SER

A Obsessão da Inovação

A Obsessão da Inovação

Quando fazemos uma simples pesquisa no Google, pela palavra Innovation (em inglês, por ser a linguagem universal dos negócios), defrontamo-nos com um impressionante resultado de quase 3 biliões de links para várias fontes, nas quais a palavra aparece. Se pesquisarmos em português, são "só" 279 milhões de resultados

De facto, a palavra inovação está presente em tudo o que fazemos e existe inovação para todos os gostos - temos inovação tecnológica, inovação social, temos livros, cursos, palestras, vídeos, posts sobre inovação - tudo em enormes quantidades, e disponível em diversos setores (Governo, Municípios, empresas, media).

Existem também tipologias variadas de inovação - inovação incremental, disruptiva, inovação de marketing, inovação aberta, inovação fechada, inovação de processos e, claro, inovação social.

O termo inovação está de tal forma incrustado na mentalidade das sociedades do pós-revolução industrial, sobretudo no Ocidente, que "Ser Inovador" é não só considerada uma competência chave nos mercados de trabalho, como quase uma característica de culto, que serve muito bem a construção de uma narrativa de "jornada do herói", para muitos palestrantes e profissionais, que funcionam como modelos que os nossos jovens adotam, como referências do que são "homens e mulheres de sucesso". Ainda ao dia de hoje, pessoas como Steve Jobs, Elon Musk e outros, são uma espécie de Pop Stars, que foram capazes de ver e de trazer ao Mundo, o que mais ninguém trouxe.

Como em quase tudo, é preciso que haja alguma moderação, também aqui. Nem todos os problemas se resolvem com inovação, tal como nem todas as inovações são sucessos. Há problemas que se continuam a resolver com bom senso, tal como há necessidades que só dependem, para serem satisfeitas, do que sempre funcionou. Se olharmos, por exemplo, para os problemas de saúde mental e emocional, de isolamento, de alienação social, o que funciona é basicamente o que sempre funcionou - empatia, afeto e redes de suporte. Não há mistério.

Existe também, por outro lado, uma confusão que identifica inovação, com inventar coisas novas. Resolver um problema complexo gerado por uma solução que já existe (seja ela de uma empresa, de um governo ou de um município), com recurso a processos e abordagens diferentes, que não foram utilizados antes, ou que até foram utilizados, mas de um modo diferente, também é inovação. E não se está a inventar nada. Está a mudar-se a perspetiva, a olhar de outro ângulo ou, até, com outro olhar.

Esta confusão é a mesma que nos leva a dizer que não somos criativos, e, como tal, não podemos ser empreendedores, porque não somos capazes, ou temos dificuldade em ter ideias novas ou disruptivas. Mais uma vez, temos que ver isto de outro ângulo - é criativo e, portanto, inovador, quem cria algo que não estava lá no momento anterior. Ou seja, qualquer pessoa que hoje decide ir para o seu trabalho pela rota B, em vez de ir pela rota A, está a inovar apenas porque introduziu uma pequena alteração que pode mudar o rumo da sua vida - ou porque se cruza com alguém que de outra forma não se cruzaria, ou porque, parado no trânsito, toma atenção a um anúncio que lhe dá uma ideia para um negócio que vai abrir com a mulher, e ainda nem sabe disso!

Inovar, neste sentido, está, pois, muito mais relacionado com uma atitude que, no mundo em que vivemos, de complexidade crescente e interligações múltiplas, assaltados por uma enorme e estonteante torrente de informações, deve ser cultivada. A Inovação é, essencialmente, boa, apenas porque, como diz António Damásio, a evolução está no nosso ADN. Somos desenhados para evoluir. E inovar é explorar as diferentes possibilidades de evolução.

Mas como se cultiva esta atitude? Cultivando 4 comportamentos chave:

  • Manter a mente aberta, e disponível a receber impulsos e estímulos de todos os lados, sem preconceitos;
  • Alimentar um sentido de curiosidade sistemático;
  • Trabalhar o foco na mudança de rotinas e pequenos hábitos diários, com cuja repetição corremos o risco de cristalizar;
  • Desenvolver a capacidade de escuta ativa - o que é o mesmo que dizer, desligar o “egómetro” e o “complicómetro” cerebral.

No entanto, nem tudo na inovação são rosas, e existem, de facto, alguns riscos de uma certa obsessão com a inovação, sobretudo ao nível dos processos de inovação nas empresas. Quais são eles? Penso que é importante falar nestes riscos, não porque eu seja propriamente um velho do Restelo (apesar de morar em Belém) - aliás, dedico a minha vida à Inovação, embora social - mas porque acredito que devemos ponderar os impactos negativos de tudo aquilo em que investimos o nosso tempo e recursos. Essa é uma grande lição que o empreendedorismo social, e a responsabilidade que lhe é inerente, me ensinou. Diria que os principais riscos de uma excessiva obsessão com a Inovação são, no essencial, dois:

