Coronavírus

Covid-19. Os homens que previram a pandemia

HOLANDA. Regressada de Itália, esta mulher foi diagnosticada com Covid-19. Na sua casa, em Haia, a cumprir a quarentena, acede em posar para a fotografia
HOLANDA. Regressada de Itália, esta mulher foi diagnosticada com Covid-19. Na sua casa, em Haia, a cumprir a quarentena, acede em posar para a fotografia
Robin Utrecht / Getty Images

Ao longo dos anos, e em especial depois de crises como a do ébola, houve gente a avisar insistentemente, em livros, em conferências e até em filmes

Luís M. Faria

Jornalista

Se há coisa que se pode dizer sobre a epidemia da Covid-19, é que era previsível. Tão previsível que foi antecipada por numerosos especialistas e por um filme de 2011, "Contágio", dirigido por Steven Soderbergh. Esse filme conta a história de uma epidemia que começa com um vírus presente em porcos vendidos num mercado chinês e consumidos por pessoas que depois o transmitem a outras que o espalham pelo país e pelo mundo.

Tal como parece acontecer no caso do novo coronavírus, a origem primeira do vírus parece situar-se em morcegos (um porco fica infetado depois de comer um bocado de banana que um morcego deixou cair). Quanto aos efeitos do vírus, refletem muito do que se tem visto ao longo das últimas semanas: o número de infetados e mortos a subir diariamente, o esforço imediato de reconstituir os contactos que uma pessoa infectada teve, as recomendações de distanciamento social e de lavar as mãos, as quarentenas forçadas - com o auxílio das forças da ordem, se necessário - a preocupação com os sítios onde se põem as mãos (por exemplo, nos varões dos autocarros), os dilemas entre saúde pública e proteção da economia, a falta de equipamentos essenciais que deixa assoberbados os hospitais, os riscos corridos pelos profissionais de saúde. E também, claro, o egoísmo e irresponsabilidade de algumas pessoas, os rumores da internet, e os vigaristas que se tentam aproveitar da situação.

À parte algumas diferenças essenciais, nomeadamente a elevada taxa de mortalidade do vírus no filme e o facto de os seus efeitos se produzirem bastante depressa, a história retratada é muito semelhante à crise de saúde atualmente em curso. E não admira, pois o filme baseou-se em muita informação científica sólida que já existia sobre o assunto. Um dos seus consultores foi Larry Brilliant, um epidemiologista que teve um papel chave na erradicação da varíola e no combate à poliomielite, entre outras doenças. Há muito que vem avisando contra a possibilidade muito real de uma nova epidemia, e em 2006, numa conferência intitulada "O Meu Desejo: Ajudem-me a Parar as Pandemias", desenhou um cenário apocalíptico onde, para além das mortes diretamente causadas pelo vírus, referia o prejuízo colossal para a economia e os milhões de mortos que também resultariam disso.

Brilliant está longe de ter sido o único a avisar. Qualquer rápida busca na internet localiza nomes, com graus de proeminência pública variável, que fizeram alertas idênticos: Robert Webster, Michael Osterholm (autor de "Deadliest Enemy: Our War Against Killer Germs"), Laurie Garrett (autora de "The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance"), Anthony Fehr...

Em 2015, Bill Gates dedicou uma conferência TED ao assunto, avisando que os EUA não estavam de todo preparados para enfrentar uma pandemia e regressou várias vezes ao assunto em anos posteriores. Agora apareceu a dizer que o país desperdiçou a sua oportunidade de deter a epidemia sem obrigar as pessoas a ficar em casa - teriam de ter sido tomadas medidas logo em janeiro, justifica - e acha que essa situação vai ter que durar entre seis e dez semanas.

"É muito duro dizer às pessoas, 'Hey continuem a ir a restaurantes, ignorem aquela pilha de cadáveres no canto, queremos que continuem a gastar porque há um político que pensa que o que conta é o crescimento do PIB. É difícil dizer às pessoas que continuem a fazer coisas sabendo que a sua atividade está a espalhar a doença", avisa Gates.

Tal como Gates, outras pessoas que durante anos alertaram para a certeza de uma pandemia no futuro não se mostram muito otimistas neste momento. Dennis Carroll, diretor da Unidade de Ameaças emergentes na Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional, nota não existirem garantias nenhumas de que o vírus desapareça no verão. E num recente documentário intitulado "Pandemic: How to Prevent an Outbreak", surgia em frente a um cemitério onde se encontram vítimas da grande epidemia de 1918, que fez 60 milhões de mortos.

"Este cemitério é uma lembrança da devastação que uma epidemia pode gerar", explicava. "Este tipo de carnificina não está relegado para a história. Quando falamos de outra pandemia de gripe, não é uma questão de se, mas de quando".

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