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COP27

Da primeira-ministra dos Barbados ao Presidente ucraniano, os discursos que já marcaram a COP27

A cimeira do clima da ONU, com o mote "Juntos para a Implementação" (tradução livre), reuniu representantes de cerca de 200 países ou blocos signatários da convenção
A cimeira do clima da ONU, com o mote "Juntos para a Implementação" (tradução livre), reuniu representantes de cerca de 200 países ou blocos signatários da convenção
MOHAMMED SALEM

Os primeiros dias da 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, no Egito, foram marcados pelos discursos de líderes dos quatro cantos do mundo. Das nações menos desenvolvidas saem pedidos de justiça climática e de compensação pelas perdas e danos. Dos países mais ricos as mensagens incentivam a aposta nas energias renováveis e o fim das fósseis

Da primeira-ministra dos Barbados ao Presidente ucraniano, os discursos que já marcaram a COP27

Mara Tribuna

Jornalista

Primeira-ministra dos Barbados, Mia Mottley

Já na COP26 a primeira-ministra dos Barbados (uma ilha das Caraíbas) tinha passado uma mensagem poderosa e com grande sentido de urgência. Este ano não foi diferente. “Nós éramos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Agora vamos enfrentar um duplo risco ao ter de pagar as consequência daqueles gases com efeito de estufa resultantes da revolução industrial? Isso é fundamentalmente injusto”.

Mia Mottley pediu uma abordagem diferente para ajudar “os países que sofrem com a catástrofe” e que são simultaneamente quem tem menos responsabilidade histórica nas alterações climáticas. Se isso não acontecer, “vamos assistir a um aumento do número de refugiados climáticos. Sabemos que até 2050, os 21 milhões de refugiados climáticos do mundo de hoje tornar-se-ão mil milhões”, alertou.

Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres

“Estamos numa autoestrada para o inferno climático com o pé no acelerador”. O discurso inaugural de Guterres na segunda-feira foi um banho de realidade. “Estamos na luta das nossas vidas e estamos a perder. As emissões de gases com efeito de estufa continuam a crescer. As temperaturas globais continuam a aumentar. E o nosso planeta aproxima-se rapidamente de pontos de rutura que tornarão o caos climático irreversível”, alertou.

“A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer” e para evitar a última opção, o secretário-geral das Nações Unidas propôs um pacto “em que todos os países façam um esforço extra para reduzir as emissões nesta década, de acordo com o objetivo dos 1,5ºC”. “É um Pacto de Solidariedade Climática, ou um Pacto Coletivo de Suicídio”, advertiu.

Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky

“Não pode existir uma política climática eficaz sem paz na Terra, porque os países pensam apenas em proteger-se a eles mesmos, aqui e agora, das ameaças criadas em especial pela agressão russa”. Num vídeo enviado para a COP27 a partir da Ucrânia, Zelensky acusou a Rússia de ter desviado as atenções do mundo da crise climática.

“Ainda há pessoas para quem as alterações climáticas são apenas retórica, marketing, e não um acontecimento real. São esses quem impede a concretização dos objetivos climáticos. São aqueles que, nos seus gabinetes, troçam dos que lutam para salvar a vida no planeta, enquanto em público apoiam as ações pela defesa da natureza. São aqueles que iniciam guerras de agressão quando o planeta não pode permitir-se disparar um único tiro, porque precisa de uma ação coletiva”, criticou.

Primeiro-ministro português, António Costa

Costa deixou “uma palavra muito dolorosa sobre os incêndios florestais” que nem sempre são abordados nestas cimeiras, mas são “da maior importância para a redução de emissões e para a capacidade da floresta desempenhar o seu papel no sequestro do carbono”. “Estima-se que 6% das emissões mundiais de dióxido de carbono resultem de incêndios de causa humana — em anos mais extremos pode chegar a representar 20%”, afirmou.

O primeiro-ministro defendeu que “a transição energética justa pode ser sinónimo de crescimento e prosperidade económica”, dando o exemplo de Portugal, que cedo apostou nas renováveis que são “as energias para o futuro”. “Mas [a transição energética] é acima de tudo um imperativo moral: como líderes devemo-lo às nossas populações, ao resto do mundo e às gerações futuras”.

Presidente do Quénia, William Ruto

É “correto e apropriado” que a cimeira do clima da ONU, a decorrer no continente africano, “tome as medidas necessárias para reconhecer as circunstâncias e necessidades especiais de África”, afirmou o Presidente do Quénia. “Perdas e danos não são o tema abstrato de um diálogo sem fim. É a nossa experiência diária e o pesadelo vivo sofrido por milhões de africanos”, disse William Ruto.

