Coronavírus

Covid-19. Cheques às famílias, crédito às empresas: como os governos estão a tentar conter o contágio económico

Covid-19. Cheques às famílias, crédito às empresas: como os governos estão a tentar conter o contágio económico
TIAGO MIRANDA

Há uma chuva de dinheiro para conter os efeitos do novo coronavírus nas economias dos países afetados. As medidas passam por empréstimos com garantias estatais, adiamento do pagamento de impostos, congelamento das rendas no comércio ou apoios extraordinários a quem ficou sem rendimento

A covid-19 está a por a economia global doente, com cada vez mais países forçados a adotarem medidas drásticas para conter a disseminação do novo coronavírus. Fecho de fronteiras e de sectores de atividade, restrições na circulação, pessoas de quarentena em casa e sem hipótese de trabalho remoto e, com isso, a engrossarem os inativos.

O último balanço global aponta para 387 mil casos, 102 mil recuperados e quase 17 mil mortes. Cerca de 20% da população mundial está em quarentena.

Um pouco por todo o mundo, os governos estão a adotar medidas ‘históricas’ para evitar a derrocada económica. Não se sabe se é suficiente, nem se o dinheiro vai mesmo parar onde é necessário, mas multiplicam-se os anúncios de injeções de liquidez, moratórias para pagar impostos e outras faturas, e de apoios específicos aos negócios mais prejudicados, como o sector do turismo, aviação ou restauração, bem como aos trabalhadores cujo rendimento foi cortado.

Na Europa, a Comissão Europeia passou a permitir, de forma temporária, a possibilidade dos Estados-membros darem ajudas estatais, via apoios diretos ou em benefícios fiscais até 800 mil euros por empresa.

E o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, anunciou que os governos iriam injetar na economia 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro e garantir liquidez na tesouraria das empresas no valor de 10% do PIB. Entretanto, ontem, terça-feira, o Eurogrupo não excluiu avançar-se com ‘coronabonds’ como resposta à pandemia, mas centrou-se na possibilidade de ativar uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Numa teleconferência de imprensa, na sequência de mais uma reunião do Eurogrupo por videoconferência, Mário Centeno disse que houve um “amplo apoio” a esta hipótese do fundo de resgate permanente da zona euro, disponibilizar uma linha de crédito específica para todos os Estados-membros, o que iria possibilitar receberem fundos equivalentes a 2% do seu PIB para medidas de combate à convid-19.

E, numa decisão inédita, até as regras de disciplina orçamental da União Europeia serão suspensas para dar maior margem aos Estados-membros para gastarem o que for necessário no combate às consequências económicas do coronavírus e apoiar os sistemas de saúde nacionais.

Mas não é só no espaço comunitário que surgem estratégias para mitigar o impacto da covid-19 na economia.

Eis um apanhado, não exaustivo, do que os vários governos estão a levar a cabo, sem a certeza, porém, de que terão os resultados ambicionados.

FRANÇA

Foi o primeiro Estado-membro a usufruir das regras comunitárias mais flexíveis para auxílios estatais, que em situações normais estão debaixo do controlo de Bruxelas por poderem por em causa a concorrência europeia. O pacote de medidas de apoio à economia francesa foi o primeiro a ter ‘luz verde’ da Comissão Europeia.

Tratam-se de 300 mil milhões de euros para ajudar os sectores de atividade mais abalados por esta crise de saúde pública, em particular pequenas e médias empresas (PME). O banco de investimento público francês, Bpifrance, vai dar garantias estatais sobre empréstimos comerciais e linhas de crédito para empresas que empregam até 5 mil trabalhadores. E também está previsto outro regime com garantias estatais aos bancos para novos empréstimos.

PORTUGAL

Lisboa também já teve o ok de Bruxelas às ajudas estatais no valor de três mil milhões de euros, para PME dos sectores do turismo, restauração, indústria extrativa e transformadora e as atividades das agências de viagens, animação turística e organização de eventos.

Há um pacote de medidas fiscais e para as contribuições da Segurança Social que estabelece a prorrogação de alguns prazos para pagamento destas obrigações, bem como a possibilidade de o fazer em prestações. Segundo o ministro das Finanças, Mário Centeno, as medidas previstas da área fiscal resultam num aumento da liquidez na economia de cinco mil milhões de euros e as medidas da área contributiva de mil milhões de euros.

E há apoios extraordinários para os trabalhadores com filhos afetados com o fecho de creches, jardins de infância e escola, bem como a flexibilização do lay-off que permite às empresas mandar para casa um conjunto de trabalhadores, por tempo determinado, reduzindo muito o horário de trabalho ou suspendendo o contrato.

Do lado da banca também se trabalha para conter o afundo da economia nacional. A Associação Portuguesa de Bancos e o Banco de Portugal e o governo estão em negociações para definir a adoção de moratórias de crédito, ou seja, a suspensão do pagamento de prestações de empréstimos por algum tempo. O Banco Central Europeu já tomou, aliás, medidas nesse sentido, com a flexibilização ao nível da categorização de créditos malparados.

ESPANHA

O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez anunciou aquilo a que chamou “a maior mobilização de recursos na história da democracia”. O plano soma 200 mil milhões de euros, cerca de 20% do PIB de Espanha.

