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“A Sonae Sierra conseguiu evitar custos de 34 milhões de euros só no ano passado graças à sustentabilidade”

“A Sonae Sierra conseguiu evitar custos de 34 milhões de euros só no ano passado graças à sustentabilidade”

Elsa Monteiro é diretora de Sustentabilidade da Sonae Sierra e conversou com o Expresso SER sobre o que esta empresa do setor imobiliário e dos centros comerciais tem feito para atingir a neutralidade carbónica em 2040. A empresa afirma que a implementação de medidas de sustentabilidade já permitiu reduzir emissões de CO2 em cerca de 90% desde 2005

O Colombo em Lisboa, o CascaiShopping, o Centro Vasco da Gama, o Atrium Saldanha ou o NorteShopping são alguns dos ativos mais conhecidos que fazem parte da carteira da Sonae Sierra que é uma empresa que atua no segmento imobiliário, fazendo a gestão de vários centros comercias no país, um setor que Elsa Monteiro reconhece que “tem um consumo significativo de energia”.

A empresa do universo Sonae tem uma carteira de ativos avaliada em 8 mil milhões de euros, está presente em 11 países e está a comemorar os 25 anos desde que lançou a sua primeira política ambiental. “Nessa altura eram raras as empresas que tinham uma política ambiental estabelecida e muito menos se falava de ESG [sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governação]”, afirma a diretora de sustentabilidade do grupo.

Elsa Monteiro (na foto) afirma que Sonae Sierra foi a primeira empresa do setor imobiliário em Portugal a refinanciar parte da sua dívida através da emissão de obrigações ligadas à sustentabilidade, nomeadamente às emissões de CO2 e às taxas de reciclagem dos centros comerciais, e refere que a empresa foi pioneira em Portugal a gerir voluntariamente as suas emissões com gases com efeito de estufa, aderindo ao Carbonfree.

O Expresso SER conversou com Elsa Monteiro que partilhou connosco algumas das medidas e métricas do grupo para atingir a meta da neutralidade em 2040. Revela que a implementação de medidas de sustentabilidade permitiu reduzir emissões de CO2 em cerca de 90% desde 2005 e o consumo de eletricidade em 66% desde 2002, medidas que além de impactarem positivamente no ambiente estão a ajudar os cofres da empresa: “Só no ano passado conseguimos evitar mais de 34 milhões de euros em custos operacionais”.

A empresa lançou há 25 anos a sua primeira política ambiental. Ainda se recorda das primeiras medidas tomadas em 1998, numa altura em que pouco de falava de ESG?
Esses tempos foram muito desafiantes e recordo com muito orgulho. O compromisso da Sonae Sierra com a sustentabilidade está profundamente enraizado no ADN da empresa e é um claro fator distintivo da nossa identidade neste setor e de forma global.

Em 1995, fizemos parte da fundação do World Business Council for Sustainable Development, e passados três anos lançámos a nossa primeira Política Ambiental em Portugal, um documento centrado fundamentalmente em questões ambientais, de eficiência energética, reciclagem e poupança de água. Nessa altura eram raras as empresas que tinham uma política ambiental estabelecida e muito menos se falava de ESG, portanto tivemos não só de identificar indicadores, como também estabelecer processos e sistemas que nos permitissem monitorizar e avaliar o impacto das nossas operações. O desafio foi ainda maior pelo desconhecimento geral do setor sobre tudo o que estava relacionado com o ambiente, pelo que tivemos de desenvolver diversas campanhas de sensibilização junto de lojistas e clientes, para conseguir mostrar a importância do que estávamos a implementar.

Foram dos primeiros.
Passados mais de 25 anos, podemos afirmar que fomos pioneiros neste caminho, mas o desafio é contínuo. Atualmente, mantemo-nos na linha da frente no que diz respeito a melhoria contínua em estratégia de sustentabilidade, o que resulta de uma avaliação profunda, rigorosa e abrangente do impacto de todas as nossas atividades, que tem hoje por base duas prioridades estratégicas: garantir um ambiente urbano resiliente e assegurar uma força de trabalho segura, saudável e envolvida. O resultado está à vista com a conquista de mais de 100 prémios e distinções de referência no setor, demonstrando a nossa posição pioneira no desenvolvimento de práticas sustentáveis.

Face aos desafios mais recentes, impostos pela transição energética, e enquanto agente de mudança, adotámos os Princípios para um Investimento Responsável (PRI) em 2022, como compromisso de continuar a conduzir uma evolução permanente nas melhores práticas de investimento de referência. Definimos, ainda, um conjunto de medidas a longo prazo para impulsionar o nosso ambicioso objetivo de tornar todos os nossos ativos neutros em carbono até 2040, o que significa antecipar em 10 anos a meta da Comissão Europeia.

