A greve dos médicos paralisou hoje várias Unidades de Saúde Familiar (USF) no Norte e está a fazer-se sentir nos blocos operatórios de vários hospitais, nomeadamente no São João, no Porto, e em Viana do Castelo.
Contactadas pela agência Lusa, fontes do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), estrutura que convocou a greve que tem início hoje e se prolonga até quinta-feira, descreveram a atual adesão como "elevadíssima".
"No Hospital de São João só uma, em 12 salas de bloco operatório, está a funcionar. A adesão à greve no bloco operatório de Viana do Castelo é de 100%", apontou Hugo Cadavez do SIM.
O responsável acrescentou que em Vila Real e em Vila Nova de Gaia a adesão "também está a ser muito grande".
Já Hermínia Teixeira, que trabalha na USF Godinho Faria, em Matosinhos, referiu que neste centro de saúde "não está nenhum médico de família a trabalhar", uma realidade que diz ser semelhante em muitos outros em todo o Norte.
"Na minha unidade não está nenhum médico a trabalhar neste momento. A esta hora [cerca das 09:30] é difícil dar valores reais sobre a adesão de médicos de família, mas do que me vai chegando sei que a maioria não está a trabalhar. Estamos a falar de uma adesão de cerca de 90%. Na USF Vila Meã [concelho de Amarante] nenhum médico está a trabalhar, disseram-me agora", atirou, acrescentando que no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, no que diz respeito a ambulatório, "apenas a sala de urgência está a funcionar".
Para os dirigentes do SIM esta adesão reflete o descontentamento dos médicos com a situação laboral e remuneratória no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
"Infelizmente fomos forçados à mais dura forma de protesto. Esta é uma greve que não queiramos fazer e tudo fizemos para evitar. Mas temos de demonstrar o nosso descontentamento perante o que foi o resultado de uma negociação que decorreu ao longo de um ano. O prazo do protocolo negocial já terminou, mas o Governo comprometeu-se a negociar quatro aspetos, mas não fez propostas objetivas e concretas", disse Hugo Cadavez.
À Lusa, Hermínia Teixeira acrescentou as preocupações dos médicos de família e disse temer que a situação se agrave nos próximos dois a três anos se o Governo nada fizer.
"É cada vez mais difícil fixar os médicos de família ao SNS. Isto é muito preocupante na área de Lisboa e Vale do Tejo, como tem sido noticiado, mas o número de portugueses que está sem médico de família tem vindo a crescer. Estamos a falar de um milhão e 700 mil portugueses sem médico de família. E se não for possível captar os recém especialistas a ficar no SNS com melhoria do salário, este número vai engrossar. Nos próximos dois/três anos", referiu.
Os médicos iniciaram hoje uma greve nacional de três dias para forçar o Governo a apresentar uma proposta concreta de revisão da grelha salarial, que o ministro da Saúde prometeu na segunda-feira enviar aos sindicatos.
Convocada pelo SIM, a paralisação decorre em simultâneo com uma greve dos médicos de família ao trabalho extraordinário, iniciada na segunda-feira e que terá a duração de um mês.
Coimbra
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra regista uma adesão à greve dos médicos superior a 90%, disse à agência Lusa o médico José Carlos Almeida, do Sindicato Independentes dos Médicos, que convocou a paralisação.
"Muitas consultas foram desmarcadas e os blocos operatórios estão todos encerrados, com exceção do bloco do serviço de urgências", referiu o secretário regional do Centro daquela estrutura sindical.
Segundo José Carlos Almeida, houve apenas um bloco operatório fora do serviço de urgência que abriu para uma cirurgia considerada inadiável.
Algarve
Cirurgias e consultas externas nos hospitais do Algarve adiadas e constrangimentos nas unidades de cuidados de saúde primários são consequências da greve convocada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) que hoje se iniciou, disse à Lusa fonte sindical.
Em declarações à Lusa, o secretário regional do Algarve do SIM, João Dias, adiantou que a adesão à greve é "bastante elevada", rondando os 93,5% e refletindo-se, sobretudo, no adiamento de consultas externas e de cirurgias não urgentes, que estão a obrigar os utentes a voltar para casa.
"Estamos a ser empurrados pelo Governo para uma situação que tentámos evitar ao máximo. Cada vez mais há uma falta de capacidade de resposta nos blocos operatórios e consultas, porque há menos gente, e isto não sei onde é que vai parar. Mas o Governo desta forma não está a conseguir resolver o problema", sublinhou.
De acordo com João Dias, os blocos operatórios do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), que congrega os hospitais de Faro, Portimão e Lagos, estão a funcionar com os serviços mínimos e estão a ser adiadas todas as cirurgias que não são consideradas urgentes.
"Muitos destes doentes estão, às vezes, três ou quatro meses à espera por uma consulta, ou cinco ou seis meses à espera de uma cirurgia e agora voltam para casa à espera que seja remarcada. Só que não se sabe quando será remarcada, porque nas próximas semanas há outros doentes já agendados", lamentou.
Segundo o dirigente sindical, estão a ser formados médicos nos hospitais públicos para depois "saírem para o privado", pois os profissionais, de ano para ano, estão "a cair num desalento" e acabam por achar que o melhor é ir embora para o setor privado.
"O Algarve tem que ter capacidade suficiente para dar resposta à população que serve, não pode estar numa situação em que não tem dermatologistas, não tem hematologistas, não tem endocrinologistas e em que o serviço de Ortopedia está no mínimo dos mínimos", frisou.
Para além destas especialidades, também a Ginecologia e Obstetrícia "está reduzida a um terço do quadro", e a Pediatria, com duas maternidades a funcionar, "praticamente em cinco dias da semana, para não dizer seis, não tem pediatra em Portimão e, outras vezes, não tem pediatra em Faro", insistiu.
"Temos doentes à espera de ser operados no Algarve, não conseguem ter resposta e o qual o acordo que se faz? Faz-se acordo com hospitais como o de Riba d'Ave [em Braga], que é o sítio mais longe do país, não havia sítio mais longe, só se for em Espanha", criticou.
De acordo com João Dias, os médicos estão a fazer greve "não só para ter melhores condições e atratividade para os profissionais se manterem no Serviço Nacional de Saúde, mas acima de tudo porque querem que o país tenha condições para dar resposta".