Coronavírus

Covid-19. Banqueiros admitem fragilidades nas novas ajudas e assumem: “Vamos ter o vírus económico daqui a três ou quatro meses”

António Ramalho (CEO do Novo Banco) e Miguel Maya (CEO do Millennium BCP).
António Ramalho (CEO do Novo Banco) e Miguel Maya (CEO do Millennium BCP).
NUNO FOX

Cada empresa só pode pedir 1,5 milhões de euros nas novas linhas de crédito e isso é um problema, assume António Ramalho, líder do Novo Banco. O custo de até cerca de 3% para pedir esse financiamento é "muito" elevado, admite Miguel Maya, presidente do BCP. São dois problemas vistos pelos dois banqueiros portugueses na resposta à crise da covid-19

Covid-19. Banqueiros admitem fragilidades nas novas ajudas e assumem: “Vamos ter o vírus económico daqui a três ou quatro meses”

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Os presidentes do Banco Comercial Português e do Novo Banco estão à espera de enquadramento legislativo – prometido pelo Governo para esta semana – para poderem emprestar às empresas o dinheiro das linhas de crédito criadas pelo Executivo. No entanto, assumem que há debilidades, desde logo com os juros e os montantes máximos a financiar. Por isso, “vai ser preciso mais”.

“Vamos ter o vírus económico daqui a três ou quatro meses”, declarou António Ramalho, o líder do Novo Banco, no Negócios da Semana, programa da SIC Notícias, no final desta quarta-feira.

Já há uma linha de combate, não só com as linhas de crédito mas também com moratórias de crédito. “É o começo possível, não seguramente o plano final. Vai ser preciso mais. Mas é um começo importante”. As palavras são de Miguel Maya, no mesmo programa, comentando as medidas que o Governo já começou a desenhar para apoiar as empresas e os particulares que estão a ser (ou serão) penalizados pela paralisação económica que se deve à pandemia de covid-19.

De qualquer forma, os dois banqueiros deixam elogios ao Governo, recusam que haja atrasos, e dizem que os passos dados até aqui são positivos para tentar travar o arrefecimento económico que vem aí.

Montante máximo e custo das linhas de crédito são debilidades

Para já, o Governo promoveu linhas de crédito para as empresas. Em vigor está a de 60 milhões, para o turismo (operacionalizada pelo Turismo de Portugal), e a de 200 milhões, a Capitalizar Covid-19 (nas mãos dos bancos) – ambas já a funcionar –, aguardando-se as condições e as novidades sobre as linhas de crédito de 3 mil milhões de euros anunciadas na semana passada e que contarão com garantia do Estado.

Só no Novo Banco a procura pela linha de 200 milhões de euros - para disponibilizar em todo o sector bancário - aproximou-se dos 300 milhões. “Todos os bancos estarão nessa circunstâncias”, aventou Ramalho. Vai ser preciso, admite, levar pessoas que pediram acesso a esta linha para as de maior fôlego (destinadas à indústria, lazer, turismo e restauração).

António Ramalho revelou que o banco que dirige, quando puder disponibilizar as novas linhas de 3 mil milhões, tentará antecipar logo o dinheiro mal ela esteja aprovada a determinado cliente – segundo revelou, emprestará a dois ou três meses 50% do valor do empréstimo para que as empresas tenham logo a liquidez para as suas necessidades, recebendo o restante quando o dinheiro contratualizado for recebido pelo banco.

Há, no entanto, uma debilidade já identificada, segundo o banqueiro: cada empresa só poder aceder a um máximo de 1,5 milhões de euros.

Já Miguel Maya admite outro problema: o custo. Os spreads destes empréstimos serão entre 1% e 1,5%, acrescidos de uma taxa de mercado (Euribor). Com a comissão de garantia mútua e a comissão de gestão, o custo pode aproximar-se de uma taxa de juro de 3%. Questionado na SIC Notícias sobre este número, o número um do BCP assume que, neste momento em que o país vive, este é um custo alto. “É muito. Reconheço”. Contudo, recusa assumir que vai atribuir um spread de 1% a todas as empresas (em vez de valores superiores até 1,5%): vai ter de haver uma consideração sobre cada empresa.

O líder do BCP tem ainda outra preocupação, em linha com os empresários: há empresas que fizeram recentemente reestruturações por conta da crise e que não vão conseguir aceder a estes financiamentos dos bancos por estarem ainda marcados como ativos não produtivos – fazer esses negócios custaria muito capital aos bancos. “Há uma parte da economia, felizmente não substancial, que vai ter muita dificuldade de acesso ao crédito.”

Moratória espera por Governo

Outra ajuda é a moratória de crédito que permite às empresas adiarem o reembolso de prestações por alguns meses.

Segundo Miguel Maya, o BCP tem já medidas preparadas, mas “falta o diploma legal que permita que as reestruturações se enquadrem numa moratória”. Por isso, diz, é que ainda não avançou com moratória, já que estaria a assumir reestruturações de créditos que depois podiam não ser aceites à luz dessa legislação, o que os poderia colocar com crédito reestruturado e depois dificultar a relação desses clientes com a banca no futuro.

Houve bancos que já anunciaram essas moratórias (CGD, Santander, BPI e Crédito Agrícola), mas o Governo negoceia ainda com as autoridades europeias o enquadramento legal para o permitir. A Autoridade Bancária Europeia (EBA) deixou esta quarta-feira claro que as moratórias à luz de um enquadramento geral não implicam a entrada dos clientes em crédito em incumprimento. Aliás, António Ramalho frisou-o: “O que diz é que se a moratória tiver enquadramento comum ou determinado por regras legais, não vai criar problemas às empresas”.

Quedas de receitas chegam a 15% nos supermercados e 80% nos restaurantes

A crise está aí, mas os bancos estão mais bem preparados para conseguirem dar este apoio às empresas. António Ramalho explicou que a comparação entre créditos e depósitos é agora muito mais favorável do que em 2011, quando Portugal pediu ajuda externa. Vão poder dar mais crédito porque há um grande leque de depósitos para contrabalançar. Em 2011 era o contrário.

Neste momento, diz o presidente do Novo Banco, já se veem dificuldades, ainda que acredite que abril será o mês das maiores preocupações.

“Os volumes de receitas descem de forma absolutamente abissal em todas as áreas”, disse Ramalho na SIC Notícias. Segundo os números dos pontos de venda nas lojas (terminais de pagamentos automáticos), houve uma quebra de 15% nos supermercados e de 10% nas farmácias – aqueles que podem continuar a funcionar apesar do estado de emergência do país. Na cultura, as receitas afundaram 95% e na restauração (que tem no take away a única alternativa) baixaram 80%. Números que, como o próprio explicou, até são altos tendo em conta que muitos clientes deixaram de fazer compras com moedas e notas para passarem a fazer pelo cartão devido às medidas recomendadas pelos próprios bancos.

Para que seja possível que possam ajudar economias deprimidas a este nível é preciso que os Estados se possam financiar em conjunto na zona euro, defenderam Maya e Ramalho, adeptos das chamadas "coronabonds" – obrigações que a zona euro devia emitir em conjunto, assegurando custos de financiamento idênticos para todos os Estados e que permitissem a estes fazerem face às despesas com os efeitos da covid-19.

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