Blitz

Amor e fogo-de-artifício na Cidade Coldplay: relato de uma noite feliz. “Foi a melhor experiência que tivemos em Portugal até hoje”

Na primeira de quatro noites no Estádio Cidade de Coimbra, os Coldplay maravilharam mais de 50 mil espectadores com um sem-fim de grandes êxitos, empenho à prova de bala e um espetáculo visual irrepreensível. Não é (só) um concerto, é uma experiência, dizem todos (até a banda)

“Experiência”: esta era a palavra que, na primeira de quatro datas dos Coldplay em Coimbra, mais se fazia ouvir. Muitos dos fãs que esperavam pacientemente pela entrada no estádio da cidade dos estudantes confessavam que, mais do que alguma canção em particular, desejam viver “a experiência” de ver, em vários casos pela primeira vez, os ingleses ao vivo, e mesmo quem acorreu à chamada sentindo-se já algo desligado de um grupo que em tempos acompanhou não quis perder a oportunidade de, no meio de mais de 50 mil almas, passar pela “experiência” do reencontro. Mal o concerto dos Coldplay tem começo, pouco antes das 21h30, é fácil entender ao que se referem estes espectadores. Visualmente irrepreensível, o espetáculo é, de facto, mais do que uma simples atuação musical. Pejado de mensagens sobre ecologia e sustentabilidade, e apelos ao amor e às posturas inclusivas, o sexto concerto dos Coldplay em Portugal é uma espécie de média-metragem, com direito, até, a créditos completíssimos no final da noite. O conceito, esse, é simples: a felicidade ao alcance de todos, durante duas horas de altíssima energia e tecnologia de ponta.

No centro de todas as atenções está, naturalmente, Chris Martin, o vocalista e frontman que cresceu a ler livros sobre os U2 e que parece ter aprendido uma lição ou duas com Bono Vox (até o cariz messiânico parece lá estar, embora por enquanto mais controlado do que no caso do irlandês). Neste retomar da digressão “Music of the Spheres”, que depois do sucesso estratosférico no Brasil, há dois meses, ficou em pousio, os Coldplay não deram sinal de ferrugem nas juntas. Pelo contrário: a máquina mostrou-se oleadíssima, com a entrega dos músicos a coincidir lindamente com o aparato visual: até perto das 23h30, veremos toda a sorte de efeitos visuais - de projeções caprichadas nos ecrãs gigantes às labaredas em palco, passando pelas famosas pulseiras LED que piscam ao som da música -, sem que isso torne o espetáculo demasiado grandioso ou avassalador. Uma das grandes virtudes da banda, neste momento, será a de conseguir conciliar facetas aparentemente opostas: dão um espetáculo para massas, mas com um sentimento intimista; têm um apelo global, mas apostam no local, tentando falar na língua dos países que visitam ou tocando canções dos mesmos.

Incansável a todos os níveis, Chris Martin é o homem da noite. Quando vemos a banda a entrar em palco - em imagens a preto e branco, captadas na caminhada dos bastidores -, o cantor é o último a ser filmado, mostrando o sorriso feliz de estrela pop que não perdeu o charme de boy next door. Entretanto, podem apelar a todo o tipo de prática ecológica (reflorestamento, limpeza de oceanos…) mas poupar energia não é com Martin, Jonny Buckland, Will Champion e Guy Berryman, que ao primeiro tema - ‘Higher Power’ - já dão tudo em palco, e ainda reforçam a oferenda com fogo-de-artifício.

Com as pulseiras LED brilhando em tons de azul e vermelho, a plateia do Estádio de Coimbra vibra de alegria e entusiasmo, ao som dos ágeis ‘yo-ooohs’ de Chris Martin, a fazer lembrar Sting nos Police. Já na canção que se segue, ‘Adventure of a Lifetime’, o baixo de Guy Berryman aponta à anca numa espécie de neo disco que transporta a mensagem: “you make me feel like I'm alive again”. Ainda que o tema, lançado em 2015, anteceda a pandemia, é justo pensar que estes ajuntamentos de seres humanos em plena euforia não foram, durante dois longos anos, sequer possíveis. E não há como sorrir com a regressada liberdade.

