Tal como acontece numa boa parte destes documentários biográficos — e este trabalho de Daniel Lindsay e T.J. Martin é especialmente rico neste aspeto —, “Tina” vale igualmente pelos seus arquivos, que são por si só uma história da evolução do black gospel, do blues e do rock americanos da segunda metade do século passado. O filme começa com uma entrevista de 2019 a Tina na sua fabulosa casa de Zurique (hoje afastada das tournées, naturalizou-se suíça em 2013) e depois parte, aventureiro, para uma viagem no tempo (através dos arquivos, lá está), até aos primeiros hits de Ike & Tina como ‘A Fool in Love’, os primeiros rasgos de empatia que o dueto gera imediatamente com o público, por causa dela...
“O que se passa com Tina” — contou-nos Daniel Lindsay em entrevista quando este documentário se estreou em Berlim 2021 — “é que, independentemente da artista espantosa, ela tem uma história de vida tão incrível que se adapta a géneros cinematográficos muito diferentes. A ligação dela a Ike Turner é um melodrama. Mas não menos interessante é pensarmos que ela passa por uma história coming-of-age aos 40 anos de idade a partir do momento em que se livra do marido — e tudo renasce para ela a partir dali. Nós neste filme quisemos ir mais longe do que alinhavar um episódio histórico a outro. O que tentámos foi retratar uma experiência de vida em que Tina, a um nível emocional, passa por altos e baixos extremos, como uma montanha-russa.”
Já T. J. Martin falou dela como um gato com sete vidas, “e garanto que cada uma delas dava um episódio diferente se este filme fosse uma série de televisão.” Segundo o realizador, criar um daqueles documentários tradicionais sobre Tina Turner comentados por ela e por quem a conheceu não faria qualquer sentido. “Era uma redundância: ela não tem nada a provar. Começou a cantar profissionalmente aos 18 anos, passou seis décadas em cima dos palcos! Nós não fomos por esse caminho, escapámos ao modelo MTV, contornámos a ideia do guião biográfico. O que tentámos foi interlaçar os arquivos de tal maneira que esta torna-se uma história propícia a outro tipo de temas: a intimidade, a confissão, etc. Ela tem a perfeita noção de que é um ícone da pop e em simultâneo é a pessoa mais terra a terra do mundo. Sempre calorosa, sempre franca connosco. Não fazia a mínima ideia que tipo de filme estávamos a preparar quando nos recebeu. Depois percebemos que com ela não há fingimentos. E isso encorajou-nos a desenvolver a gravidade das emoções que estão no filme.”
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