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“É estranho que noutros países europeus prestem atenção à sustentabilidade e em Portugal só aos critérios financeiros”

“É estranho que noutros países europeus prestem atenção à sustentabilidade e em Portugal só aos critérios financeiros”

Philippe Infante é o diretor-geral da JCDecaux Portugal, uma empresa que fornece mobiliário urbano às cidades em troca de espaço de publicidade. Em entrevista ao Expresso SER critica as câmaras que nos concursos públicos só se preocupam com o critério financeiro e descuram o tema da sustentabilidade e dos materiais recicláveis. Porquê? “Talvez por medo de litigância jurídica”, responde

Começou a carreira na JCDecaux há mais de 20 anos e está em Portugal há dois anos a liderar a filial da empresa. Philippe Infante é diretor-geral da JCDecaux, uma empresa presente em 92 concelhos em Portugal, com 18 mil painéis de publicidade em papel e 498 ecrãs digitais espalhados por várias cidades. O grupo marca presença em 32 centros comerciais, em oito aeroportos e ainda em 16 estações de serviço da Brisa.

O negócio tradicional da JCDecaux passa por construir mobiliário urbano nas cidades, como as paragens de autocarro, em contrapartida da exploração de espaço de publicidade. Mas o negócio tem evoluído para outros segmentos como o das bicicletas e das casas de banho públicas automáticas.

Ao Expresso SER, este responsável revelou os planos do grupo para tornar a atividade mais amiga do ambiente e deixa críticas às câmaras que só olham para os critérios financeiros na altura de lançar os concursos públicos, descurando a sustentabilidade, o design ou os materiais recicláveis. Mas há exceções. É o caso de Sintra e de Almada. Alerta ainda para os negócios ilegais que subsistem neste mercado e afirma que o país precisa “de uma EMEL para a publicidade no exterior”.

De uma forma muito resumida, para quem não conhece, o que é a JCDecaux?
Nós apresentamo-nos como um city provider, ou seja, como fornecedores das cidades e não só como uma empresa de publicidade. O modelo de negócio, inventado por Jean-Claude Decaux em 1964, passava por entender o que é que as autarquias precisavam e nós arranjávamos essas soluções sem custos [em troca de espaço de publicidade]. Ao início eram somente os abrigos e agora são coisas mais sofisticadas como banners automáticos ou as casas de banho automáticas públicas. Basicamente, nós chegamos ao pé do presidente de câmara e perguntamos: do que é que vocês precisam? Dentro do mobiliário urbano, precisam de bancos? De iluminação? De reciclagem? De bicicletas? De abrigos? Nós fornecemos tudo isso gratuitamente em contrapartida de um contrato de longo prazo do domínio público em exclusividade.

Na prática, uma autarquia diz que precisa, por exemplo, de abrigos para paragens de autocarros, vocês fazem o abrigo e ficam com a gestão da publicidade nesse espaço.
Exatamente. Podem ser abrigos, podem ser casas de banho automáticas e podem ser bicicletas. Temos 70 cidades no mundo com bicicletas 100% JCDecaux. Já desenvolvemos programas com mais de 25 mil bicicletas. Antes, o modelo era somente o abrigo que nós contruíamos e fazíamos a manutenção durante 20 anos, limpar os vidros, limpar os grafites. Agora o modelo é mais abrangente.

Também fazem isso com a Câmara de Lisboa.
Sim, em Lisboa vamos construir 2.000 abrigos e 900 mupis, dos quais 250 são digitais e 125 grandes formatos digitais, e 75 sanitários, parte dos quais adaptados a pessoas com mobilidade reduzida. O município contará ainda com vários equipamentos para comunicação exclusiva institucional: 40 mupis amovíveis, 20 mupis digitais para comunicação institucional e ainda cinco painéis digitais de grande formato (12m2).

É um contrato novo que assinaram com a Câmara?
Sim, é um contrato que nós assinámos no dia 14 de setembro de 2022. E, além de tudo isso, uma das contrapartidas é uma dotação para a Câmara de 8 milhões de euros em cada ano, o que vai tornar a JCDecaux um dos principais contribuintes privados da cidade.

