Covid-19. Afinal convém andar de máscara em público?
Se a Organização Mundial da Saúde mudar aquilo que até agora era a sua recomendação oficial, uma prática habitual em países asiáticos poderá tornar-se comum também no ocidente
Se a Organização Mundial da Saúde mudar aquilo que até agora era a sua recomendação oficial, uma prática habitual em países asiáticos poderá tornar-se comum também no ocidente
Jornalista
A Organização Mundial de Saúde (OMS), até agora, desaconselhava o uso de máscaras por parte de pessoas que não estivessem infetadas ou não fossem profissionais de saúde - em boa parte, para garantir que estes últimos teriam acesso às máscaras, numa altura em que o seu número estava bastante longe de corresponder às necessidades dos sistemas de saúde em muitos países.
Um dos argumentos da OMS era o de que as máscaras podiam dar um falso sentimento de segurança às pessoas. Mas agora, com as máscaras a estarem disponíveis em maiores quantidades e dadas as provas crescentes de que as máscaras usadas por pessoas comuns de facto podem funcionar na prevenção do vírus, a recomendação oficial da organização poderá estar em vias de ser revista.
Uma discussão virtual sobre o assunto a ter lugar na organização durante os próximos dias tomará em conta os resultados de um estudo realizado em Hong-Hong a que a OMS teve acesso confidencialmente. Instituições em diversos países, incluindo o Centros para o Controle de Doença norte-americano, já estavam a considerar mudar as suas recomendações na matéria, depois de ainda há um mês terem sido categóricas a dizer que as pessoas não deviam usar máscaras.
Uma análise sistemática de vários estudos demonstrou a utilidade do uso generalizado de máscaras durante a epidemia de SARS em 2003, reduzindo até 70 por cento o risco de contrair a doença. E George Gao, diretor-geral do Centro para o Controle e a Prevenção de Doenças na China, disse à revista "Science" que, na sua opinião, o maior erro nos Estados Unidos e na Europa é as pessoas não estarem a usar máscaras nesta altura.
"As gotículas têm um papel muito importante", explica. "Quando falamos, há sempre gotículas a sair da nossa boca". Dado que muitas pessoas infetadas não apresentam quaisquer sintomas, o uso de máscaras "pode impedir gotículas que transportam o vírus de escapar e infetar outros".
Um especialista em doenças infecciosas em Hong-Kong, Ivan Lung, disse à CNN que "usar máscara é provavelmente a coisa mais importante em termos de controle da infeção". Acrescentou que têm a vantagem suplementar de reduzir em muito os casos de gripe.
Uma prática frequente há anos em países asiáticos e que a muitos ocidentais parecia bizarra - o uso de máscaras no dia a dia - poderá estar prestes a tornar-se comum. Países europeus como a Áustria, a Eslováquia e a República Checa já a impõem nalguns espaços públicos, e tudo indica que a medida se vai estender.
Um estudo realizado por cientistas do MIT e publicado em finais de março no "Journal of The American Medical Association" (JAMA), forneceu razões para pensar que as recomendações habituais sobre distanciamento social, que indicam uma distância mínima de 1 a 2 metros, não serão suficientes. Câmaras de alta velocidade e outros sensores permitiram constatar que as gotículas que transportam o vírus poderão ter um alcance de entre seis a oito metros, conforme se trate de tosse ou espirros.
Eis um extrato do estudo, numa tradução sem revisão científica): "Trabalho recente mostrou que as exalações, os espirros e as tosses não só consistem em gotículas mucosalivares que seguem trajetórias de emissão semibalísticas de longo alcance, mas consistem primariamente num gás turbulento multifásico que arrasta ar ambiente e prende e transporta nele aglomerados de gotículas num contínuo de tamanhos de gotículas. A atmosfera local húmida e quente dentro da nuvem de gás turbulento permite às gotículas contidas escapar à evaporação por muito mais tempo do que acontece com gotículas isoladas. Nessas condições, a vida de uma gotícula pode ser consideravelmente extendida por um fator de até 1000, de uma fração de segundo a minutos".
"Devido ao ímpeto da nuvem para a frente, as gotículas que transportam agentes patogénicos são impulsionadas muito mais longe do que se fossem emitidas em isolamento sem uma nuvem de sopro turbulenta a prendê-las e a transportá-las para a frente. Dadas várias condições da fisiologia de um doente individual e de circunstâncias ambientais, tais como humidade e temperatura, a nuvem de gás e a sua carga de gotículas com agentes patogénicos de todos os tamanhos pode viajar 7 a 8 metros. Significativamente, ao longo da trajetória gotículas de todos os tamanhos assentam ou evaporam-se em taxas que não dependem só do seu tamanho, mas do grau de turbulência e velocidade da nuvem de gás, juntamente com as propriedades do ambiente (temperatura, humidade e fluxo de ar)".
Em declarações à BBC, a cientista principal do estudo, Lydia Bourouiba, concluiu: "Ter esta falsa ideia de segurança de que, a um ou dois metros, as gotas de alguma forma se limitam a cair para o solo, não se baseia naquilo que quantificámos, medimos e visualizámos diretamente". Mesmo quando a máscara não for suficiente para impedir a passagem das gotículas mais pequenas, ela poderá ajudar a desviar a nuvem que vem em alta velocidade na direção da pessoa que a utiliza.
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