Política

Centeno contou 1664 + 900 dias. Agora conta ir para o Banco de Portugal

António Costa e Mário Centeno
António Costa e Mário Centeno
Manuel de Almeida/Lusa

Mário Centeno sai três semanas depois da crise política com o primeiro-ministro e sai em acordo com António Costa. O seu desejo é ir para o Banco de Portugal e tem nas Finanças alguém que o pode nomear. Costa tem margem para ouvir os partidos, o governador e decidir com o novo ministro a tempo do fim do mandato de Carlos Costa, no início de Julho. Na conferência de imprensa de hoje, ficou essa dúvida, mas também uma certeza sobre o futuro do Governo

Centeno contou 1664 + 900 dias. Agora conta ir para o Banco de Portugal

Liliana Valente

Coordenadora de Política

Quem está a contar? Mário Centeno. O peso do cargo era de tal modo que o ministro pôs-se a contar os dias que o ocupou: 1664 dias enquanto ministro das Finanças e 900 destes em acumulação com a presidência do Eurogrupo. Centeno despediu-se hoje com abraços virtuais - "Covid passado, o abraço será dado" - do cargo que ocupou nos últimos cinco anos e por arrasto do cargo europeu que tanto o Governo empunhou, mas este, só um mês depois, ficando como presidente do Eurogrupo até ter substituto, no dia 13 de Julho. A dúvida é se seguirá para governador do Banco de Portugal. Ficará livre para o fazer: o mandato do governador termina em Julho, quando Centeno já está há mais de 15 dias fora do Governo (e de saída do Eurogrupo). António Costa não o desmente, chuta para canto. Ou melhor, chuta para conversas com partidos, governador e com o novo ministro de Estado e das Finanças, João Leão.

Estas conversas têm de acontecer até ao início de Julho, para que Carlos Costa fique no cargo apenas o estritamente necessário. Os calendários adequam-se. Na conferência de imprensa, à pergunta se Centeno seria o próximo governador, António Costa respondeu: "Terei oportunidade de discutir o assunto com o próximo ministro de Estado e das Finanças". Ora João Leão é próximo de Centeno e não terá, à partida, problemas em aceitar Centeno no banco central. Mas para lá já segue Ricardo Mourinho Félix, secretário de estado adjunto e das Finanças, pelo menos para já. É o lugar de origem do governante, tal como de Centeno. E há quem questione se não se está a assistir a uma tomada de assalto das Finanças ao Banco de Portugal.

Outro dado desta resposta de Costa é que João Leão ficará como ministro de Estado, um sinal para dentro do próprio governo de que não haverá uma despromoção nas Finanças, pelo menos em termos da hierarquia do Governo. Isto porque retirar o título de Estado ao próximo ministro das Finanças seria retirar-lhe poder de negociação dentro do Executivo. Contudo, o que será o ministério das Finanças ainda não se sabe. De saída, além da promoção de Leão, estarão os secretários de Estado Mourinho Félix, e Álvaro Novo, secretário de Estado do Tesouro. A nova equipa de Leão será "oportunamente" apresentada, o que deverá acontecer antes das sua tomada de posse, na segunda-feira.

Depois de cinco anos à frente das Finanças, a despedida de Mário Centeno foi curta. Os três governantes, o primeiro-ministro, o passado e o futuro do ministério das Finanças apareceram juntos para passar a mensagem que queriam: a saída de Centeno foi "uma tranquila passagem de testemunho", depois do terramoto de há três semanas. Ficou menos de um mês depois da reafirmação da confiança política do primeiro-ministro. Mas sai com acordo com António Costa. Os dois concertaram calendários e escolheram o sucessor. Os dois apareceram ao lado de João Leão, apadrinhando a sua escolha.

Foi isso que Centeno fez. Falou pouco, nem dois minutos, para colocar a sua chancela na escolha. Centeno sai, mas o espírito fica. João Leão é o seu sucessor e foi esse o elogio que lhe fez: "Os números sempre fizeram parte deste trajeto. Eles estiveram sempre certos e queria deixar testemunho e quase a certeza que vão continuar a estar certos porque o João Leão, com quem tive o enormíssimo prazer de trabalhar, é o fator de continuidade de um trajeto que Portugal merece e que tem de aproveitar", disse na conferência de imprensa. Nesta sua curta despedida (esta tarde ainda estará na conferência de imprensa das Finanças sobre o Orçamento Suplementar), Mário Centeno quis ainda deixar o seu carimbo ao defender que o "Governo tem uma liderança e coesão que se reflete nos resultados que o governo obtém".

Leão falaria depois, numa também curta declaração, para firmar que é mesmo de "continuidade da política orçamental", como defendeu António Costa. No dia em que o Governo aprovou em Conselho de Ministros o Orçamento Suplementar que alberga o Plano de Estabilização Económica e Social (PEES), Leão deixou claro que o seu pensamento em nada difere do seu legado. Defendeu que é preciso "responder com políticas capazes de enfrentar o desafio que temos pela frente". Primeiro serão necessárias "políticas de estabilização" da economia para apoiar "o emprego e empresas e manutenção de rendimentos". E depois, numa segunda fase, a recuperação da economia "e crescimento virtuoso". "Apenas assim conseguimos manter e assegurar a estabilidade económica aos portugueses. Compromisso que assumo que vamos manter", defendeu o nomeado ministro das Finanças.

Do ponto de vista do que agora sai, Mário Centeno, este dia marca o "fim de um ciclo, longo". Mas quem é que estava mesmo a contar os dias para sair?

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