  • A potencial criação de necessidades artificiais que, em vez de acrescentarem qualidade de vida, podem diminuí-la - um bom exemplo é a obsessão com os telemóveis. Cada nova versão de uma qualquer marca de telemóvel, traz uma série de pequenas novas melhorias tecnológicas, que não acrescentam, na maior parte dos casos, soluções que as pessoas realmente precisem para resolverem necessidades da sua vida. Adicionam, isso sim, ainda mais dependência do mundo digital, criando uma maior desconexão com o mundo real, e um decréscimo na qualidade das relações sociais.
  • O potencial descartar das tradições e aprendizagens do passado, esquecendo-se a circularidade do tempo, nas suas espirais ascendentes de evolução histórica que, não voltando nunca ao mesmo ponto, reproduzem, no entanto, contextos semelhantes, em tempos distintos, que muitas vezes pedem a chamada "sabedoria da experiência" e as tão batidas "melhores práticas". Por isso se ouve também muito, nos tempos que correm, uma expressão, que podia ser considerada um paradoxo, usada em processos de inovação, que é a seguinte: "Não vamos inventar a roda". Que é o mesmo que dizer: Vamos ser inovadores, mas só na medida que seja necessário para conseguir resultados melhores, mantendo o que for de manter. Até para se evitar o desperdício. Neste caso, de conhecimento.

Onde penso residir uma das grandes diferenças entre Inovação Empresarial tradicional (ou Inovação as usual), e Inovação Socia (nomeadamente Inovação Social Corporativa), é justamente nesta questão da definição daquilo que são, ou deixam de ser, estes resultados melhores que os processo de inovação procuram alcançar.

Nos processos de inovação empresarial, os resultados pretendidos pelos processos de inovação são, sobretudo, resultados que sejam melhores para a subsistência e/ou crescimento da própria empresa (com possíveis resultados positivos para a qualidade de vida dos seus stakeholders, mas sem que este valor seja, necessariamente, o fim em si da inovação).

Nos processos de Inovação Social, os resultados que se procuram atingir são sempre, no princípio e no fim, a melhoria da situação das pessoas, da sua qualidade de vida, eliminando ou mitigando obstáculos sistémicos que a estão atualmente a impedir, ou a restringir. Mesmo quando falamos de problemas ambientais, o objetivo último é o do bem-estar e qualidade da vida das pessoas, integradas em ecossistemas saudáveis e prósperos.

E, portanto, nos processos de Inovação Social não existe o risco da criação de necessidades artificiais. Porque estes processos partem sempre de um diagnóstico exaustivo dos problemas existentes e reais, e desenham soluções orientadas para os segmentos mais desfavorecidos, onde esses problemas são sentidos de modo mais evidente e dramático.

E, se os processos de Inovação Social forem bem desenhados, também não correm o risco de descartarem as aprendizagens da história ou do passado, porque a Inovação Social tem necessariamente de partir de um respeito pelo que já existe de muito bem feito no terreno, ou do que já funciona em determinado contexto. Existe um foco muito grande na empatia, e no real conhecimento do que já existe, por forma a não se desperdiçarem recursos abundantes. Porque os inovadores sociais não estão presos às suas ideias, eles acolhem todos os recursos já existentes e focam-se em conseguir o impacto. A mudança final.

Agora imaginem se as empresas juntassem estes dois processos - o de inovação de produto/serviço, inovação de processos, de marketing tradicionais, para aumentar a eficiência e a performance da sua organização, com processos de desenho de soluções específicas que resolvessem problemas reais dos seus stakeholders (clientes, fornecedores, colaboradores, parceiros), através dos seus produtos e serviços, dos seus ativos (conhecimento, equipamentos, modelos técnicos, pessoas), criando novos mercados, clientes mais fiéis, fornecedores mais capacitados e leais, e colaboradores mais satisfeitos. É esta a vantagem competitiva que a chamada Inovação Social Corporativa pode trazer às empresas.

A sustentabilidade, e a inerente análise eficiente dos impactos positivos e negativos de um negócio, no contexto onde opera, e nas comunidades com as quais interagem na sua operação, já são, e serão de forma crescente, a norma. Regulamentada, e sancionada. As empresas já não se podem diferenciar por esta via.

A verdadeira diferenciação virá, pois, daquelas que entenderem que apostar agora na Inovação Social dentro das suas organizações, significará um pioneirismo de um modelo de negócio que acredito será o modelo do futuro. Um modelo em que não fará sentido falar de negócios sociais, porque todos os negócios já terão integrado este chip e trabalharão para a geração de rendimento e lucro, mas também para objetivos de transformação social, ambiental e económica da sua cadeia de valor que, no longo prazo, também garantirá a relevância e subsistência económica do próprio negócio. Um mundo em que não fará sentido inventar um novo modelo de telemóvel, sem pensar como ele pode ser usado para resolver problemas específicos de segmentos mais carenciados ou de como podem ser criados modelos económicos criativos para que estes segmentos possam ter acesso a estes produtos, em condições adequadas à sua possibilidade de pagar.

Um mundo, em resumo, onde a obsessão pela Inovação corresponderá a uma obsessão por criar vidas melhores, e não apenas mais dinheiro.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate