Covid-19. Com a pandemia a crescer na Europa, governos apertam medidas mas resistem a confinamentos
Marcos del Mazo
Europa volta a ser o epicentro da pandemia, com Espanha, França, Reino Unido, República Checa e Rússia à cabeça. Há novas medidas um pouco por todo o continente, quase sempre diferentes, mas com uma ideia em comum: ninguém quer voltar a fechar-se
O epicentro da covid-19 voltou a mover-se e está de regresso à Europa. Na semana passada, o velho continente passou pela primeira vez os 100 mil casos diários, impulsionados por países como Espanha, França, Reino Unido e Rússia, consistentemente acima dos 10 mil por dia. Portugal não é alheio a esse aumento, e vai já em seis dias consecutivos com mais de mil novos casos. Esta quarta-feira, às 23h59, termina o estado de contingência decretado pelo Governo, que já anunciou o que se segue. E no resto da Europa?
Ao contrário do que aconteceu no início da pandemia, em que o confinamento passou por quase todos os países, as medidas agora variam e a grande semelhança caminha em sentido oposto: ninguém quer voltar a fechar-se.
Em Espanha, o estado de emergência foi localizado. A capital, Madrid, é atualmente a área com a taxa de infeção mais alta da Europa, 850 casos por cada 100 mil habitantes. Desde sábado passado que os cidadãos de dez municípios madrilenos, cerca de cinco milhões de pessoas, têm a mobilidade restringida ao município de residência.
A medida ainda esteve à beira de ser travada, depois de um chumbo do Tribunal Superior de Justiça de Madrid, que defendeu que estaria “contra as liberdades fundamentais dos cidadãos”. Mas o decreto de estado de emergência imposto pelo executivo do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, permitiu que avançasse.
Em França, o último sábado foi de recordes negativos, com quase 27 mil infeções (26.896) e com hospitais e grandes cidades a passarem a modo de emergência. Primeiro foi Paris, depois Marselha, na semana passada Lille, Lyon, Grenoble e Saint-Étienne, o que significou o fecho de todos os bares e estabelecimentos noturnos nas cidades, bem como restrições a restaurantes, cafés e pastelarias. Para alguns, conta o diário parisiense "The Local", as medidas podem ser demasiado rigorosas.
Emmanuel Macron disse que haverá espaço para “novas restrições nas áreas onde o vírus mais circula”. O estado de alerta máximo é ativado em cidades com um rácio de infeção superior a 250 por 100 mil habitantes e mais de 30% de camas de cuidados intensivos ocupadas por doentes covid-19. Apesar da resistência a confinamentos, Marlène Schiappa, ministra da Cidadania, disse que todas as opções “estão a ser avaliadas". "Nada pode ser excluído”, reforçou.
Em Itália, o primeiro-ministro Giuseppe Conte prometeu esta terça-feira que a polícia não vai entrar em casa das pessoas, mas não deixou de as avisar: “devemos melhorar o comportamento mesmo em residências particulares, [já que] a evolução da curva aumentou sobretudo devido à dinâmica na família e nos amigos.”
Por isso, o Governo decidiu que durante os próximos 30 dias estão proibidas as festas e celebrações em espaços fechados ou abertos com mais de seis pessoas (sim, mesmo em casa). Casamentos e batizados têm um limite de 30 convidados. Os bares e restaurantes, que devem fechar à meia-noite, estão proibidos de servir bebidas alcoólicas a clientes que não se tenham sentado até às 21 horas.
A máscara na rua já era obrigatória e, por agora, ficam de fora das restrições as escolas e os transportes públicos, que são “certamente situações críticas”. Porém, o objetivo, disse Conte, citado pelo La Repubblica, “é evitar que o nosso país mergulhe num lockdown generalizado”. Itália também tem registado os números mais altos desde abril, 4.619 só na segunda-feira, ainda assim bem abaixo dos vizinhos.
O mapa elaborado esta terça-feira pelo Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla inglesa) não deixa dúvidas: África é de longe o continente menos fustigado por esta altura, com uma série de países no nível mais baixo de infeção por 100 mil habitantes, marcados a amarelo. E se a América do Sul é uma enorme onda vermelha, com pequenas bolhas a salvo, como o Paraguai, e a América do Norte anda entre os dois níveis mais altos, na Europa poucos são os países que escapam das cores garridas.