Esta política rumo a uma maior sustentabilidade teve impacto positivo visível nas contas da empresa?
Temos uma longa história repleta de passos bem-sucedidos ao longo dos últimos 25 anos, mas acima de tudo temos os olhos postos no futuro e nos desafios que este representa. Os últimos anos aumentaram a nossa consciência sobre as consequências do impacto das atividades humanas nos ecossistemas, já naturalmente frágeis. Enquanto operador transversal de referência no setor imobiliário, a Sierra tem consciência de que opera numa das atividades com maior nível de potencial impacto, uma responsabilidade bem presente desde sempre na nossa estratégia de sustentabilidade. A integração de medidas e soluções inovadoras em tipologias de ativos imobiliários muito variados e geografias com características muito distintas têm resultado ao longo dos anos na redução, não apenas da nossa pegada ecológica, como ao nível dos custos operacionais, mas também num crescente know-how assente em experiência e evolução continua.

Acabámos de lançar a atualização do nosso relatório de Sustentabilidade e os resultados mostram, uma vez mais, esta tendência de redução quer em termos de emissões como ao nível de consumos. Só no ano passado conseguimos evitar mais de 34 milhões de euros em custos operacionais, um resultado que vem reforçar o impacto positivo das nossas medidas e práticas ambientais implementadas. Como líder internacional da indústria, aplicamos as melhores práticas não só no nosso portefólio, como também ao serviço dos nossos clientes nos diferentes ativos que gerimos. Da mesma maneira, oferecemos soluções transversais a toda a tipologia de ativos imobiliários, como nas suas diferentes fases de vida.

De onde vem essa poupança?
Estes custos evitados provêm da nossa abordagem aos possíveis riscos ambientais visando limitar o impacto negativo e, simultaneamente, permitindo identificar novas oportunidades de desbloquear o potencial de criação de valor. Uma dessas soluções é o nosso programa Bright. Criado pela Sierra em 2012, o Bright, programa de eficiência energética concebido para reduzir o consumo de energia e melhorar a pegada de carbono dos nossos ativos, permitiu-nos identificar 273 iniciativas e gerou 703 oportunidades de melhoria que conduziram a uma redução de 33 200 MWh e 7,4 milhões de euros em potenciais poupanças anuais.

No ano passado, a Sonae Sierra lançou uma nova evolução do programa, o Bright 2.0, uma reformulação para incluir as mais recentes tecnologias e expandir as suas capacidades. A implementação desta nova versão já permitiu identificar mais 37% de potencial redução do consumo de energia através de 172 novas oportunidades de melhoria identificadas, o que totaliza uma redução adicional de cerca de 45 510 MWh e 6,8 milhões de euros em potenciais poupanças anuais (a preços de energia de 2022).

Centro Vasco da Gama, em Lisboa.

Adotámos os Princípios para um Investimento Responsável (PRI) em 2022, como compromisso de continuar a conduzir uma evolução permanente nas melhores práticas de investimento.”

Consegue dar algum exemplo concreto?
Como exemplo de medidas implementadas com o Bright, podemos salientar a instalação de iluminação e equipamentos de elevada eficiência nos nossos espaços; otimização dos horários de funcionamento da iluminação e dos equipamentos; gestão eficaz dos sistemas de ar condicionado, através da maximização da ventilação natural.

No caso dos centros comerciais geridos pela Sierra, acreditamos que além de serem epicentros de experiências e conveniência, é determinante que os nossos espaços trabalhem no sentido da transformação e consciencialização, sobretudo no que diz respeito à sustentabilidade. Para tal, não posso deixar de destacar o papel fundamental dos lojistas, com quem trabalhamos continuamente no sentido de encontrar as melhores soluções que possam incentivar os consumidores a adotarem estilos de vida mais sustentáveis e a evitarem desperdícios.

A empresa afirma que conseguiu reduzir as emissões de CO2 em cerca de 90% desde 2005. De forma resumida, que projetos contribuíram para essa redução?
Em 2005, a Sonae Sierra foi pioneira em Portugal a gerir voluntariamente as suas emissões com gases com efeito de estufa, aderindo ao Carbonfree, o selo de Responsabilidade Climática. Nesse contexto, definiu em 2006 uma Estratégia para o Clima que estabelecia como prioridade a eficiência energética e o uso de fontes de energia com menores fatores de emissão. O reporte das emissões com base no Protocolo GHG, o compromisso com objetivos quantitativos de redução face a 2005 e, ainda, uma forte componente de sensibilização dos colaboradores, fizeram também parte dessa estratégia, que vem sendo implementada desde então com os resultados que refere.

