Mega microplásticos
Há uns dias, li e ouvi notícias sobre a presença de microplásticos nas placentas de mães. Em concreto, um estudo da Universidade do Novo México, no qual foram detetados microplásticos em todas as amostras analisadas, que eram 62
Há uns dias, li e ouvi notícias sobre a presença de microplásticos nas placentas de mães. Em concreto, um estudo da Universidade do Novo México, no qual foram detetados microplásticos em todas as amostras analisadas, que eram 62
Grande parte da preocupação dos cientistas, advinha do facto de esta contaminação ser extensível, não só aos canais condutores de vida do ser humano - as artérias - mas também o de, potencialmente, poder afetar toda a cadeia de mamíferos no Planeta. O que seria um verdadeiro desastre, segundo eles.
Depois percebi que este problema - que me chocou, confesso - não era de agora. Já em 2020 tinha sido identificado e sinalizado. E, como sempre que leio estas notícias, questiono-me, com a sabatina padrão que adotei, há já alguns anos, de duas simples perguntas:
- Porque é que me devo preocupar com isto, face aos milhares de outros grandes desafios que se nos apresentam, enquanto espécie que se quer preservar e florescer neste Planeta?
- O que posso fazer para garantir a minha quota parte na mitigação deste desafio em concreto?
E acrescentei, as estas perguntas, mais dois pontos de reflexão:
- Como é que os microplásticos entram nos organismos de seres humanos, e de mamíferos em geral?
- Até que ponto é que a acumulação de microplásticos nos oceanos e cursos de água é relevante, enquanto "porta de entrada" para estes intrusos indesejáveis?
Seguindo a lógica simples de focar a minha atenção apenas em problemas que tenham uma dimensão significativa de pessoas afetadas, e com o potencial nível de gravidade dos efeitos negativos decorrentes, este parece ser, segundo as evidências, um problema digno de ser endereçado. Não foi preciso muito, na minha micro-investigação, para perceber que:
- É um problema transversal a geografias - toca diferentes contextos sociais e culturais e até, falando especificamente da água, diferentes contextos geográficos, incluindo as aparentemente incólumes calotas polares;
- É um problema comum a espécies e ecossistemas - desde o zooplâncton, aos grandes mamíferos marinhos, passando pelas espécies verdes;
- Afeta organismos, mas também comportamentos alimentares, como por exemplo: alterações de olfato e paladar - especialmente preocupante na diminuição da capacidade de organismos marinhos em localizar e consumir alimentos (estudo da Environmental Science & Technology em 2020); sensações de ansiedade que induzem alterações de comportamentos alimentares em espécies marinhas - Por exemplo, uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports em 2018, descobriu que a ingestão de microplásticos por mexilhões pode afetar a produção de muco no trato digestivo, levando a uma redução na ingestão de alimentos.
- Tem um impacto negativo persistente de longa duração - a degradação destes resíduos é muito demorada, o que dificulta soluções eficientes e sustentáveis e, por outro lado, cria obstáculos evidentes à resiliência dos inovadores ambientais.
Existem, essencialmente, três formas distintas de um microplástico invadir um organismo:
- Através da ingestão - de alimentos, sobretudo alimentos marinhos (peixes e mariscos);
- Através da inalação - por exemplo: pneus de carro e roupas com materiais sintéticos;
- Através de absorção cutânea (pele) - sobretudo em produtos de cuidados pessoais, ou em produtos de limpeza.
A ingestão é, segundo os estudos, o maior fator de preocupação. Com números alarmantes, no que toca a alimentos como peixes, moluscos e crustáceos. Calcula-se que, todos os anos, entrem entre 5 a 13 milhões de toneladas de poluição plástica nos Oceanos, e que existam, depositados no fundo do mar, segundo a CSIRO (Agência Científica da Austrália), cerca de 14 milhões de toneladas métricas de microplásticos no fundo do mar (35 vezes mais do que na superfície).
Mas... como posso contribuir para mitigar este cenário assustador? Depende de onde estou na cadeia de valor:
- Se produzo plástico: devo incluir a consciência ESG na estratégia do negócio, na lógica de materialidade externa. E talvez não seja má ideia investir em Investigação e Desenvolvimento, nomeadamente em áreas de biodegradáveis e compostáveis. E evitar também, naturalmente, o desperdício de microplásticos no processo industrial de produção.
- Se faço distribuição de bens de consumo: posso alterar o packaging, com alternativas mais sustentáveis, nomeadamente materiais biodegradáveis. E investir na informação transparente, com a consequente consciencialização dos meus clientes, e na educação, ensinando a lógica dos 3 R's - Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
- Se governo os destinos do País: promover políticas públicas, incisivas, mas leves. Menor imposição, mais colaboração entre diferentes agentes da economia. Investir em infraestruturas
que garantam que a reciclagem e reutilização sejam efetivas, acessíveis e de simples utilização. E, uma vez mais, promover o investimento em Investigação e Desenvolvimento.
- Se sou apenas um consumidor e utilizador: talvez o mais importante dos papéis e aquele onde o nível de consciência é mais relevante. Não apenas pela indiscutível vantagem coletiva de haver comportamentos individuais responsáveis, mas também porque, com um nível de comunicação eficiente na divulgação dessas boas práticas, isso poder gerar ondas de efeitos positivos, que se cristalizem em advocay que, se bem organizado, pode influenciar, decisivamente, quer empresas, quer Estado.
Em resumo: não é de somenos importância - apesar da dimensão micro dos materiais que estão na base do problema - o papel de cada um. Porque embora sejamos todos gotas de água, todos juntos podemos resolver o problema. Para pequenos grandes males, grandes pequenas soluções. Mas em conjunto, e articuladas. Senão tornam-se granulares. Não no bom sentido que, na sustentabilidade, essa expressão alberga, mas na aceção que a ninguém serve - a da irrelevância de espetarmos bandeiras em terrenos que só nós vemos, e no qual só nós mandamos.
Se o mosquito incomoda muita gente, o microplástico incomoda muito mais. E é tempo de ser MEGA – mega eficaz, mega eficiente e, acrescento, mega entusiasmado. Ingrediente sem o qual, em linguagem do mar, “tudo fica em águas de bacalhau”. E mais vale não meter água no que a este tópico se refere. Muito menos de bacalhau.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser:
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