O chefe de Estado queniano, em nome do Grupo África, lembrou que “nos últimos 50 anos, as secas mataram meio milhão de pessoas e causaram perdas económicas de mais de 70 mil milhões de dólares” no continente. “O Corno de África, incluindo o Quénia, está a passar pela pior seca em 40 anos” e “a famosa vida selvagem do Quénia não foi poupada. Carcaças de elefantes, zebras, gnus e outros animais selvagens sujam nossos parques. Gastamos 3 milhões de dólares para lhes trazer comida e água", apontou.

Ex-vice-presidente dos EUA e Nobel da Paz, Al Gore

“Continuamos a usar a fina atmosfera azul como um esgoto aberto. Está a ficar cada vez pior. Temos um problema de credibilidade — todos nós não estamos a fazer o suficiente”. O antigo vice-presidente dos Estados Unidos apelou à importância de “deixarmos de subsidiar a cultura da morte e optarmos pelas energias renováveis”. “Nenhum novo projeto de combustíveis fósseis é aceitável”, vincou.

Al Gore, que foi galardoado com o Nobel da Paz em 2007, ilustrou bem os efeitos da emissão de gases com efeito de estufa no aquecimento global. “Em média, cada molécula de dióxido de carbono permanece 100 anos na atmosfera e a quantidade acumulada até agora captura tanto calor que se, fosse libertado, seria como 600 mil bombas de Hiroxima a explodir todos os dias no nosso planeta”, comparou.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen

Numa referência clara ao discurso de abertura de Guterres, a Presidente da Comissão Europeia afirmou: “Não vamos pela autoestrada que nos leva ao inferno, tiremos um bilhete limpo que nos leva ao céu”. E tal como Zelensky, von der Leyen não deixou de referir a agressão russa e a crise energética. “Temos um revólver apontado à cabeça, que é o conflito na Ucrânia. O Kremlin escolheu fazer da energia mais uma arma, apontada ao coração da Europa”, denunciou.

Primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne

“A indústria do petróleo e do gás natural continua a ganhar quase 3 mil milhões de dólares diariamente em lucros. Já é tempo de estas empresas pagarem um imposto global sobre o carbono sobre os seus lucros, como fonte de financiamento de perdas e danos”, urgiu o primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, nas Caraíbas. “Os produtores prófugos de combustíveis fósseis têm beneficiado de lucros exorbitantes à custa da civilização humana. Enquanto eles lucram, o planeta está a arder”, acrescentou Gaston Browne.

Chanceler alemão, Olaf Scholz

Scholz descartou completamente voltar a usar combustíveis fósseis para produzir energia. “Não deve haver renascimento mundial das energias fósseis. Quanto à Alemanha, eu digo-o: não haverá de forma alguma”, garantiu para acrescentar: “Para nós, é mais claro do que nunca que o futuro pertence à energia eólica, solar e ao hidrogénio verde”.

As limitações que a guerra russa na Ucrânia provocou no abastecimento energético levaram a Alemanha a reabrir temporariamente centrais a carvão até à primavera de 2024. Mas o chanceler assegurou que isso só vai acontecer durante esse “curto período” de tempo. “Estamos determinados a sair do carvão [até 2030]”, sublinhou.

Presidente da República Centro-Africana, Faustin Archange Touadera

Tal como vários líderes africanos, Faustin Archange Touadera apontou o dedo às grandes potências industrializadas por colarem o mundo perigosamente perto de um ponto de não retorno climático. “Devemos dizer claramente que os países ricos — os principais poluidores — são os maiores culpados por porem em risco a humanidade”, afirmou o chefe de Estado da República Centro-Africana.

Presidente francês, Emmanuel Macron

“Devemos pressionar os países ricos não europeus e dizer-lhes 'vocês devem pagar a vossa parte”. O Presidente de França considerou que as nações desenvolvidas e industrializadas, em “particular os Estados Unidos e a China têm de estar realmente envolvidos” no financiamento climático, “porque os europeus são os únicos a pagar” pelas perdas e danos aos países mais afetados pelas mudanças do clima.

Primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif

Com as recentes e trágicas cheias no Paquistão na memória, o primeiro-ministro Shehbaz Sharif sustentou que “as perdas e danos têm de fazer parte da agenda central da COP27 para satisfazer as necessidades humanitárias urgentes daqueles que estão presos numa crise de financiamento público alimentada pela dívida e que, no entanto, têm de financiar por si próprios os desastres climáticos. Isto é simplesmente injusto e injusto — para dizer o mínimo”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mtribuna@expresso.impresa.pt

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