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O último ato de Centeno: “Vai ser um ano difícil… Não vejo como possa haver qualquer receio…. João?”

O último ato de Centeno: “Vai ser um ano difícil… Não vejo como possa haver qualquer receio…. João?”
ANTONIO PEDRO SANTOS / EPA

O dia 1664 menos seis foi o último dia. Centeno deixa o Governo com um orçamento desfeito pela pandemia, refeito com a mão do sucessor que preferia. Deixa Costa no momento combinado há 10 meses, apesar da pandemia, apesar das incógnitas que há pela frente. E deixa o país na dúvida se, nesta despedida, há uma cláusula de prolongamento de contrato, desta vez à frente do Banco de Portugal. O último dia de Centeno, o ministro, é um retrato de tudo isto: dos 5 anos de mandato, dos 10 meses de tabu e dos outros que virão

O último ato de Centeno: “Vai ser um ano difícil… Não vejo como possa haver qualquer receio…. João?”

David Dinis

Diretor-adjunto

Dia 1664, menos seis. Igual a 1659. Foi, portanto, neste dia que Mário Centeno disse ao país o que país já sabia: vai sair do Governo. E foi também o dia em que soubemos que nem ficaria para aprovar o seu último orçamento, a que chamou um suplementar. Para isso seria quase preciso chegar ao dia 1700 - mas para isso Centeno deixaria passar o dia 0, aquele em que António Costa vai ouvir os partidos político sobre o sucessor de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal. Mas essa é a incógnita que se segue, já lá vamos. Antes, o último ato enquanto ministro.

Centeno apresentou nas Finanças o único Retificativo que teve de fazer em 1664 dias. É obra, mas obra inacabada. É que este Retificativo é na prática um novo orçamento, porque a pandemia acabou com o plano que Centeno tinha há quase um ano para a sua saída de cena: uma dívida a caminho dos 110% do PIB, um orçamento com o superavit que Centeno acredita piamente dever passar a ser o novo normal do país.

Acontece que o novo normal chegou em março e trouxe um vírus. Com ele, o Governo mandou o país para casa. E com isso a economia fez o que nenhum manual de economia alguma vez se lembrou de imaginar: parou. No seu último ato enquanto ministro das Finanças de Portugal (haverá ainda um Eurogrupo, mas aí as contas entram nos 900 dias também contados por ele), Centeno reconheceu isso: “Vai ser um ano difícil, não só para a economia, mas também para as contas públicas”. Esse, por azar da covid e por decisão de Centeno, é o ano em que Centeno sai do Governo.

Mas Centeno quis deixar garantias. Se a dívida vai saltar para 136% do PIB - o pior registo de sempre -, se o défice vai voltar aos 6,9%, este não é um regresso ao ponto de partida. “Há sinais de recuperação”, disse aos jornalistas o ainda ministro, admitindo que seja “uma recuperação muito assimétrica” - porque o turismo, por exemplo, terá um longo caminho das pedras a fazer. Mesmo assim, Centeno acredita. Acredita que no próximo ano a economia já crescerá mais de 4%, mostrando que esta é uma crise diferente também nisso, com uma “recuperação rápida já no ano que se segue”.

Centeno não o disse mas a verdade é que as estimativas no seu último orçamento são mais otimistas do que as de todas as outras instituições. Em vários dos últimos orçamentos, Centeno ganhou essa batalha: as suas estimativas revelaram-se mais acertadas. Mas desta vez é diferente: a economia terá uma batalha lendária contra um vírus, não contra os pessimistas de serviço. E os vírus são matéria nunca antes estudada pelos ministros das Finanças. Nem mesmo pelo Ronaldo deles.

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