Deste valor, metade corresponde à linha de garantias de crédito oferecidas pelo Estado para assegurar que os empréstimos chegam às empresas com dificuldades de tesouraria. Há também fundos públicos para injetar diretamente na economia, através de apoios aos trabalhadores que vejam o seu trabalho suspenso, reforço dos serviços sociais e isenção temporária do pagamento de contribuições sociais.

Uma das medidas mais importantes é a moratória na amortização de empréstimos imobiliários ou no pagamento das contas de eletricidade, água ou telecomunicações para aqueles que estão com perda de rendimento por causa da crise.

ALEMANHA

Não houve modéstia no anúncio do seu pacote de medidas: “Isto é uma bazuca e nós vamos utilizá-la para fazer tudo o que for preciso”, disse o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, num recurso à expressão usualmente associada às intervenções do Banco Central Europeu para dar alento à economia.

Berlim vai colocar ao dispor das empresas afetadas pelos efeitos do novo coronavírus linhas de financiamento ilimitadas. O financiamento será providenciado pelo KfW, o banco de desenvolvimento público alemão, e não há “qualquer limite máximo definido para o valor a emprestar”. Estes empréstimos deverão atingir os 500 mil milhões de euros.

Bruxelas aprovou as ajudas estatais do governo alemão para empréstimos subsidiados até mil milhões de euros por companhia, dependendo das necessidades de liquidez.

Também será possível para as empresas pagarem mais tarde os impostos.

ITÁLIA

A Comissão Europeia também disse que sim a uma ajuda estatal de Itália à economia. É o país europeu mais afetado pela covid-19 e vai alocar 50 milhões de euros para apoiar o fabrico imediato de dispositivos médicos como ventiladores e equipamentos de proteção como máscaras.

Com a economia em contração, o governo italiano tem medidas no valor de 10 mil milhões de euros para apoiar os negócios. Em declarações à Radio Capital o ministro italiano da indústria, Stefano Patuanelli, disse que o plano será executado em duas fases: há medidas que serão postas em marcha de forma imediata e, um segundo pacote de estímulos, será deixado para uma fase posterior deste ano.

DINAMARCA

A Comissão Europeia aprovou auxílios estatais para a Dinamarca apoiar as PME com mil milhões de coroas dinamarquesas (cerca de 130 milhões de euros), através de garantias para empréstimos.

REINO UNIDO

O governo anunciou aos britânicos a disponibilização de “todos os meios para poderem enfrentar esta crise”, em que a ‘estrela’ é a criação de uma linha de crédito com garantias do Estado no valor de 330 mil milhões de libras (cerca de 357 mil milhões de euros ao câmbio atual), o que se traduz em 15% do PIB do Reino Unido. E mais 20 mil milhões de libras (cerca de 22 mil milhões de euros) em apoios diretos aos trabalhadores e às empresas.

EUA

O Senado norte-americano aprovou um plano histórico de dois biliões de dólares (à volta de 1,85 biliões de euros) de apoio à primeira economia mundial, asfixiada pela pandemia da covid-19. Este valor corresponde a cerca de 10% do PIB dos EUA se será usado para reforçar o sistema de saúde, dar financiamento das empresas em dificuldades e acautelar que as famílias têm dinheiro para evitar uma quebra abrupta no consumo.

Apoiado pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e após difíceis negociações entre os senadores e a Casa Branca, o texto foi adotado com o apoio de democratas e republicanos.

As duas maiores fatias vão para os dois cheques aos norte-americanos prometidos por Trump e para uma linha de crédito às grandes empresas que dominam o tecido económico. São 500 mil milhões de dólares (463 mil milhões de euros) para cada iniciativa

No âmbito do pacote, Trump prometeu dar aos norte-americanos 1200 dólares (€1100 euros) em dois cheques a 6 de abril e 18 de maio. Alguns chamam a esta iniciativa uma espécie de "dinheiro deitado de helicóptero" para o bolso dos contribuintes.

VENEZUELA

O presidente Nicolás Maduro anunciou que vai proibir os patrões de despedir os empregados e suspender o pagamento das rendas dos estabelecimentos comerciais e das habitações principais, pelos próximos seis meses.

Há também um plano para pagamento dos salários acordado entre o governo e as empresas privadas, até agosto, e serão dados subsídios especiais a mais de seis milhões de trabalhadores. Além da suspensão, por seis meses, do pagamento de capital e juros de todos os créditos no país e a flexibilização do acesso a empréstimos para pequenos e médios agricultores.

Nicolás Maduro deu ordem para o início de uma campanha a exigir que os EUA levantem as sanções contra Caracas, durante a situação de crise provocada pelo novo coronavírus.

BRASIL

No Brasil, o Congresso aprovou o “estado de calamidade pública”, o que permitirá maior liberdade na gestão do orçamento para enfrentar a pandemia. E o Ministério da Economia anunciou uma injeção de 147,3 mil milhões de dólares na economia (cerca de 136 mil milhões de euros).

O governo de Jair Bolsonaro também vai dar um vale de 200 reais (36 euros) para trabalhadores informais durante três meses.

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