16 agosto 2022 21:55









Não há chuva que afaste os festivaleiros do primeiro dia do festival Vodafone Paredes de Coura, marcado por uma maratona de música portuguesa. "Isto é lindo, caramba, isto é mel", disse Samuel Úria no palco principal. Ali ao lado, Rita Vian, pela primeira vez no cartaz, atraiu uma plateia numerosa e atenta, terminando a cantar Amália
16 agosto 2022 21:55
"Não está a chover e estamos em Paredes de Coura. De zero a um milhão, quão maravilhoso é isso?" A pergunta, assumidamente retórica, é colocada ao final da tarde por Samuel Úria, um trovador estimado nas terras do Minho, que aproveitou a sua passagem pela maratona de música portuguesa deste primeiro dia de festival para partilhar canções recentes e velhas glórias, sempre com o mesmo empenho e com a mesma participação popular. Recebido como um herói e ovacionado, na despedida, com ainda mais carinho, o músico de Tondela mostrou-se emocionado com "o mar de gente" que tinha à sua frente, lançando vários e divertidos apelos: "façam lama!", sugeriu, quando começou a chover; "quero ver esses guarda-chuvas no ar!", adaptou, pouco mais tarde.
De uma canção da era "grunge, escrita quando 80% das pessoas aqui não deviam ser nascidas" e o cantautor, vivendo "às custas dos pais", procurava "coisas tristes que não existiam" para lhe servirem de validação artística, às bem mais jovens 'Marcha Atroz' ou 'A Contenção', que puseram a plateia em alvoroço, Samuel Úria segurou sempre as rédeas do espetáculo. "Isto é bonito, caramba. Isto é mel", elogiou a certa altura. A belíssima 'Lenço Enxuto, infelizmente sem Manel Cruz, que tocou ao início da tarde com os Pluto, teve o seu autor a cantar por dois e a conclusão lógica de uma letra iluminada - "que um homem só não chora por não ser capaz" - a tocar o caldo lacrimal do muito público.
Nos três quartos de hora atribuídos, democraticamente, a cada banda couberam ainda 'É Preciso que eu Diminua', dedicada a uma amiga aniversariante de Samuel Úria e celebrada por um grupinho de festivaleiros dançando em roda quase folclórica, e por alguém que, lá à frente, não pôde esperar pelo primeiro mosh. Tudo é válido e essa é a beleza da música e de quem a veio ver.
"Sejam felizes nestes dias!", despediu-se o cowboy de Tondela. "Aproveitem este sítio idílico e sejam carinhosos com os artistas", pediu. O carinho por si traduziu-se, de imediato, num coro de "só mais uma!", mas ao fundo ouvia-se já, vindo do palco secundário, o canto de sereia de Rita Vian.
Frente a um fundo azulão (e precisamente no momento em que vemos um senhor vestindo um impermeável do Futebol Clube do Porto), Rita Vian saltou do papel de festivaleira para o palco. À BLITZ, a criadora de canções afirmou estar deliciada com a concretização deste sonho, e ciente da "responsabilidade" de ser a única mulher - em nome próprio - do cartaz deste primeiro dia. E pode dizer-se que, perante uma tenda repleta, na qual muitos terão, também, procurado abrigo da chuva, a autora de 'Purga' mais do que cumpriu com "a p*ta da expectativa", para citar a sua companheira de ofício Ana Fernandes, mais conhecida como Capicua.
Frente a fundos monocromáticos, e acompanhada por João Pimenta Gomes na eletrónica, Rita Vian colocou a sua voz, cada vez mais segura, ao serviço de canções sobre amor e desamor, dinheiro e destino. Em 'Caos'a', 'Sereia' - que contou ter escrito no seu quarto e ser um lembrete importante da importância das nossas ideias - ou 'Purga', gera-se um reconfortante calor humano frente ao palco secundário. Lá fora a chuva cai, sob a cobertura da tenda uma jovem mulher senta-se na beira do palco para cantar, a cappela, um dueto que conheceu na voz dos avós. "E recebe mil saudades da tua Maria", termina, recebendo um aplauso amoroso que se traduz num arrepio coletivo.
Por vezes próxima da tradição, outras diluindo-se em melodias e ritmos quase líquidos, Rita Vian ofereceu ainda à sua primeira plateia de Paredes de Coura 'HPA', 'dona' da intrigante ideia "Há por aí uma versão alternativa de mim", e voltou a surpreender na hora do adeus, dando voz a 'Carmencita', fado de Amália Rodrigues, de quem gravou uma versão com Mike El Nite. Ao nosso lado, um rapaz comentava com o amigo, berrando-lhe ao ouvido: "Musicalidade, nota dez! Teatralidade, nota dez! Rutura, nota dez! Do c*ralho." Ficou o norte conquistado.