O modelo em que eu vou financiar a construção do abrigo por contrapartida da publicidade já evolui para mais serviços como a reciclagem, as casas de banho públicas automáticas, bicicletas, bancos, tudo o que seja mobiliário urbano, além de uma participação monetária para a câmara. A câmara não investe nada, nós financiamos tudo, e damos uma plataforma de comunicação, ou seja, espaço para a câmara passar a sua mensagem aos munícipes. É um modelo de parceria público-privada.

Depois disso, a exploração da publicidade é feita por vocês.
Para financiar tudo isto a contrapartida é ter a exclusividade de formatos na cidade. Mas mesmo em relação aos mupis, uma das faces fica para a comunicação da Câmara. Mesmo em relação ao mupis digitais, em cada hora de publicidade, vamos dar três minutos para a Câmara de Lisboa.

Este contrato com a Câmara demora quantos anos?
15 anos.

Além do mobiliário urbano, quais são as vossas outras áreas de negócio?
Este modelo de negócio do mobiliário urbano hoje em dia representa 45 a 50% das nossas receitas. Depois temos ainda os transportes, tudo o que tenha a ver com o metro, autocarros e aeroportos. Em Portugal, este segmento é representado sobretudo pelos aeroportos, onde temos uma concessão com a Ana/Vinci, com todos os aeroportos portugueses. Terminou no ano passado o nosso contrato com a Refer, temos um contrato com a IP Patrimónios e temos ainda contratos com a APL (o mobiliário dentro da concessão dos portos de Lisboa). Isto é a parte do transporte.

Depois temos ainda toda a parte de grandes formatos. Por exemplo, uma pessoa que nos alugou o seu terreno, ou a sua parede, ou o seu teto e aqui estamos a falar de 700 contratos em Portugal com proprietários privados. É todo um ecossistema, por isso é que nós não nos apresentamos como uma empresa de publicidade, mas como um city provider. E para as câmaras é um bom negócio; nós pagamos às câmaras três vezes mais do que pagamos aos privados.

Infelizmente ainda há neste setor muita ilegalidade, de pessoas que não pagam taxas e é uma concorrência desleal. Além de não pagarem taxas, é uma poluição visual muito alta. Há uma falta enorme de controlo e de fiscalização no país. Nós precisamos de uma EMEL para a publicidade no exterior, uma companhia que obriga a entrar na legalidade.

Vocês têm atividade no país todo, não é só em Lisboa.
Hoje em dia estamos em 92 concelhos, com mais de 18 mil caras publicitárias, temos 498 ecrãs digitais e estamos ainda presentes em 32 centros comercias, em oito aeroportos, e também temos as estações de serviço da Brisa, temos 15 estações de serviço da Brisa. Em Portugal nós temos 242 trabalhadores.

Os vossos números financeiros em Portugal são públicos?
Não, não são públicos. Posso falar ao nível do grupo. O grupo JCDecaux fechou 2022 com receitas de 3,3 mil milhões de euros, mais 20,8% do que no ano anterior.

"Nós precisamos de uma EMEL para a publicidade no exterior.

O que é que a vossa empresa tem feito no sentido de tornar a vossa atividade mais amiga do ambiente?
A nível local, toda a nossa eletricidade vem de energia verde, temos energias 100% renováveis. Estamos num processo de mudança de toda a iluminação para iluminação eficiente, ou seja, iluminação led, que tem um impacto forte no consumo dos nossos equipamentos. Estamos a substituir a nossa frota por viaturas elétricas. Em relação aos produtos de limpeza, usamos água desmineralizada e temos recuperadores de água pluviais. E todo o papel que usamos no grupo tem uma certificação FSC - Forest Stewardship Council, PEFC ou equivalente. Além disso, estamos a promover junto dos anunciantes a utilização de cartazes 100% renováveis.

O anunciante pode escolher o papel no qual será impresso o seu anúncio? Essa opção tem tido adesão em Portugal?
Sim, cada vez mais empresas prestam atenção a isso.

É muito mais caro?
Não é muito mais caro, é um pouco mais caro, estamos a tentar ter um preço mais competitivo para que as companhias utilizem essas soluções. A nível do grupo, há 20 anos que estou na companhia, e há 20 anos que a JCDecaux presta atenção a estas temáticas, é algo que está no ADN da companhia. Um outro exemplo é a aposta neste segmento das bicicletas.

