Sónar Lisboa. Arca perguntou ‘Qué lo qué?’, a resposta foi um formigueiro nas veias
Arca no Sónar Lisboa 2022
Rita Carmo
Arca no Sónar Lisboa 2022
Rita Carmo
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Foi um concerto, uma performance ou foi um DJ set? Se tais definições interessassem, Arca não seria uma das artistas mais arrojadas e transformadoras do momento. O Pavilhão Carlos Lopes recebeu de braços abertos as suas batidas quebradas com mestria e alguns dos momentos mais efervescentes do ciclo de álbuns “Kick”
Uma atuação de Arca será sempre, à partida, uma incógnita. No passado, ouvimo-la entregar-se de corpo e alma às canções do magistral álbum homónimo de 2017 num concerto memorável no Roundhouse de Londres, vimo-la romper todas as expectativas com uma performance incendiária no palco do NOS Primavera Sound e, também, investir num set eletrizante no ID No Limits. Esta sexta-feira, aterrou no palco do Sónar Lisboa com um fenomenal ciclo de cinco álbuns ainda bem presente, mas apesar de dar uma ou outra alfinetada nalguns dos temas mais eletrizantes de “Kick” não se alongou demasiado por aí. Talvez porque na sua fecunda criatividade não haja demasiado espaço para o passado, mesmo que ele ainda esteja muito presente.
Entre batidas quebradas com mestria e melodias de peso industrial, Alejandra Ghersi suga-nos para um mundo muito próprio, tão sedutor quanto misterioso, povoado por formas fantasmagóricas e ruídos enevoados. E faz o que quer. O que interessa se o que temos pela frente é um DJ set ou um live act? Arca está para lá de todas essas noções concebidas para nos guiar e leva-nos com ela, sem grandes questionamentos, entre rajadas sonoras, vindas de todas as direções. Quando as batidas bojudas de ‘Prada’ se soltam e, tal como em disco, resvalam para a luxúria de ‘Rakata’, o público reage efusivamente (mesmo quem, no final, se queixe de não ter escutado ‘Incendio’, uma das faixas mais dilacerantes de toda a obra “Kick”).
“Quero ouvir-vos fazer barulho”, instiga Ghersi a dado momento, “preciso de mais barulho do que isso”. A exigência é grande, mas apesar de sentirmos que a necessidade de calor humano está lá – chega mesmo a descer junto à plateia do Pavilhão Carlos Lopes durante ‘Rakata’ – a verdade é que a sua performance é, acima de tudo, autossatisfatória. Quer esteja atrás da mesa com os seus headphones quer se aproxime da frente do palco de microfone em punho, Arca está ali para se servir a si mesma. E isso transpira para a multidão, que se entrega, sem reservas, às chicotadas de ‘Riquiquí’ ou ao reggaeton desconstruído de ‘KLK’ (acrónimo de "qué lo qué", que, de forma livre, se poderá traduzir como "que se passa?"), dueto com Rosalía integrado no primeiro capítulo de “Kick”. A performance de Arca na primeira noite do Sónar Lisboa terminou de forma tão intensa quanto começou, com um beijinho e um adeus, e foi como um formigueiro que se espalhou pelos vasos sanguíneos ao longo de uma hora. Sem necessidade de substâncias sintéticas.