, chamado Béla Bartók, que nasceu num enclave húngaro que é um caldo de problemas e que, quando a Alemanha perdeu a guerra, o Tratado de [Paris] entregou à Roménia”, explica num registo professoral, quiçá herdado da sua mãe, professora universitária. De visita à terra natal de Bartók, o jovem deixar-se-ia encantar pela zona dos Cárpatos, as montanhas mais bonitas que viu na vida. “Os pinheiros, a massa verde, uma coisa brutal. De tal forma que, certa vez, parei o carro no meio da serra para ir ver uma gruta com umas pinturas, lá em cima. Só que tinha de se ir a pé.” Ao chegar ao seu destino, numa era em que telemóveis e GPS eram coisa de ficção científica, Pedro Abrunhosa teve uma epifania: em novembro, na Transilvânia, o sol não tardaria a pôr-se. E pôs-se mesmo, antes que o português, sozinho na floresta fria e cerrada, conseguisse encontrar o sítio onde deixara o automóvel. “É assustador, não vês rigorosamente nada. E tudo magoava. Pumba, árvore. Pumba, pau”, descreve. Quando já temia perecer de frio, ou à mercê dos lobos e ursos que povoam a região, avistou uma luz ténue e longínqua. Até chegar ao casebre de madeira onde vivia um lenhador estatal, caminhou durante quatro horas, atravessando um pântano, ouvindo um mastim ladrar “aquele ladrar gordo, de fazer crescer os pelos na nuca”, e sentindo a cara encher-se de sangue. Assarapantado, o seu salvador recebeu-o de espingarda em riste, mas acabaria por levá-lo até à estrada onde deixara o carro. “Não morri de estupidez, mas é assim que as pessoas morrem!”, exclama, umas quatro décadas bem vividas após aquela aventura. “Não morri porque não parei, então nunca arrefeci. Se tivesse parado, tinha morrido de hipotermia”, garante, evocando ainda a imagem redentora de uma estalagem de chaminé “a deitar fumo”, onde, já a salvo, encontrou abrigo. “Apesar de tudo, havia uns circuitos para o turista do Leste, e lá vinham grupos de operários, de autocarro, [visitar a região].” Pelas oito da manhã, o português bateu à porta da estalagem e comeu “javali assado e uma sopa”. Depois caiu na cama, descansou dois dias e seguiu caminho.
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