Vocês não têm em Portugal este modelo das bicicletas?
Não, em Portugal até agora as câmaras não escolheram este modelo de financiamento. Aqui em Lisboa, quem desenvolveu isso é a EMEL, foi outro modelo escolhido. Mas hoje em dia estamos presentes em 70 cidades com as bicicletas: no Luxemburgo, em Bruxelas, em Dublin…

Essas bicicletas também têm publicidade?
Não, é um serviço público. As bicicletas têm uma marca própria, a JCDecaux não aparece. É uma contrapartida que damos às cidades pela exploração da publicidade.

Ajudamos os nossos fornecedores a melhorar a sua pegada ecológica e social. Não é só assinar um documento, também vamos lá aos nossos fornecedores fazer auditorias.”

No vosso setor, este tema da sustentabilidade tem algum peso, por exemplo, nos concursos públicos?
Hoje em dia em França, os critérios de sustentabilidade representam, muitas vezes, mais de 50% da avaliação dentro de um concurso público. Aqui em Portugal, os últimos concursos que vimos, exceto em dois, o critério era sempre o critério financeiro. Para evitar, imagino eu, as litigâncias a nível jurídico, as câmaras basicamente dizem que quem dá mais dinheiro, ganha o concurso. Infelizmente isso não puxa para que os equipamentos tenham melhor design e melhor qualidade e muitas vezes são equipamentos para durar 20 anos e que deviam ser recicláveis. Nós prestamos atenção a estes critérios e gostaríamos que as câmaras introduzissem mais estes critérios nas avaliações dos concursos.

Falava em duas cidades que eram exceções.
Sim, há duas cidades que introduziram recentemente critérios de sustentabilidade, que são Sintra e Almada. Nós puxamos por isso, isso tem um impacto no mercado. Tem de ser ainda mais, para que o setor todo tenha a consciência da importância da sustentabilidade.

As câmaras não fazem isso por receio de litigância jurídica?
Isso é a minha interpretação. Mas é estranho que noutros países europeus prestem muita atenção ao design, à sustentabilidade, à qualidade do produto, aos materiais recicláveis, e em Portugal é só dinheiro, dinheiro, dinheiro. A explicação que tive ao encontrar-me com muitos presidentes de câmara foi essa de minimizar a litigação jurídica.

Que critérios de sustentabilidade são esses nos concursos públicos?
No que diz respeito ao concurso de Sintra o critério ambiental tem o peso de 5%. Neste critério sustentável são feitas exigências a nível de energia solar fotovoltaica no caso dos abrigos, mupis e sanitários disponibilizados. No caso concreto dos sanitários valoriza-se, além da energia fotovoltaica, a utilização de materiais reciclados ou origem certificada, torneiras com rótulo ecológico ou certificação ANQIP, reaproveitamento de água do lavatório para descarga. Adicionalmente, são também valorizados os certificados ambientais que as empresas concorrentes disponham, como por exemplo, a ISO 14001 e outros certificados ambientais.

Já no recente concurso público para a exploração do mobiliário urbano lançado pela Câmara Municipal de Almada premeia-se, com um peso de 60%, a qualidade da solução técnica apresentada. Este parâmetro incluí vários subfactores entre os quais a sustentabilidade, que tem como principal foco a implementação de medidas de eficiência energética.

A nível do grupo, o que têm feito em matéria de sustentabilidade?
A nível do grupo, estamos a trabalhar num plano para que a pegada em 2050 seja zero. Temos estado a apostar no eco design, desde a concessão até à reciclagem do material. Para reduzir a nossa pegada, vamos obviamente reduzir o impacto das nossas operações e da nossa cadeia de valores. Também temos estado a usar água desmineralizada para não termos de utilizar detergentes.

Essa água é usada para lavar os vossos mupis?
Sim, hoje em dia os mupis fazem parte da imagem das cidades; se não limpamos o material dá uma má imagem para a cidade. A nível empresarial e social procuramos também dentro da empresa apostar no desenvolvimento do colaborador, fomentamos a diversidade e a inclusão. Também procuramos ajudar os nossos fornecedores a melhorar a sua pegada ecológica e social. Não é só assinar um documento, também vamos lá aos nossos fornecedores fazer auditorias.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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