O principal contributo para a redução das emissões decorre da implementação de medidas de eficiência energética, quer ao nível dos edifícios em operação, quer na forma como desenhamos e projetamos novos edifícios. A redução de consumo de energia, associada ainda à compra de eletricidade de fontes renováveis (que fazemos para 100% dos nossos ativos na Iberia), permite reduzir significativamente o scope 2 das emissões GHG, comummente designadas por emissões de carbono.

O scope 2 são as emissões indiretas.
Estamos também a trabalhar na eletrificação de toda a nossa frota automóvel, contribuindo para a redução do Scope 1.

O aumento da taxa de reciclagem, os requisitos que temos para os nossos lojistas e o aumento das condições de mobilidade mais sustentável para os utilizadores dos edifícios, tem-nos permitido reduzir ainda as nossas emissões ao nível do scope 3.

Em 2022, a Sonae Sierra foi a primeira empresa do setor imobiliário em Portugal a refinanciar parte da sua dívida através da emissão de obrigações ligadas à sustentabilidade (Sustainability-Linked Bonds), nomeadamente às emissões de CO2 e às taxas de reciclagem dos centros comerciais por si geridos e detidos. Isto demonstra não só, a transversalidade da sustentabilidade a todas as áreas da Sierra, como também a importância de assumirmos objetivos exigentes de sustentabilidade até 2030 e mantermos o foco na neutralidade carbónica até 2040.

Referem também que o consumo de eletricidade baixou em 66% desde 2002. Como conseguiram baixar a conta da luz?
Estamos conscientes que os edifícios, sobretudo os centros comerciais, têm um consumo significativo de energia. Não só a energia das áreas comuns, que nós controlamos, mas também o consumo de energia de cada uma das lojas que é da responsabilidade de cada lojista. Já mencionado, o projeto Bright dá-nos a possibilidade de calcular para cada empreendimento aquilo que consideramos ser um consumo ótimo, ou ideal, face ao tipo de edifício e suas caraterísticas, ao tipo de clima em que está inserido (condições geográficas) e à forma como opera, designadamente horários de funcionamento. Desta forma, conseguimos identificar e as medidas que consideramos mais eficazes para melhorar o seu desempenho energético.

Os programas Bright (e Bright 2.0) permitem-nos aplicar metodologias de vanguarda para melhorar estes níveis de eficiência e abordar potenciais oportunidades de otimização que resultarão numa melhor utilização dos recursos e na redução dos custos. São vários exemplos, nomeadamente em alguns centros comerciais, em que ao implementarmos o projeto Bright conseguimos identificar diversos pontos de melhoria, por exemplo, a partir de um dos principais sistemas que contribuiu para o peso do consumo energético: o ar condicionado e a renovação do ar. Ao otimizarmos os horários de funcionamento, conseguimos definir um modelo dinâmico capaz de gerir a ventilação, a renovação do ar, a gestão da temperatura com as condições externas do ar e também com o nível de ocupação, e o resultado está à vista de todos com o consumo de eletricidade a baixar na ordem dos 66% até 2022.

O NorteShopping da Sonae Sierra.
Pedro Gonzalez

Em 2022, a Sonae Sierra foi a primeira empresa do setor imobiliário em Portugal a refinanciar parte da sua dívida através da emissão de obrigações ligadas à sustentabilidade (Sustainability-Linked Bonds).”

A mesma pergunta em relação ao consumo de água. Como conseguiram uma redução de 40% desde 2003?
A redução do consumo de água é um dos nossos maiores desafios, não só porque o preço da água potável não traduz o seu real valor e, portanto, os investimentos para aumentar a eficiência hídrica não têm retornos baixos, mas sobretudo porque a escassez de água é uma das principais consequências das alterações climáticas.

Reconhecendo a importância de usar racionalmente este recurso, temos adotado ao longo dos anos medidas para reduzir o consumo de água, seja ao nível de edifícios em operação, seja ao nível da conceção de novos edifícios. Essas medidas passam por instalar equipamentos mais eficientes, em particular sanitários, escolha de plantas autóctones nas áreas verdes e de sistemas de rega que usem menos água, e instalação de sistemas de reciclagem de água e uso de água da chuva.

Que medidas adicionais têm na calha para conseguir alcançar a vossa meta de neutralidade carbónica em 2040?
Para alcançar a nossa meta de neutralidade carbónica até 2040, será necessário um esforço contínuo e colaborativo. A aposta na eficiência energética terá de continuar em linha com a evolução tecnológica que já se verificou e que irá inevitavelmente continuar. Como referi, o Bright 2.0 atualizado com as melhores tecnologias disponíveis em 2022, permitiu identificar uma serie de medidas que irão ser implementadas nos vários centros comerciais, permitindo reduzir mais cerca de 37% o nosso consumo energético e atingir o nosso objetivo de 2030. Mas teremos de ter um outro Bright 3.0 daqui a uns 8 a 10 anos para, em função da tecnologia que estiver disponível, voltarmos a identificar e implementar novas melhorias.

