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50 anos do 25 de Abril

25 de Abril: “A democracia cumpriu-se, hoje pode dizer-se o que se pensa”, a revolução filmada por cineastas amadores

O cineasta não-profissional (e médico) Nuno Monteiro Pereira no período da revolução
O cineasta não-profissional (e médico) Nuno Monteiro Pereira no período da revolução

Livres numa lente. Os chamados pequenos formatos, sobretudo de 8 mm, mais familiares ou mais artísticos, perfeitamente amadores ou de cineastas não-profissionais, são filmes que nunca foram sujeitos ao crivo da censura durante o Estado Novo. Na revolução, logo no dia 25 mas também nos tempos de festejo ou tensões que se lhe seguiram, os cineastas amadores saíram às ruas e de câmara empunhada filmaram, em Abril como antes, livremente

Tiago Palma

Jornalista

Os soldados patrulham as ruas, já sem cravos a maior parte. Outros, poucos, trazem-nos nas lapelas e não colocados nas espingardas. Alguns dormem ou tentam nas soleiras dos prédios. Outros leem jornais. Outros bebem cerveja de lata. Quem por eles se cruza, não pára, não cruza olhar, não fala. Há veículos militares, mais carrinhas que chaimites, tanques é que são já poucos, estacionados nos largos. Na estrada, os praças da Marinha fazem as vezes dos polícias sinaleiros. Estamos no Chiado, descendo da Misericórdia, descendo para a Baixa de Lisboa. O trânsito faz-se como habitual, passam taxis, passam civis. No Largo do Carmo há pequenas aglomerações mas nenhuma multidão.

Caetano já partiu na Bula. Maia já pousara o megafone. O regime já caiu. O dia é 27 de abril de 1974. Sábado.

Pedro Noronha, advogado, nasceu em 1938. Tem 86 anos. Tinha 36 então. São dele as filmagens amadoras. “Eu não sou um cineasta, pois nunca tive ‘intenções públicas’, digamos. Filmava as minhas viagens ao estrangeiro, as férias, a família. Foi um mero acaso, filmar isto [25 de Abril] foi um mero acaso. Entreguei os filmes à Cinemateca porque sinceramente eu não sabia o que valiam, se interessavam, se não interessavam. Muito espantado fiquei quando de lá me disseram que eram boas”, relembra.

Em novembro — há, pois, cinco meses —, a Cinemateca Portuguesa, numa parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, desafiou os portugueses para que lhes enviassem filmes amadores inéditos da Revolução. Pedro enviou dois. Nenhum é de 25, pois nesse dia trabalhou na Lisnave, não como era habitual, mas quase como habitualmente.

“Entusiasmei-me com o 25 de Abril. Entusiasmei-me… Na rádio diziam-nos para não sair, na televisão também, mas eu não quis saber. E saí! Para ir trabalhar no estaleiro… [Risos] Peguei num rádio da minha filha, assim pequeno, esférico, e lá fui. Quando cheguei, um porteiro — que mais tarde veio a saber-se era informador da PIDE — pergunta-me se levava ali uma bomba. ‘Ainda não, ainda não…’ E trabalhei normalmente. Sempre com o rádio ligado, claro. Eu só filmei o 25 de Abril no dia 27. Como não trabalhava nesse dia, lá vim eu para Lisboa”, explica 50 anos depois.

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