Nick Cave e a morte dos filhos: “As pessoas perguntam-me: ‘como é que consegues dar concertos?’ É o contrário: como é que poderia não dar?”
Nick Cave
Em franca entrevista ao “New York Times”, Nick Cave explica porque continua em digressão após perder dois filhos: “Ver um público emocionado com o que eu estou a fazer é um privilégio enorme. Sei que todos os músicos dizem isso, mas é mesmo. O carinho do público salvou-me” Na mesma conversa, o artista australiano – que este ano atuou vezes em Portugal – fala também sobre religião e drogas, defendendo a legalização do consumo de heroína
Nick Cave deu uma entrevista ao “New York Times”, na qual aborda a morte de dois dos seus filhos: Arthur, de 15 anos, que perdeu a vida em 2015, após cair de um penhasco, e Jethro, de 31, que faleceu este ano. A propósito do lançamento do livro “Faith, Hope and Carnage”, que compila horas de conversas do músico com o jornalista Seán O'Hagan e sai no final deste mês, o australiano explica como continuar a fazer música e, sobretudo, a atuar ao vivo o tem ajudado.
“Tento escrever do ponto de vista de que algumas coisas arrasadoras que nos acontecem na vida podem ser, ao mesmo tempo, redentoras e belas”, afirma Nick Cave, que confessa acreditar haver sempre “uma saída. Não quero que tudo o que sou ande sempre à volta destas perdas, mas sinto-me motivado em mostrar às pessoas que se encontram na mesma situação de luto - e há centenas que me escrevem para o [site] Red Hand Files - que há uma saída. A maior parte das pessoas que escrevem, sobretudo no início do seu luto, não conseguem perceber o que digo. Compreendo-as perfeitamente. Sinto o mesmo em relação ao Jethro”, confessa, referindo-se ao filho que morreu em circunstâncias não reveladas.
“Quando o Arthur morreu, caí no lugar mais obscuro possível, em que não conseguia escapar ao desespero. Depois, eu e a Susie [sua mulher e mãe de Arthur] lá conseguimos, não sei bem como, sair daquela situação, e - sei que isto parece piroso - isso teve muito a ver com a reação que comecei a ter das pessoas que me escreviam e diziam: ‘Isto já me aconteceu’. Isso influenciou-me muito. E os concertos que dei a seguir também - o carinho do público salvou-me. Os meus fãs ajudaram-me muito e agora, quando toco ao vivo, sinto que lhes estou a devolver algo. O que faço, artisticamente, é pagar uma dívida. Os concertos e este apoio mútuo salvam-me. As pessoas perguntam-me: ‘como é que consegues andar em digressão?’ Mas para mim é mais ao contrário. Como é que poderia não fazê-lo?” Comparando o seu presente artístico com os seus primeiros anos enquanto performer, Nick Cave diz: “Ver um público emocionado com o que eu estou a fazer é um privilégio enorme. Sei que todos os músicos dizem isso, mas é mesmo."
Na mesma entrevista, Nick Cave fala da sua relação com a religião. “O meu temperamento religioso, que sempre existiu, foi potenciado depois da morte do Arthur. Às vezes sinto-me mais ativo espiritualmente do que outras, mas sempre vivi nesta luta entre a minha crença religiosa e o meu ceticismo racional, que dantes encarava como uma falha religiosa. Agora, algo mudou e já não o vejo como falha. Olho para a falha como a experiência religiosa em si.”
Sobre as suas experiências com drogas, o australiano distinguiu entre as anfetaminas, que diz terem “um efeito espetacular na nossa dedicação patológica ao trabalho”, e a heroína. “Acho que a heroína não tem grande valor [no processo criativo]. A partir de certa altura, impede-te de seres responsável do ponto de vista criativo, porque estás a viver a tua vida às mãos de uma droga. Com a heroína, levantas-te e tens de te injetar, ou ficas doente. Então injetas-te e mais tarde precisas de te injetar outra vez. Desde que tenhas dinheiro e acesso à droga, até é uma vida com estrutura. Se não tiveres dinheiro, é o caos: não recomendo. Defenderia a legalização da heroína, no sentido em que te permita ir a algum lado consumi-la em segurança. O que é incrivelmente destrutivo e perigoso é o caos em redor desta droga. A ilegalidade é a razão pela qual tantas pessoas morrem por consumirem heroína”.
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