Ainda na aposta de eficiência energética, os novos edifícios obterão certificações (Green building certifications) como o LEED ou o BREEAM que garantirão que irão cumprir os requisitos de sustentabilidade mais avançados. Ao nível de novos edifícios, e também renovações e expansões dos existentes, estamos a ter um foco significativo no tipo de materiais a utilizar, por forma a aumentar a sua componente reciclada e a diminuir o carbono embutido.

O envolvimento dos lojistas é fundamental.
O envolvimento com os lojistas, para aumentarem a eficiência energética das suas lojas, também será fundamental pois o nosso objetivo de neutralidade carbónica em 2040 inclui o scope 3 de emissões.

Outra área onde estamos a trabalhar é a produção de energia renovável (painéis fotovoltaicos) nos centros comerciais, o que irá permitir reduzir a compra de eletricidade da rede e, consequentemente reduzir as emissões. No entanto, como a capacidade de produção de energia renovável será sempre limitada, continuaremos a comprar eletricidade verde.

Acompanharemos também a evolução da mobilidade, criando condições para veículos elétricos e promovendo junto dos que trabalham e visitam os nossos edifícios a utilização de meios de transporte mais sustentáveis. Na procura por uma resposta eficaz aos desafios sociais e ambientais do setor onde atuamos, reconhecemos a importância de atender às expetativas dos investidores e da sociedade em relação a um desempenho sustentável. A Sierra tem muitos anos de experiência em todas as fases e ciclos de vida de um ativo, com um longo histórico de gestão sustentável.

ParkLake, na Roménia.

No caso particular de Portugal, estamos muito bem posicionados em termos de eletricidade em comparação com os outros países em que a Sierra opera.”

A empresa gere 8 mil milhões de euros de ativos imobiliários. Fazem a contabilização/monitorização da pegada carbónica da vossa carteira de ativos?
O inventário de carbono que reportamos anualmente, nomeadamente no EES Report, bem como o nosso objetivo de zero carbono em 2040, alinhado à Science Based Target Initiative (SBTi) e 1,5º de temperatura, dizem respeito aos ativos imobiliários geridos pela Sierra e em que a Sierra tem participação.

Também calculamos a pegada carbónica de ativos em que não temos participação através dos nossos serviços de consultoria em sustentabilidade. E ainda ajudamos os nossos clientes a definirem e implementarem estratégias de descarbonização customizadas para os seus edifícios e portefólios.

O portefólio de ativos imobiliários sob gestão da Sierra tem vindo a aumentar, e a diversificar-se, o que acarreta um desafio na implementação de medidas que visem a neutralidade carbónica, mas também uma grande oportunidade para alargarmos a nossa influência, junto dos nossos clientes, em prol de uma maior sustentabilidade dos edifícios e das cidades.

Com uma abordagem holística e adaptada a cada ativo e cliente, temos assim crescido o nosso portefólio de prestação de serviços de sustentabilidade cobrindo toda a cadeia de valor dos ativos imobiliários, resolvendo desafios complexos de sustentabilidade em diversas geografias e servindo as suas necessidades específicas.

A empresa está presente em 11 países. Que países estão mais avançados e atrasados neste processo de transição energética?
O progresso do mundo em direção a uma energia mais limpa tem vindo a acelerar, mas a ritmos diferentes consoante as geografias e desafios geopolíticos.

Durante a última década, a produção de eletricidade renovável mais do que duplicou globalmente e no caso particular de Portugal, estamos muito bem posicionados em termos de eletricidade em comparação com os outros países em que a Sierra opera. Para essa situação, tem ajudado todas as características inerentes ao nosso clima, mas sobretudo à capacidade de investimento no parque eólico, hidrelétrico e solar instalado em território nacional. Segundo os mais recentes dados da APREN, entre 1 de janeiro e 30 de abril de 2023 foram gerados 15 826 GWh de eletricidade em Portugal Continental, dos quais 74,3% tiveram origem em fontes renováveis, dados demonstrativos da capacidade de liderar a transição energética face a outros mercados, nomeadamente economias avançadas. No entanto, a transição energética não é apenas ao nível de eletricidade, mas também de outros tipos de energia, onde há ainda um longo caminho a percorrer em todos os países.

No que toca ao imobiliário, sabemos que este é um dos focos de intervenção de todas as políticas europeias em termos de sustentabilidade e na Sierra sempre procurámos estar à frente nas melhores práticas sustentáveis e trabalhamos continuamente para manter essa posição, independentemente da geografia ou do estado de maturação do país em relação à transição energética.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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