5 abril 2020 20:58

Isabel II discursou na Sala Branca do castelo de Windsor, onde está em autoisolamento
buckingham palace
Rainha elogiou os que trabalham na linha da frente e os que ficam em casa. Evocando o espírito da II Guerra Mundial, assegurou aos súbditos de que a normalidade regressará e que as gerações futuras terão orgulho no esforço que hoje pede ao povo
5 abril 2020 20:58
Vivem-se tempos suficientemente ímpares para Isabel II fazer um discurso transmitido pela televisão em horário nobre. É apenas o quinto em 68 anos de reinado, se excluirmos a mensagem de Natal anual, e a monarca britânica disse-o com clareza: “Falo-vos naquele que sei ser um tempo cada vez mais difícil. Um tempo de perturbação da vida no nosso país: perturbação que trouxe desgosto a alguns, dificuldades financeiras a muitos e enormes mudanças às vidas quotidianas de todos nós”.
A rainha, que completa 94 anos no dia 21, frisou a singularidade do momento: “Embora tenhamos enfrentado desafios no passado, este é diferente. Desta vez unimo-nos a todas as nações do globo num esforço comum, utilizando os grandes avanços da ciência e a nossa compaixão instintiva para curar”.
Num vídeo de 4 minutos e 26 segundos, gravado sob fortes medidas de segurança no castelo de Windsor – onde está em autoisolamento com o marido, de 98 anos –, a soberana elogiou o “espírito” dos britânicos e evocou memórias da II Guerra Mundial, incluindo a primeira vez que discursou ao povo, ainda princesa, em 1940. Foi há 80 anos, tinha ela 14, num programa de rádio para crianças, a pedido do primeiro-ministro Winston Churchill.
“Nós, crianças, falámos aqui, de Windsor, para crianças cujas casas tinham sido evacuadas e que foram afastadas por razões de segurança. Hoje, de novo, muitos terão dolorosos sentimentos de separação daqueles que amam. Mas, agora como então, sabemos no fundo que é a coisa certa a fazer.” Estas palavras foram ilustradas com imagens desse tempo e outras, contemporâneas, de médicos, enfermeiros e cuidadores, pessoal que faz entregas, membros das forças armadas e da construção de um hospital de campanha em Londres, que tem o nome da enfermeira Florence Nightingale, que se destacou em cenários de guerra.
Aplausos e arco-íris
A monarca referiu-se à campanha de aplausos, no seu país e noutros, ao pessoal de saúde. “Serão recordados como expressão do nosso espírito nacional e o seu símbolo serão os arco-íris desenhados pelas crianças”, vaticinou. Segundos antes elogiara os que trabalham pelo bem comum:
“Quero agradecer a todos na linha da frente do sistema nacional de saúde, bem como aos cuidadores e aos que desempenham funções essenciais, que cumprem de forma altruísta os seus deveres quotidianos, fora de casa, apoiando-nos a todos”. Também celebrou “histórias consoladoras de pessoas que se juntam para ajudar outras, seja entregando refeições e medicamentos, verificando se os vizinhos estão bem ou convertendo empresas para contribuir para o esforço.”
“O que fazeis é valorizado e cada hora do vosso trabalho esforçado aproxima-nos do regresso a tempos mais normais”, garantiu. Em seguida louvou também “os que ficam em casa, ajudando a proteger os vulneráveis e poupando muitas famílias à dor que já sentem aqueles que perderam entes queridos”.
Um dos objetivos deste discurso, concertado com o Governo, foi incentivar os 129 milhões de súbditos de Isabel II (65 milhões deles no Reino Unido, os demais nos outros 15 países em que reina) a continuarem a cumprir o distanciamento social, à medida que o tempo se torna mais primaveril e cresce o fastio de estar em casa. O país conta 47,806 infetados e 4934 mortos pela pandemia. As recuperações são 135, havendo 1559 pessoas em estado crítico.
Tempo para meditar
A rainha tentou encontrar um lado bom nas presentes. “Embora o autoisolamento possa, por vezes, ser difícil, muitas pessoas de muitas fés, ou sem fé, estão a descobrir que proporciona uma oportunidade para abrandar, fazer uma pausa e refletir, em oração ou meditação”, disse, para mais tarde assegurar: “Teremos êxito e esse êxito pertencerá a todos e cada um de nós”.
Isabel II enalteceu, como o pai num célebre discurso de 1940, as virtudes dos seus conterrâneos. “Espero que em anos futuros toda a gente possa orgulhar-se da sua reação a este desafio. E os que virão depois dirão que os britânicos desta geração foram tão fortes como quaisquer outros. E que as virtudes da autodisciplina, da determinação calma e bem-humorada e do sentimento pelo próximo ainda caracterizam este país”, disse a soberana, a quem se aplicam os mesmíssimos atributos. “O orgulho naquilo que somos não faz paret do nossos passado, define o nosso presente e o nosso futuro.”
“Juntos estamos a lidar com esta doença e quero reassegurar-vos que, se permanecermos unidos e decididos, vamos ultrapassá-la”, exortou a rainha, que concluiu com uma nota de esperança: “Deve confortar-nos saber que, apesar de podermos ter de aguentar mais, dias melhores hão de regressar: voltaremos a estar com os nossos amigos, voltaremos a estar com as nossas famílias, voltaremos a encontrar-nos”.
A recordista no trono britânico (onde se senta desde 1952) falou ao país, para lá dos discursos da praxe, em cinco ocasiões. Antes deste domingo fizera-o em 1991, devido à guerra do Golfo; em 1997, na véspera do funeral da princesa Diana; em 2002 quando a rainha-mãe morreu aos 102 anos; e em 2012 quando cumpriu 60 anos do seu longo reinado.