Nunca como agora falámos tanto de resiliência. Esta expressão, que vem do latim “resiliens” e significa voltar ao estado normal depois de um choque, é usada em áreas que vão desde a física às finanças. Indica a capacidade de reação ao inesperado, a resistência à adversidade até ao regresso à normalidade.
Nunca como agora andámos tão informados — em parte graças aos meios de comunicação que generosamente abriram os conteúdos Covid-19 a todos — num mundo onde reina a incerteza, e nunca como agora desejámos tanto voltar ao normal.
E vamos voltar a um “normal” — que pode ser diferente do que conhecemos até agora — apesar desta crise global de proporções inéditas em que todos procuram a luz ao fundo do túnel. Os cientistas tentam controlar o impacto na saúde publica. Os economistas tentam estimar o impacto nas empresas e nas contas públicas. Os gestores tentam minimizar as perdas e sobreviver. E os políticos tentam gerir estratégias e expectativas face a cenários dramáticos.
Tudo e todos são afetados nesta busca pela sobrevivência, em que a resiliência assume um papel central. Um dos setores mais globais, e logo mais afetado, é o luxo. Pode parecer à primeira vista frívolo falar de uma área de negócio não essencial nesta altura — afinal o que interessam as vendas de perfume quando o que mundo precisa é de álcool gel? — mas é uma indústria que cria grande valor, e que garante o emprego a milhões de pessoas. Desde as fábricas aos pequenos artesãos, à enorme rede mundial de lojas e serviços, e toda a cadeia de fornecimento global deste setor.
As lojas podem estar fechadas, mas algumas das fábricas das grandes marcas de luxo continuam a trabalhar. Num espírito solidário, a produção foi convertida para apoiar a luta ao covid-19. O grupo LVMH está a produzir álcool gel para oferecer às autoridades francesas na fábrica que antes se dedicava aos perfumes das marcas Christian Dior e Givenchy. A Bulgari está a fazer o mesmo em Itália. Armani, Prada, Saint Laurent, Burberry e Boss são algumas das marcas que estão a usar as suas fábricas e tecidos para produzir máscaras e batas cirúrgicas que são entregues aos hospitais. A Ferrari está a converter parte da fábrica em Maranello numa linha de produção para ventiladores. Os contributos chegam em inúmeras formas e dimensões, e vêm de todas as frentes, porque as marcas estão de facto #together #insieme #ensemble nesta luta contra a pandemia.
Os maiores grupos de luxo já anunciaram que não vão recorrer ao apoio do estado para manter os seus colaboradores em casa. Foi preciso as duas maiores marcas privadas — Hermès e Chanel — darem este passo primeiro, para que os donos de Louis Vuitton e Gucci seguissem o exemplo, assumindo na totalidade os encargos de mais de 200,000 pessoas. A saúde das pessoas e das empresas nunca foi tão crítica, não só na luta atual contra a doença, mas também para resistir ao impacto económico devastador.
Vai ser preciso uma grande resiliência – financeira e operacional - para resistir a esta crise, que ameaça ser maior do que alguma vez vimos. No setor do luxo, o coronavírus tem um impacto triplo. Começou com a China, cujo lockdown desde o início do ano impôs uma quarentena no consumo num mercado que representa 35% das vendas globais (e 90% do crescimento). Acresce a situação dramática em Itália, que obriga ao encerramento do país. A famosa assinatura “made in Italy”, que representa cerca de 40% da produção de luxo global, foi obrigada a parar. E vamos ver como e quando volta a funcionar. Além da crise de saúde, há também uma crise de confiança generalizada. O turismo que até agora era um dos motores do consumo de luxo global, e sobretudo em Portugal, está também em estado de emergência.
No entanto, apesar das quebras estimadas de 25-30% para este ano, começa a haver sinais de recuperação vindos da China. As lojas já começaram a abrir, e há indícios de recuperação no consumo. Ainda é cedo para lançar foguetes, mas o que vier a acontecer no mercado chinês vai determinar o futuro do setor do luxo.
As marcas centenárias que todos conhecemos já passaram por inúmeras crises e guerras…e sobreviveram. A Burberry, nascida em 1856, fardou os militares ingleses nas duas Guerras Mundiais com o seu famoso “trench coat” (literalmente, casaco de trincheira). Nesta guerra está a fardar os médicos com batas. O que fará na próxima?
Ao longo dos últimos 20 anos, o setor do luxo triplicou o seu negócio. Esta enorme criação de valor permite criar reservas a que as empresas e marcas podem recorrer. Algumas estarão mais bem preparadas do que outras, mas é um setor historicamente resiliente.
Há luz, ainda que ténue, ao fundo do túnel.
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