Foi com energia, alegria e uma recordação súbita que os Pluto entraram esta sexta-feira em palco, no Super Bock em Stock. “Lembrámo-nos que faz agora 20 anos que começámos”, partilhou Manel Cruz com a plateia que enchia a Garagem EPAL para ver - nalguns casos, e a avaliar pela idade dos jovens fãs, pela primeira vez - a banda de “Bom Dia”. A história é bem conhecida, mas pode ser recapitulada brevemente: há duas décadas, e na ressaca do adeus dos Ornatos Violeta, Manel Cruz e Peixe juntaram-se ao baixista Eduardo Silva e ao baterista Ruca Lacerda (hoje, membro dos Mão Morta) para uma nova voltinha no carrossel do rock. Atravessado por um som seco e direto, com muita fantasia mas sem ‘gorduras’, o único disco que os Pluto lançaram - “Bom Dia”, em 2004 - teve à época um impacto discreto, mas perdura visivelmente na memória daqueles que, nesta noite de sexta-feira, acompanharam com fervor letras, solos e melodias das muito celebradas ‘A Vida dos Outros’ ou ‘Lição de Adição’.
Nesta segunda vida, iniciada com um concerto no Maus Hábitos, no Porto, em janeiro deste ano, os Pluto mantêm a formação e o espírito. Uma das características mais curiosas da banda é a forma como enche as canções de múltiplas explosões, arranjando ainda espaço para, no final de cada uma, construir pequenas ‘casinhas’ independentes. Assim acontece em ‘Bem-Vindo a Ti’, com a bela e surreal imagem transportada pela deixa “o filho deita-o pela boca, deixa o puto crescer”, ou pela beleza pós-tormenta de ‘Prisão’, um dos melhores temas do Pluto, sabiamente guardado para o encore, como qualquer bom pedaço cujo sabor se goste de prolongar durante a eternidade possível.
Tendo passado o ano a tocar ao vivo, geralmente em bares e salas dadas ao rock como a Garagem Epal, os Pluto estão não só perfeitamente oleados como se divertem a encontrar pequenos asteroides em torno de planetas já conhecidos. Algumas canções ganham ‘caudas’ mais longas ou psicadélicas (como ‘Só Mais Um Começo’, o primeiro single-ferradela da banda, escolhido para abrir a noite, ou ‘Segue-me à Luz’), outras mostram que nasceram para serem gritadas a uma só voz por uma plateia sedenta de rock ("Diz-me o que é que ele disse e o que é que ele achou, porque eu não conto a ninguém!", berra-se - em palco e fora dele - em ‘A Vida dos Outros’). Mas este é um bicho que também dança e se bamboleia, no riff-rodeo de ‘O 2 Vem Sempre Depois’ e na gostosa ‘Sexo Mono’, e que apresenta três canções não incluídas em “Bom Dia”: dois inéditos, um dos quais, ‘Túnel’, terá em breve um vídeo de Joana Brandão (que para ‘Onde Estou Eu’, de Manel Cruz, já realizou um filme premiado), e ‘Não Há Quadrado que Não Role’, tema mais afunkalhado e antigo e que, se não nos falha a memória, chegou a integrar o repertório ao vivo dos Supernada.
E se, como disse Manel Cruz na apresentação da nova ‘Túnel’, todos somos energia, o concerto chegou ao final com a energia lânguida de ‘Convite', a balada possível deste bicho do rock, seguida por um momento igualmente especial: ’Algo Teu', o comovente poema que encerra “Bom Dia”, apresentado de forma doce e espectral, como um cafuné depois da tempestade. No requisitado regresso ao palco, irrompeu então ‘Prisão’, exemplo máximo da forma como estes quatro eternos miúdos alternam entre rock rijo e ladainha de embalar, sem nunca se perderem num caminho - de pó e estrelas - que é muito seu.
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