Apple, Microsoft, Google, Meta, Nvidia: os tubarões tecnológicos estão lançados numa guerra sem quartel pela IA que promete fazer sangue

Ana Rita Guerra
Pouco antes de abandonar o projeto de uma década para construir carros autónomos, conhecido como Project Titan desde 2014, a Apple comprou uma promissora startup canadiana de Inteligência Artificial, DarwinAI. O negócio, rodeado de secretismo no início deste ano, sinalizou uma mudança radical para a segunda empresa mais valiosa do mundo. A gigante de Cupertino era uma das poucas que não passara o último ano a apresentar produtos e estratégias com IA.
Em 2024, tudo mudou.
É raro a Apple cancelar projetos de grande dimensão nos quais investiu milhões de dólares. O que esta decisão do CEO Tim Cook demonstra é que a empresa reconheceu que o futuro se alterou. A próxima grande plataforma será a da Inteligência Artificial, e as empresas que chegarem primeiro vão garantir domínio mundial. Quem está na linha da frente?
A Apple chega tarde a uma corrida que esteve em preparação durante anos, sem que houvesse um tiro de início até novembro de 2022. Foi nessa altura que a OpenAI, uma organização criada sem fins lucrativos para garantir que o desenvolvimento da IA beneficiava a Humanidade, lançou o ChatGPT. O bot conversacional era uma versão meio-inacabada do modelo em que estava a trabalhar e a intenção com o lançamento era obter dados para aperfeiçoar o sistema e perceber a reação dos utilizadores.
O impacto foi avassalador e desencadeou aquilo que tem sido chamado de corrida ao armamento em Silicon Valley. Sob a liderança de Sam Altman e com o êxito repentino do ChatGPT, Dall-E e outros produtos, a OpenAI alterou a sua estratégia. Ainda é cedo, mas nenhuma outra empresa está tão bem posicionada para dominar um futuro em que a Inteligência Artificial faz parte da infraestrutura tecnológica. Nem mesmo a Microsoft, que tinha investido mil milhões de dólares na OpenAI em 2019 e a partir daí começou a ter acesso à sua tecnologia. A casa-mãe do Windows, liderada por Satya Nadella, acertou na aposta e mais que duplicou o investimento na empresa, saindo na frente com a introdução do seu próprio bot. O Copilot (anteriormente Bing Chat) foi o início de uma transformação completa da gigante. “Estamos a virar toda a empresa para esta tecnologia”, anunciou Nadella à sua cúpula, segundo contou o cientista chefe Eric Horvitz ao New York Times. “Este é um avanço central na história da computação, e vamos estar na crista dessa onda.”
Um ano volvido, a Microsoft é a empresa mais valiosa do mundo: 3 biliões de dólares. A Apple tinha sido a primeira tecnológica a alcançar esse marco.
A 16 quilómetros da sede da Apple, onde estão agora a instalar-se os engenheiros que foi buscar à Darwin, a sirene vermelha soou mais cedo. A Google vinha investindo em IA há vários anos, mas optara por uma abordagem cautelosa, devido aos riscos legais, sociais – e morais – da tecnologia. Tudo isso escorregou pela rampa de emergência quando o ChatGPT abalou o mercado. A liderança da Alphabet, casa-mãe da Google, guinou para uma nova estratégia de aceleração e fez vários anúncios de produtos em fase experimental, incluindo o bot Bard.
Os lançamentos apressados tiveram percalços, com erros no Bard a que o CEO Sundar Pichai chamou de “infelizes”. Em fevereiro, a empresa foi obrigada a suspender a funcionalidade de geração de imagens de pessoas do Gemini (novo nome do Bard) depois de incidentes com “imprecisões.” Entretanto, perdeu o “padrinho” da Inteligência Artificial, Geoffrey Hinton, que abandonou a Google depois de passar décadas a desenvolver muita da ciência por detrás da IA e se mostrou preocupado com a corrida desenfreada entre as gigantes para a dominarem.
“Se pensarmos na Google como uma empresa cujo objetivo é fazer lucros, não pode simplesmente deixar o Bing ultrapassar o Google Search”, disse Hinton, citado pelo NYT.
Adam Kerpelman, professor na McIntire School of Commerce, explanou uma visão semelhante. “Estou preocupado com a vertente de corrida ao armamento”, afirmou, sublinhando que é difícil confiar nestas grandes empresas. “Não é nada pessoal contra as empresas. É apenas uma questão do que são os mecanismos de incentivo capitalista.” Esses incentivos valorizam o lucro e o crescimento sobre a cautela e as salvaguardas, mesmo quando se trata de uma tecnologia com implicações perigosas.
Foi precisamente essa a discussão que decorreu na sede da Meta. A casa-mãe do Facebook tinha lançado um bot uns meses antes do ChatGPT, chamado BlenderBot, mas este provocou embaraço com respostas absurdas. Depois, introduziu um modelo virado para cientistas, Galactica, e embateu contra problemas semelhantes – respostas loucas, pesquisas inventadas, inutilidade como ferramenta séria. Durou apenas três dias.
Como resposta ao ChatGPT, e apesar da tensão entre os que queriam avançar rapidamente e os que queriam ser cautelosos, a Meta decidiu lançar o seu modelo, LLaMA. Uma segunda versão, Llama 2, foi disponibilizada no verão passado, quando se tornou claro que Zuckerberg pôs de lado a sua grande visão do metaverso e a substituiu por um horizonte igualmente artificial mas muito mais lucrativo.
É isso mesmo que está a ser comprovado com a ascensão notável da Nvidia, uma das empresas que mais valorizou na nova era. “A computação acelerada e IA generativa atingiram um ponto de inflexão”, disse Jensen Huang, CEO da Nvidia, na última apresentação de resultados. “A procura está a subir em todo o mundo de forma transversal a empresas, indústrias e nações.” Os lucros dispararam 580% em 2023, devido à explosão da procura pelas suas unidades de processamento gráfico (GPU) que alimentam os grandes modelos de linguagem, e as ações valorizaram 239%.
Há outros nomes a surgirem quase todos os dias nesta grande corrida. A Anthropic é uma das mais quentes, depois de ter levantado 7,3 mil milhões de financiamento em 2023 – com Amazon e Google incluídas. A CB Insights lista 45 empresas no segmento IA com capitalização superior a 3 milhões de dólares, tendo no top 10 a Tesla, IBM, Palantir, Mobileye e Dynatrace além das outras ‘big tech’.
É uma nova febre do ouro que se espalha mais rapidamente que os reguladores conseguem agir. Para Gry Hasselbalch, uma das maiores especialistas europeias em dados e ética, que está a trabalhar com a Comissão Europeia, esta corrida de grandes empresas lideradas por CEO ambiciosos é perigosa. “Deve ser o público a decidir como é que a IA, uma tecnologia tão transformadora, deve ser implementada e adotada na nossa sociedade”, considerou. “Não devia depender dos caprichos de algumas pessoas que decidiram como a Humanidade irá evoluir e como a IA será incorporada na nossa vida quotidiana.”
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