Foals no Super Bock Super Rock: esta febre de sábado à noite fez-se com guitarras
Foals no Super Bock Super Rock 2022
Rita Carmo
Foals no Super Bock Super Rock 2022
Rita Carmo
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No seu sexto concerto em Portugal, os ingleses Foals provaram que têm com o público português uma relação perfeita, marcada pela entrega total de ambas as partes e por uma comunicação que quase dispensa palavras. Mais do que uma banda da casa, são mais uma história de amor nascida deste lado da península
Recentemente reduzidos a um trio, após a saída do baixista Walter Gervers e do teclista Edwin Congreave (que trocou a vida do rock por uma pós-graduação em Economia), os Foals apresentam-se atualmente ao vivo com alguns músicos adicionais que ajudam a garantir o som tipicamente sólido e energético que deles se espera. Foi nesta modalidade que chegaram ao palco da Altice Arena, onde assumiram o estatuto de cabeças de cartaz do derradeiro dia do mais inesperado Super Bock Super Rock de sempre - e Yannis Philippakis, um frontman de carisma discreto mas eficaz, foi um dos poucos artistas internacionais a agradecer o esforço de todos para fazer o festival acontecer. "You Portuguese rock!", elogiou. Na boca de outros, poderia soar a formalidade, mas há algo nos Foals - de cru, de genuíno - que nos faz acreditar que sim, eles tinham saudades nossas (o último concerto que tinham dado por cá foi em Paredes de Coura, há cinco anos); que sim, estão felizes por passar esta noite de sábado partilhando entusiasmo & suor com os fãs; que sim, ainda há vida no rock de guitarras, a ferramenta que continua a servir de alicerce à banda, mesmo nas suas derivações mais dançáveis.
Formados em Oxford, terra dos Radiohead, há 17 anos, os ingleses vêm correndo, ao longo de sete álbuns, as várias capelinhas do rock, do mais experimental ao mais hedonista, faceta à qual regressam no mais recente "Life Is Yours", lançado há um mês. Perante um público cuja genica e frescura nos fazem suspeitar que estes espectadores terão vindo ao festival apenas hoje, Philippakis, Jack Bevan e Jimmy Smith contam com a ajuda de um bom jogo de luzes e da projeção constante de motivos ora psicadélicos, ora floridos. Mas nada disso importa demasiado: vendo, ouvindo e sentindo a energia que sai do palco e faz ricochete no público, voltando para a banda, percebe-se que a postura dos Foals seria a mesma num pequeno bar, onde certamente terão começado por tocar, e aqui, numa sala com capacidade para 20 mil pessoas, que já recebeu monstros do rock e cimeiras da NATO. O que conta são eles e as canções, as canções e o público, a transferência de emoções (e saltos e patadas e palmas espontâneas) que acontece de forma espontânea. Numa pequena sala esconsa ou no pavilhão anteriormente conhecido como Atlântico, a vontade e o empenho dos Foals seriam os mesmos, e isso é o que distingue uma banda que soa viva daquelas que têm a mera nostalgia como motor.
Com o público português, dir-se-ia que os Foals têm uma relação perfeita, marcada pela entrega total de parte a parte e por uma comunicação tão orgânica que praticamente dispensa palavras. É a festa que se instala na plateia em 'My Number', especialmente dançante, ou 'In Degrees', tocada logo a seguir; é a sequência mais musculada de 'Providence', 'Inhaler' e 'Black Bull', abrindo mosh pits com fartura, e é invariavelmente a enorme 'Spanish Sahara'. Uma das melhores canções da última década, viaja - à boleia de um falsete impecável - do quase silêncio à tempestade tão gostosa como inevitável. Lançada em 2010, a bordo do segundo álbum da banda, "Total Life Forever", nem chegou a ser single oficial, mas tem tudo aquilo de que uma canção precisa para viver milénios nos corações mais porosos.
Com o público na mão, mas sem revelar qualquer arrogância, os Foals lembram ocasionalmente, não tanto pela sonoridade mas pela loucura que despertam nos fãs com os temas mais rock, os verdes anos dos Arctic Monkeys. Não se furtando a descer do palco para respirar o mesmo ar que os admiradores, Yannis Philippakis ficará um pouco mais em palco, depois da despedida com 'Two Steps, Twice', agarrado à guitarra, dela extraindo os últimos sons do serão. Sem pressa, como quem prolonga o prazer dos que já sentem saudades antecipadas destes velhos amigos. Mais uma vez, a relação perfeita: uma paixão que não esmorece com o passar dos anos, sem que seja preciso exigir carinho ou atenção, e um amor que, alcançado o êxtase, se dissolve numa massa sonora sem palavras a atrapalhar. Um dos grandes concertos do festival, com certeza.