O mapa do ECDC de 13 de outubro mostra uma Europa quase toda pintada com as cores mais escuras. Apesar do aumento de casos, a Alemanha mantém-se como um dos estados menos fustigados pela covid-19
Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças
Entre eles está a Alemanha, pintada a amarelo mais escuro, o que significa que está entre os 20 e os 60 casos de infeção por 100 mil habitantes. Na verdade, também os germânicos têm batido recordes de infeção: mais de cinco mil nas últimas 24 horas, o que não se via desde abril. Christian Drosten, reputado cientista do país, disse no encontro mundial de saúde em Berlim deste mês que “já existem discursos a celebrar o sucesso alemão, mas não é muito claro de onde ele vem. Trabalhámos exatamente com as mesmas medidas que os outros. Não fizemos nada particularmente bem, apenas o fizemos mais cedo.”
A chanceler Angela Merkel evita falar em sucesso numa altura em que os casos crescem, embora ponha sempre água na fervura. A situação é “urgente”, mas não dramática. Merkel reúne esta quarta-feira com os responsáveis de 16 estados alemães, num encontro do qual poderão sair novas medidas. Mais do que restrições aos habitantes, a imprensa alemã aponta ações como a testagem nos lares ou o isolamento de quem viaje de áreas consideradas de risco.
Não muito longe dali, na Bélgica, dá-se um dos poucos casos em que as medidas restritivas não só não aumentaram como até afrouxaram. Se em julho o uso de máscaras era obrigatório nos espaços públicos, fechados ou abertos, desde o início de outubro que essa obrigatoriedade vale apenas para transportes públicos ou locais com grande concentração de pessoas. Ainda assim, é pedido à população que “limite os contactos ao mínimo absoluto” e respeite as regras básicas de distanciamento físico, incluindo o uso de máscara, higiene das mãos, ventilação de espaços fechados ou a utilização da aplicação de rastreamento para telemóveis.
“O Governo propõe uma coisa e ela é logo disputada… em março e abril as pessoas estavam com tanto medo que cumpriam e não contestavam tanto as regras. Mas agora as pessoas veem que os casos aumentam e a taxa de mortalidade continua baixa e perguntam-se por que têm de fazer todas essas coisas”, justifica Yves Van Laethem, investigador da task force do governo belga, também à BBC. Na Bélgica, a taxa de mortalidade total está agora 87 por 100 mil habitantes.
Holanda e República Checa, pelo contrário, apertam medidas, nomeadamente com o fecho de bares e restaurantes, a restrição que mais se repete por essa Europa fora. Na Holanda há confinamento parcial e obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos fechados, uma novidade no país.
Andrej Babis, primeiro-ministro da República Checa, o país europeu com a taxa mais alta de novas infeções e um dos que mais apertou as medidas para fazer face à segunda onda de covid-19 na Europa
SOPA Images
Andrej Babis, primeiro-ministro checo, vai mais longe do que o homólogo holandês e proíbe também o consumo de álcool em locais públicos, decreta o fecho de teatros, cinemas, galerias, museus e jardins zoológicos, piscinas indoor e ginásios, durante pelo menos três semanas. O país é também um dos poucos a optar pelo fecho das escolas nesse período de tempo.
A República Checa é, por esta altura, o país europeu em situação mais delicada, com uma taxa de infeção nos últimos 14 dias de 493 por 100 mil habitantes. Com um número de habitantes muito próximo do português, o país tem tido aumentos diários na ordem dos milhares (8.325 novas infeções na última atualização).
Na Rússia, anunciaram-se esta quarta-feira mais 14.231 casos de covid-19, um novo recorde, novamente muito acima da barreira dos 10 mil e para um total que já ultrapassa um milhão e 300 mil casos. Na próxima semana, os alunos da escola primária vão poder voltar às aulas presenciais em Moscovo, ao contrário dos mais velhos, que continuarão a ter aulas à distância durante pelo menos duas semanas.
Apesar de algumas semelhanças, cada Governo sua sentença. No Reino Unido entra esta quarta-feira em vigor o novo sistema “three-tier”, três camadas de restrições, consoante a situação epidemiológica da localidade. O nível mais baixo, que na verdade se chama “médio” (os outros são “alto” e “muito alto”, prevê o fecho de bares e restaurantes às 22h e limita os ajuntamentos a seis pessoas. É nessa camada que está agora a maioria dos ingleses.
Uma das exceções é Liverpool, a única área sujeita às regras mais rígidas, com os pubs e bares que não servem refeições a ter mesmo de encerrar. A regra das seis pessoas vale também para jardins e espaços ao ar livre e os habitantes são aconselhados a não viajar para outras partes do país. Poucas horas antes de a medida entrar em vigor na cidade, a polícia dispersou ajuntamentos.
Não está posta de parte a hipótese de Manchester e Lancashire, entre outras, entrarem para este estado de alerta “muito alto”. Na Irlanda do Norte, o Governo decretou um confinamento de várias semanas, que inclui o fecho de escolas durante 14 dias (já havia um período de férias intercalares pelo meio) e de bares e restaurantes, que passam a poder vender apenas no sistema “take-away”.