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Por Mares Nunca Dantes… Conhecidos

Por Mares Nunca Dantes… Conhecidos

Prestes que estamos a celebrar os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, as palavras da Parte I do Canto I dos Lusíadas, “Por mares nunca dantes navegados”, continuam a fazer sentido nos dias de hoje. Não, talvez, na extensão dos oceanos, que todos já conhecemos, mas mais na sua profundidade, e no enorme desconhecimento que ainda grassa sobre o que estes representam e podem vir a representar, não somente para a sustentabilidade, mas também para a própria sobrevivência do Planeta e da espécie humana. É caso para dizer que vivemos de, e com “mares nunca dantes... conhecidos”

No caso de Portugal - e falando especificamente da relação que a humanidade desenvolve com os mares (neste caso, a relação de uma população de um país, como Portugal, com o mar) -, penso ser justo afirmar que existe uma relação ambígua, com raízes históricas. Mas será interessante, em primeiro lugar, olhar para alguns dados, que dão evidência desta relação, forte e umbilical, com o mar:

  • 5,3 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras, apesar de os municípios com orla costeira representarem apenas 23% do território nacional;
  • Portugal é o terceiro país da Europa com mais área marinha protegida (77.000 km2), e tem uma ZEE (Zona Económica Exclusiva) de 1,7 milhões de Km2, graças aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, bem como às Ilhas Desertas e Selvagens - a vigésima maior ZEE do Mundo;
  • 78% das mercadorias em Portugal entram por via marítima, contra 20% através da rodovia;
  • Portugal é dos países que mais peixe consome per capita - segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, cada português ingere cerca de 60 kgs de peixe por ano, o que equivale a mais do dobro da média europeia, com as sardinhas, os carapaus e o peixe-espada à cabeça.

Também na história de Portugal o mar foi sempre um fator determinante, por vezes com uma certa ambiguidade na relação que nós, portugueses, estabelecemos com ele. O mar, pela nossa circunstância geográfica, sempre foi um fator sociodemográfico e económico dominante que, ora se entendia como uma limitação da fatalidade, ou como “um oceano” de oportunidades. Um meio termo entre a nostalgia do que foi perdido, e a esperança do que virá. Entre uma e outra versão, fomos crescendo como sociedade:

  • Uma sociedade que via no mar as pontes com novos mundos, e novas rotas comerciais, mas que também via nele uma parede inquebrantável de desafios;
  • Uma população que fazia da pesca uma das suas principais atividades económicas, mas que deixava as famílias, em casa, angustiadas, com medo do que o mar poderia fazer aos seus homens, e, com a fatalidade da sua morte, à sua subsistência;
  • Um mar que nos deu Mundo e poder, mas que nos tirou tanto, e tantos. Foi através dele que nos foi levado D. Sebastião, e que ficou este Sebastianismo, que espera sempre algo que tarda em chegar.

No caso de Lisboa, e por causa do terremoto, essa relação ainda foi sendo mais paradoxal. A partir de 1755, a população lisboeta, coletivamente traumatizada, começou desde logo e, muito paulatinamente, a tentar recuperar a sua relação com o Mar e com o Rio, mas sempre muito a medo. Este trauma afastou-nos a todos um bocadinho mais da vida das águas profundas e assustadoras. O que é compreensível - a vida faz-se em terra. Não em alto mar. Então para quê perdermos tempos a conhecer e, mais que isso, a criar relação com este mar que, a qualquer momento, nos pode dar um coice, com todo o seu poder?

Mas a verdade é que, com ele, conhecendo-o a fundo e integrando-o nas nossas vidas, as possibilidades podem ser exponencialmente maiores. E não sou eu quem o diz - são os cientistas que sabem da matéria. Desde o turismo ecológico (como o que é feito na Reserva Natural das Berlengas), e a aquacultura sustentável (como o caso da Fazenda do Mar, na costa algarvia), da biotecnologia marinha, à robótica submarina - muitas tecnologias e conhecimento estão ainda por aplicar ao grande mundo dos oceanos.

Mas a pergunta que se impõe, então, é a seguinte: Independentemente da nossa relação de amor ou ódio, de medo ou admiração, de tranquilidade ou de desafio e stress com o mar, com os oceanos, a verdade é que eles são incontornáveis na vida da nossa sociedade. E, se assim é, por que razão sabemos tão pouco sobre ele? Por que razão as nossas Escolas, os nossos Governos, as nossas Empresas não investem mais tempo em aumentar os níveis de literacia sobre a economia do mar ou Literacia do Oceano (terminologia usada pela Direção-Geral de Política do Mar), criando as condições para que a nossa relação com ele se altere para uma relação mais sustentável no tempo?

Muitos fatores estarão na resposta cabal a esta pergunta, mas aponto três que considero resumirem alguns dos mais importantes:

  • Fatores de ordem psicológica e cultural, que condicionam a relação da sociedade com os mares e oceanos;
  • Fatores ligados à educação ambiental marinha nas Escolas - estes dois fatores agora mencionados, poderão ambos ser decisivamente combatidos, quer através de uma revisão curricular no sistema de educação público, que inclua cada vez mais os temas relacionados com os oceanos e a Economia do Mar, quer através da promoção de ações experienciais e imersivas destes jovens na natureza, por forma a criarem uma relação de conhecimento, proximidade e empatia com estes ecossistemas, transformando medos em compreensão e curiosidade. Uma tarefa que é em grande medida feita, hoje em dia, e bem, por associações como a da nossa Sciaena e outras;
  • Uma perceção errada sobre o que está incluído na Economia do Mar, muito além das pescas e da navegação e, portanto, com isso, um desconhecimento generalizado sobre as oportunidades que ela comporta, e as alternativas que oferece - nesta área, sem dúvida os grandes motores de mudança deverão ser líderes políticos, e líderes de organizações chave na sociedade, como grandes empresas e fundações, que deverão estar focados e fazer apostas claras e bem comunicadas na Economia do Mar.

Podemos, em resumo, e na minha opinião, com toda a história que nos une ao mar, e o conhecimento que temos acumulado depois de tantos séculos de o desbravar, decidirmos ser, como nação, uma de duas coisas: Vítimas ou Heróis do Mar. Ficarmos presos na nostalgia do que o mar “nos deu”, para a seguir “nos retirar”, limitando-nos e resignando-nos a agradecer seja o que for que ele nos possa ter dado no passado ou, em alternativa, optarmos por cumprir o que "A Portuguesa" canta quando nos apelida de "Heróis", e investirmos com determinação e estratégia, em sabermos conhecer, respeitar e relacionarmo-nos com o mar que temos, e que representa um mundo de oportunidades numa daquelas que é das maiores zonas económicas marítima do Mundo. Honestamente? Não percebo sequer como pode existir espaço para qualquer dúvida.

Mário Henriques

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