Semanas após ser criticada por ter tentado camuflar o surto do novo coronavírus, a China é citada como exemplo de ação eficaz para conter o seu avanço. O número de novos casos relatados por dia caiu drasticamente no país onde a crise teve início, em Wuhan, enquanto vai subindo noutras paragens de todo o globo. O êxito das medidas chinesas mereceu elogios da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também louvou a Coreia do Sul, o Japão ou Singapura.
Pequim adotou, algum tempo após o surto, medidas draconianas como colocar de quarentena os 60 milhões de habitantes da província de Hubei, onde fica Wuhan, com encerramento compulsivo, ou impor restrições às viagens de centenas de milhões de pessoas. A dureza das medidas verificou-se também na procura e isolamento de infetados, como explicava o repórter do diário “The New York Times” Donald G. McNeil Jr. num recente podcast desse jornal.
Em clínicas montadas no exterior de hospitais, médicos com roupa protetora de corpo inteiro mediam a temperatura a qualquer pessoa com sintomas compatíveis com Covid-19, além de lhe medirem o nível de glóbulos brancos e realizarem inclusive tomografias axiais computorizadas (TAC), além de análises laboratoriais em massa, para despistar quer a gripe sazonal quer a pneumonia bacteriana. Havia controlos de febre em estações ferroviárias, paragens de autocarro e até à porta de prédios.
Qualquer pessoa suspeita de estar contaminada pelo coronavírus ficava imediatamente impedida de voltar para casa ou ir para o emprego. A quarentena realizava-se em zonas de isolamento criadas em ginásios, estádios e outros espaços amplos, separando homens de mulheres e mesmo crianças dos seus pais. Isto porque, explicou McNeil, “75% a 80% dos contágios na China eram intrafamiliares”. Tal terá contribuído para agravar o caso em Wuhan - que o regime se esforçou por ocultar.
Também Macau, Hong Kong e Singapura foram elogiados pela OMS, tendo hoje muito menos casos do que os países europeus onde a crise está a atingir picos. Como na China, houve rapidez na criação de sistemas de busca e diagnóstico de casos. Estes continuam a surgir, mas a um ritmo muito diferente das explosões que se viram em Itália, Espanha ou no Irão.
Na Coreia do Sul, o surto começou na zona meridional do país, sobretudo entre membros de uma igreja, antes de se tornar nacional. O Governo chegou a rastrear mais de 2000 membros da igreja e a pôr de quarentena todos os que tivessem contactado com essas pessoas, separando famílias como na China.
“Há uma clara indicação de que uma abordagem sistemática encabeçada pelo Governo, usando todas as táticas e elementos disponíveis, parece capaz de dar a volta a esta doença”, afirmou o epidemiologista Mark Ryan, chefe de emergências da OMS, citado pela rádio americana NPR.
“A esperança não é uma estratégia”, alertou este perito, que participou no esforço contra crises de saúde mundiais como a pneumonia atípica (SARS), a gripe das aves ou o vírus de Ébola. Tem exortado os países a adiantarem-se à evolução da pandemia para evitar o destino da Itália ou do Irão, que tardaram a travar a acumulação de pessoas e não realizaram testes sistemáticos. Itália pediu recentemente à OMS apoio para aplicar medidas como as da China.
Claro está que o regime político autoritário chinês (ou singapurense) facilita a imposição de medidas severas. Nações onde vigoram a democracia e o Estado de Direito terão mais dificuldade ou demorarão mais tempo a aplicá-las. Escrúpulos económicos, sociais e relativos às liberdades individuais e direitos humanos, bem como a transparência, não atrapalham um regime como o do Império do Meio.
Ainda assim, os países europeus estão a adotar precauções e limitações de movimentos jamais vistas em tempo de paz, como fecho de escolas e universidades, que Portugal aplicará a partir de segunda-feira e que já vigora ou está anunciada em vários países: Albânia, Dinamarca, Eslovénia, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Macedónia do Norte, Moldávia, Noruega, Polónia e República Checa e em partes da Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Espanha, França, Suíça ou Ucrânia.
Quase todos estes países proibiram concentrações multitudinárias e vários encerraram locais de lazer, cultura, restauração, religião ou comércio. O caso mais dramático é o de Itália, onde todos os estabelecimentos que não de alimentos e fármacos, banca e jornais estão compulsivamente fechados. As ligas desportivas estão suspensas em muitos deles, noutros mantêm-se mas sem público. Há ainda limitações a visitas a hospitais, lares de terceira idade, fecho de espaço aéreo ou fronteiras. E em todos os países há apelos a que os cidadãos evitem contactos sociais, pratiquem o autoisolamento possível e trabalhem de casa, se puderem.