PJ investiga rede que “vendia” promessas de legalização. Portugal é único país da UE que permite regularização sem visto prévio de trabalho
Nuno Fox
Durante toda a manhã, PJ, ASAE e SEF estiveram na zona do Martim Moniz, em Lisboa, onde se situam várias residências que alojam pessoas que estão em Portugal à espera de autorização de residência. As autoridades pretendiam encontrar os cabecilhas de uma rede de auxílio à imigração ilegal
A Unidade de Contraterrorismo da Polícia Judiciária (PJ) lançou esta segunda-feira uma grande operação, em vários pontos de Lisboa, que tem como objetivo desmantelar uma rede de auxílio à imigração ilegal. O Expresso confirmou junto de fontes próximas da investigação que não está a ser investigado o crime de tráfico de pessoas, apenas os de falsificação de documentos e auxílio à imigração ilegal.
Em Lisboa, a operação conta com cerca de 100 inspetores da PJ e decorre em várias localizações no centro da capital, com o foco na Praça de Martim Moniz, em redor da Rua do Benformoso e na Avenida Almirante Reis, onde se concentram muitos dos alojamentos que costumam receber migrantes que esperam por resposta às suas manifestações de interesse.
A manifestação de interesse é o procedimento que está na base desta investigação. É o nome do primeiro passo que uma pessoa que tenha chegado a Portugal de forma legal tem de dar no sentido de regularizar a sua situação e passar a viver de forma permanente no país.
O procedimento é realizado online, no Sistema Automático de Pré-Agendamento (SAPA) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), onde o proponente cria uma área personalizada. Em seguida é-lhe pedido que anexe os documentos essenciais para o processo de regularização ter início. A lista de papéis necessários é extensa, e inclui a necessidade de apresentar contrato de trabalho ou de promessa de trabalho, conforme previsto no artigo 88º da Lei de Estrangeiros.
“A investigação está a tentar encontrar os membros de uma rede que, a troco de dinheiro, diziam às pessoas que iriam fazer, em seu nome, as suas manifestações de interesse”, diz ao Expresso a mesma fonte, que ressalva que está tudo em fase de investigação. É possível que as pessoas que prometiam ajudar os migrantes nem chegassem a enviar os documentos necessários para a regularização, ficando o interessado apenas com um papel em sua posse a dizer que se inscreveu no SAPA, não necessariamente que os seus documentos foram todos enviados.
Aproveitar a livre circulação de Schengen
“Qualquer pessoa pode fazer uma manifestação de interesse, e depois, quando se vai ver, nem sequer têm todos os documentos necessários lá inseridos”, explica a fonte. O gatilho para a investigação, que, segundo a CNN Portugal, começou há um ano, terá sido a descoberta de pessoas que estavam a viver em França com manifestações de interesse feitas em Portugal.
“Apesar de ser possível a circulação para outro país do Espaço Schengen uma vez dada entrada em Portugal, ela não é legal nem autorizada apenas porque alguém tem papel que prova que existe uma manifestação de interesse alojada no SEF”, diz outra fonte com conhecimento do funcionamento das regras de entrada e permanência em Portugal.
A circulação acontece porque quando alguém chega a Portugal, as autoridades portuguesas fazem o controlo de entrada no Espaço Schengen e essa pessoa fica livre de circular dentro do mesmo, se não lhe pedirem documentos. Alguns países têm controlos fronteiriços impostos, em regime de exceção, mas não é comum verificarem, por exemplo, as entradas por terra.
A única coisa que acontece a quem seja apanhado noutro país com um pedido de regularização a decorrer em Portugal é ser enviado de novo para cá. Só é possível sair regularmente de Portugal depois de obter a autorização de residência.
Portugal é o único país da União Europeia com uma lei que permite que uma pessoa que, por exemplo, tenha entrado com visto turístico peça a regularização da sua estada apresentando um contrato de trabalho válido. O ministro da Administração Interna disse aos jornalistas, após participar na inauguração do Centro Municipal de Proteção Civil de Tábua, no distrito de Coimbra, que a investigação visa “pôr termo a práticas que podem configurar ilícitos criminais que vinham sendo objeto de uma investigação que tinha algum tempo de decurso e que agora se encontra em fase de desenvolvimento”. Citado pela Lusa, José Luís Carneiro afirmou ainda que há “outras operações desta natureza que irão ocorrer nos próximos tempos”, até porque há “muitos procedimentos de inquérito abertos”.
Segundo o Expresso apurou, além da PJ estão presentes nestes locais a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que foi verificar as condições de habitabilidade desses albergues, muitas vezes sobrelotados e com condições de vida insalubres; e o SEF, que procede à verificação de todos os migrantes presentes nos alojamentos que foram alvo desta ação.