Durante boa parte do espetáculo, e muito graças a um alinhamento em modo best of, não se registaram momentos mortos. Com ‘Paradise’, a terceira ‘senhora’ a entrar em palco, o público lançou-se num dos primeiros grandes coros da noite, enquanto Chris Martin, um garoto de 46 anos, se sentava descontraidamente no palco, tal como há quem garanta tê-lo visto fazer na relva de Paredes de Coura, quando há 23 anos a sua banda tocou pela primeira vez em Portugal. Mais tarde agachado, vai comandando o coro de cantores coimbrão com sussurros, mostrando-se divertido e empenhado, neste regresso aos palcos. Logo a seguir, ‘The Scientist’ leva-o até ao piano, e os ecrãs mostram-no a preto e branco, como que sublinhando a genuinidade do momento.

Agradecendo em bom português “o esforço” de todos os que se deslocaram ao Estádio de Coimbra, “apesar do trânsito e dos problemas”, o nosso anfitrião segue caminho para ‘Viva la Vida’, o hino cujo refrão onomatopeico o público foi entoando, ao longo do serão e de forma espontânea, para chamar a banda ou simplesmente celebrar. Com as cores da bandeira da Ucrânia no pulso e uma bandeira portuguesa presa nas calças, Chris Martin não se cansa de percorrer a “passadeira” que une os dois principais palcos e de tentar que cada uma destas 52 mil pessoas se sinta em casa e seja parte integral do espetáculo. Pelos coros eufóricos que ouvimos ‘Viva la Vida ou ’Hymn for the Weekend', diríamos que, amanhã, Coimbra acordará afónica, mas feliz.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde os Coldplay tiveram consigo, no terceiro palco, músicos locais como Seu Jorge e Milton Nascimento, em Coimbra não houve tais intercâmbios. Contudo, Chris Martin chamou ao palco principal Lourenço, um jovem que, num cartaz, pedia para que o deixassem cumprir o seu sonho, tocando a canção ‘Hardest Part’ ao piano. “Podes, com certeza”, validou o ‘patrão’ da banda. E foi assim que o rapaz de Lisboa se viu frente a uma multidão a perder de vista, tocando - e até cantando um pouco - do tema que os Coldplay não apresentavam ao vivo desde 2016. “Obrigada, meu irmão”, despediu-se Chris Martin, colocando a bandeira das quinas pelas costas do fã que nunca vai esquecer esta noite.

Tendo já ultrapassado as duas décadas de atividade, os Coldplay estão num nível de profissionalismo que, ao vivo, ainda não se tornou estéril. Em palco, pintam a traços grossos, com cores invariavelmente garridas, mas têm a vantagem de não complicar o que é simples. Assim foi esta noite: ‘In My Place’, como muitos dos regressos ao passado, foi novamente ‘transmitida’ a preto e branco, e ‘Yellow’ fez-se anunciar pela luz da mesma cor que, segundos antes de o primeiro single de sempre dos londrinos dar à costa, começou a emanar das pulseiras da multidão. Esta é a tal canção que, numa noite em que as estrelas foram os Mr. Bungle e os Flaming Lips, o público de Paredes de Coura recebeu com relativa indiferença. Na altura, lembra-se aquela que assina estas linhas e que, em 2000, marcava presença no anfiteatro natural, Chris Martin tocou sobretudo ao piano, com o globo terrestre da capa de “Parachutes”, o primeiro disco dos Coldplay, encimando o instrumento. Hoje, os meios são outros e o público também. Mas, apesar das mudanças que foram operando no seu som, é curioso perceber que uma certa tendência para a pompa, ou pelo menos para os refrões épicos, já estava lá.

Antes de sugerir que, na plateia, os espectadores se virassem uns para os outros, cantando ‘Yellow’ para o vizinho do lado e assim “fazendo novos amigos”, Chris Martin elogiou o público desta primeira noite coimbrã. Curiosamente, usou a palavra que tantas vezes escutáramos ao longo da tarde: experiência. “Esta é a nossa melhor experiência em Portugal até hoje”, garantiu. “Vocês são um público perfeito e fazem-nos sentir incríveis.”

