Munido de um dossiê com várias pastas com documentos guardados em micas de plástico, Manuel Pinho, o primeiro ex-governante a ser julgado por corrupção em Portugal, começou esta terça-feira a defender-se das acusações de corrupção e branqueamento de capitais que lhe são imputadas pelo Ministério Público. "É a primeira vez que me vou defender depois de 12 anos de investigação. É duro e ninguém se sente confortável nesta posição. A acusação assenta num equivoco: em vésperas de ir para o Governo fiz um pacto criminal com Ricardo Salgado. É falso e não tem nexo. Não há a minima prova de que isso aconteceu", garantiu o principal arguido do caso que ficou conhecido como EDP porque começou por investigar os alegados benefícios atribuídos à elétrica e terminou com uma acusação que sustenta que Pinho foi um agente do BES infiltrado no Governo do Partido Socialista.
"Não tem nexo porque pegando nesse pacto e fazendo as contas, eu tive um prejuízo colossal e ninguém faz um pacto para se prejudicar", garantiu o ex-ministro que fez mesmo as contas: "Se eu não quisesse ser ministro, tinha este contratozito", diz enquanto abana um documento timbrado que apresenta ao tribunal como "o contrato original". São "720 mil por ano. Se tivesse ficado no BES, teria recebido mais de 19 milhões de euros, contra os cinco milhões que o MP diz que eu teria recebido. Isto tem algum nexo?".
Antes dele, o procurador Rui Batista garantiu que o Ministério Público irá "provar" que quando Manuel Pinho soube que ia "para ministro, faz um acordo com Ricardo Salgado para se manter ao serviço do grupo e tomar decisões" que iriam "de acordo aos interesses diretos ou indiretos do grupo e beneficiar os seus clientes". Em troca, obteve “um acordo simulado como uma pensão”; isto é, "manteve-se ao serviço do grupo recebendo o pagamento de mensal de 14 mil euros, mais 500 mil euros e um conjunto de benefícios relacionados com crédito, a compra de uma casa e assegurou uma reforma".
Para além de garantir que iria perder dinheiro com este suposto "pacto criminoso", Pinho diz que o acordo de saída do BES foi feito em "março de 2004", quando estava "longe de sonhar" que iria para o Governo.
Ricardo Sá Fernandes, que defende o "amigo" Pinho, citou Aristóteles – que era "mais amigo da verdade do que de Platão" – e garantiu que, quando saiu do BES, o cliente "teve de fazer um acordo para receber os prémios de 2004 e primeiro trimestre de 2005". "O acordo foi-me imposto", confessou Pinho que atribuiu a sua saída do BES a uma "decisão dos acionistas". Para ele, foi um afastamento "estranho": "Fiquei muito triste e demorei muito tempo a aceitar". Por isso, o acordo para sair "foi-lhe imposto, foi pegar ou largar".
Já no fim, pediu para fazer um "aparte" e emocionou-se com a "declaração de amor" que pretendeu fazer à mulher, co-arguida no processo "sem qualquer documento que a ligue ao alegado pacto". “Ficou sempre a meu lado. Estou-lhe eternamente grato”.
No banco ao lado, Alexandra Pinho, que está acusada de branqueamento, foi impedida pela juíza de ajudar o marido na longa exposição que decidiu fazer. “Não podem falar os dois”, advertiu Ana Paula Rosa. Magalhães e Silva, advogado de Alexandra, considerou “desleal” a acusação do MP. a prova rainha é a indireta, mas não pode ser substituída pela convicção do investigador. É o que acontece nesta situação. “Qual é a prova documental que liga Alexandra Pinho à Tartaruga Foundation?”, perguntou-se o advogado. “É um insulto numa altura da libertação da mulher alegar que faz isto a coberto de um acordo um apêndice do marido”.
Ricardo Salgado, o terceiro arguido do processo, foi o único que não esteve presente por razões médicas. Manuel Pinho disse-se “impressionado" depois de o ter visto na televisão a caminho das perícias médicas ordenadas pela juíza Ana Paula Rosa. “É um erro factual da acusação. Assinei o acordo com ele e com Mário Amaral [ex-membro do Conselho Superior do BES, já falecido], disse Manuel Pinho que negou alguma vez ter beneficiado o BES enquanto esteve no Governo. ”Até fui contra as pretensões deles. Acho chocante que considerem que beneficiei o BES ou a banca".
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RGustavo@expresso.impresa.pt