Não há “uma linha” sobre doença renal crónica no Plano Nacional de Saúde 2030, que entrou em vigor na semana passada e que resume os pontos principais da estratégia em saúde para os próximos anos. Essa falta tem sido recebida com incompreensão entre os clínicos da área da nefrologia, a especialidade médica debruçada sobre as doenças dos rins. Não só porque Portugal encabeça a Europa no que toca à incidência de doença renal, com uma estimativa de 20% dos portugueses afetados, mas também porque uma comissão trabalhou durante os últimos três anos, a pedido da Direção-Geral da Saúde, para o desenho de linhas orientadoras que melhorem a prevenção e o tratamento da mesma. E apesar de a investigação ter sido “bem recebida” pela própria DGS e posteriormente enviada ao Ministério da Saúde, segundo a presidente da comissão, Anabela Rodrigues, a falta de menção faz temer que não esteja a ser dada a devida importância a uma doença cuja incidência é “maior do que a esperada e tende a aumentar”.
Tudo começa num longo silêncio. Quando os rins se cansam de trabalhar bem, raramente há sintomas. Mesmo quando eles aparecem, são pouco específicos. “O primeiro e mais comum sinal de alerta é hipertensão. Mas um doente pode estar duas décadas sem ter sintomas nenhuns e numa fase em que começa a sentir-se mais cansaço ou com anemia, vai fazer análises e às tantas aparece com uma doença renal em estádio avançado, a precisar de diálise”, descreve Anabela Rodrigues. Além de ter presidido à comissão de acompanhamento nacional da diálise, que definiu as linhas orientadoras para a doença, a médica nefrologista é responsável pela unidade de diálise peritoneal do Hospital de Santo António, no Porto. Diz que “a prevalência está subestimada: duas em cada dez pessoas podem ter a doença sem o saberem”. Em Portugal, pensa-se que o elevado número de pessoas a realizarem tratamento tem por trás muitas doenças em estádios iniciais, ainda sem sintomas. A grande incidência pode dever-se à sobreposição com outras doenças crónicas, como a obesidade, a hipertensão e a diabetes, “grandes causadoras de doença renal”, mas também ao envelhecimento da população. Mas, sobretudo, se o Serviço Nacional de Saúde se pode orgulhar de dar a todos os doentes acesso ao tratamento da doença renal crónica avançada, a diálise, não está a fazer o suficiente para a prevenir. “Há pouco conhecimento sobre a doença mas, em alguns casos, com fármacos novos que surgiram entretanto, nós poderíamos evitar a chegada à diálise, que é o evento mais traumático, modificador de vida, para o qual depois não há solução a não ser o transplante”, assegura. A cirurgia acaba a ser uma opção para alguns, muitas vezes dependente de uma longa lista de espera. Até ela, a grande maioria dos 13 mil doentes (86%) que fazem tratamento vai três vezes por semana a um centro de hemodiálise. Uma minoria faz diálise peritoneal, uma técnica menos conhecida, geralmente feita em casa, conferindo aos doentes maior autonomia.
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