Ciência

Formigas-rainhas ibéricas produzem outras rainhas por clonagem, sem recorrer a machos, e têm bebés de duas espécies diferentes

Fotografia de machos de M. ibericus e M. structor que viveram na mesma colónia
Fotografia de machos de M. ibericus e M. structor que viveram na mesma colónia
Nature

Um estudo publicado na revista Nature revela que as fêmeas de Messor ibericus podem gerar descendentes de duas espécies diferentes, usando estratégias de clonagem e cruzamento inesperadas

Mariana Rebocho

Jornalista

Um estudo publicado na revista Nature no início deste mês revela que as fêmeas de formigas ibéricas são capazes de gerar indivíduos de duas espécies distintas. A formiga ibérica apresenta um sistema de reprodução incomum: as fêmeas conseguem gerar descendentes de duas linhagens geneticamente diferentes, com também explica o jornal “The New York Times”.

As rainhas produzem outras rainhas por clonagem, sem recorrer a machos. Para produzir as operárias, usam esperma de machos de outra linhagem. Contudo, não misturam os genes: as operárias nascem com o material genético completo da mãe e do pai, cada um de uma “espécie” diferente. Os machos, por sua vez, são clonados pelas mães — herdam apenas o material genético materno.

Deste modo, as formigas operárias têm pais de duas linhagens distintas, que evoluíram separadamente por mais de cinco milhões de anos. Isso significa que irmãos da mesma mãe (machos e operárias) podem ter aparências e genomas completamente diferentes, como se fossem espécies separadas.

Como a descoberta foi feita

Para chegar a estas conclusões, a equipa testou o ADN das colónias na natureza e depois em laboratório. Assim, encontraram vários indivíduos de M. structor a viver entre formigas M. ibericus e híbridos.

Além disso, descobriram que todos os machos dentro do grupo — tanto M. ibericus como M. structor — possuíam ADN mitocondrial de M. ibericus, como se o ADN fosse sempre herdado maternalmente. Isto significava que as formigas de ambas as espécies tinham rainhas-mãe M. ibericus.

Para maior precisão, a equipa isolou a rainha e testou os ovos que tinha depositado. Concluíram que 10% pertenciam à espécie Messor structor. Com o tempo, observaram o crescimento da cria e perceberam que a rainha não procurava machos de outra espécie, mas sim os produzia.

Hibridação e parasitismo espermático

A hibridação em si não é incomum. Várias rainhas acasalam com machos de outras espécies para produzir operárias híbridas, numa estratégia chamada “parasitismo espermático”. Embora os descendentes sejam tipicamente estéreis, isso não representa um problema, já que a função reprodutiva não lhes cabe. Estes trabalhadores híbridos podem ser mais fortes e saudáveis do que os de raça pura.

Xenoparidade: uma estratégia inédita

Segundo os autores do estudo, intitulado One mother for two species via obligate cross-species cloning in ants, o processo é relativamente simples: as formigas Messor ibericus usam os machos de Messor structor para criar operárias que sustentam a colónia, preservando ao mesmo tempo o seu ADN para produzir descendentes distintos.

Neste sentido, a mãe usa o macho para gerar futuros trabalhadores híbridos. Esta estratégia nunca tinha sido observada em nenhuma outra criatura, e os investigadores baptizaram-na de “xenoparity”.

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