A “experiência” Coldplay efetuou paragens, logo de seguida, em ‘Human Heart’ e ‘People of the Pride’ (com algo de Muse no seu ritmo bojudo), na qual Chris Martin abraçou uma bandeira LGBTQ+. Aqui começava uma sequência porventura mais desacelerada do concerto: mesmo ‘Clocks’, uma das canções mais certeiras dos Coldplay, pareceu algo mortiça, talvez pela curiosa escolha de “apagar” a luz na plateia, deixando o palco habitado por silhuetas recortadas sobre luzes verdes. ‘Something Just Like This’, a colaboração com os Chainsmokers, também não deixou a mais forte das impressões, apesar das máscaras de extraterrestre que os músicos envergaram, e da meritória mensagem que, de resto, se podia ler em muito do merchandising que a banda tinha à venda: “everyone is an alien everywhere”. No segmento EDM do concerto (talvez fosse a isto que dois fãs se referiram, à tarde, como fase “folclórica” da banda?), houve ainda espaço para ‘My Universe’, canção gravada com os coreanos BTS que, esta noite, convidou os santos populares a chegarem antes do tempo, através do vistoso fogo-de-artifício lançado sobre o palco.

O comboio dos Coldplay recuperou o ritmo em ‘A Sky Full of Stars’, entoada a plenos pulmões pelos fãs e interrompida - estamos em crer que premeditadamente - pela banda, que demonstrou querer voltar a tocá-la, mas “sem telemóveis, sem câmaras, sem eletrónica”. O público acedeu ao repto e foi impressionante perceber como, num ápice, as palmas - agora batidas com as mãos livres - passaram a escutar-se de forma diferente. Se quiséssemos ser românticos, diríamos que até as estrelas, com as pulseiras brilhando em tons de azul e branco, se viam melhor.

Migrando então para o terceiro palco, na outra ponta do estádio, os Coldplay fizeram uma bela viagem ao passado, resgatando à estreia “Parachutes” as delicadas ‘Sparks’ e ‘Don’t Panic'. “Tocámos esta na primeira vez que viemos a Portugal, em 2000”, apontou Chris Martin, sem saber precisar o nome do festival. Antes, agradeceu demoradamente a toda a equipa que os acompanha em palco neste incrível empreendimento e pediu ao público que enviasse amor para todo o lado - “para a Ucrânia, a Rússia, a China, a vossa avó, a vossa irmã, o vosso cão…” -, lembrando o privilégio que é, numa altura em que o mundo parece “um pouco assustador”, podermos estar todos juntos, em torno de algo bom.

Apesar de bonito, este “flashback” dos Coldplay contribuiu para um certo esmorecimento do espetáculo. Nada que a surpresa “nacional” do alinhamento não resolvesse - Chris Martin, de guitarra acústica em punho, a cantar “Coimbra Tem Mais Encanto” (nome ‘de guerra’: ‘Balada da Despedida’), primeiro sozinho e depois com a ajuda emocionada do público, ficará certamente no álbum de melhores memórias desta noite.

No regresso ao palco “dos crescidos”, três ‘foguetes’ ajudaram a fechar a “experiência” com um laçarote: em ‘Humankind’, somos lembrados de que somos apenas humanos; ‘Fix You' garante que, afinal, temos conserto, e ‘Biyutiful’ reforça a mensagem imorredoura da pop, de que sem amor nada somos. “Believe in Love” é, de resto, a frase que se lê durante alguns minutos, no ecrã gigante, enquanto a banda faz repetidas vénias ao público que, minutos depois, sairá ordeiramente do estádio.

Depois de correr quilómetros e sorrir mais do que um político em campanha eleitoral, Chris Martin, o melhor embaixador de "Coldplay, a Experiência", retira-se da vista dos admiradores. A partir de amanhã, e até domingo, há mais corações para sarar & unir na imensa Cidade Coldplay.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: LIPereira@blitz.impresa.pt

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