Prémio Nobel de 2022 distingue três pioneiros da química do clique

Entres os três cientistas laureados, há um repetente em prémios Nobel. Edição de 2022 distingue processos químicos que facilitam a interligação entre moléculas
Entres os três cientistas laureados, há um repetente em prémios Nobel. Edição de 2022 distingue processos químicos que facilitam a interligação entre moléculas
O prémio Nobel da Química 2022 foi atribuído esta quarta-feira a três cientistas que deram contributos a uma área da ciência que se dedica à desenvolver formas de interagir com diferentes moléculas. Morten Meldal, investigador da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca; Carolyn Bertozzi, da Universidade de Stanford, nos EUA; e Barry Sharpless, também da Universidade de Stanford são os três laureados com o famoso prémio da Real Academia das Ciências Sueca que, na edição de 2022, pretende distinguir os trabalhos levados a cabos em torno da denominada química do clique.
Entre os três cientistas, há um repetente: Barry Sharpless não só é indicado pela Real Academia das Ciências Sueca como o pioneiro da Química do Clique, como ainda se distingue por já ter ganho um prémio Nobel de 2001, com um trabalho levado a cabo com a oxidação de catalisadores.
De resto, o cientista americano distingue-se ainda por dar nome à “reação de Sharpless”, que foi usada por Carolyn Bertozzi, para desenvolver estudo laboratorial em torno dos açúcares que se encontram à superfície das células, abrindo caminho à denominada química bio-ortogonal que a Real Academia das Ciências Sueca refere como um dos feitos que também contribuíram para a decisão final sobre a atribuição do Nobel da Química de 2022.
Os três vão dividir em partes iguais um prémio de 10 milhões de coroas suecas (mais de 922 mil euros).
“São os os nomes mais esperados para receber este Nobel. E eram também os mais falados entre quem se dedica a fazer apostas sobre o tema”, recorda Ana Petronilho, investigadora principal do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB Nova). “Os trabalhos destes três cientistas produziram um grande impacto; e o número de aplicações é enorme”, acrescenta a cientistas do ITQB Nova.
A química do clique abriu caminho ao desenvolvimento de novos meios de diagnóstico e desenvolvimento de novos fármacos - e entre os especialistas há quem recorde que foi especialmente útil para acelerar a produção de resultados laboratoriais em diferentes áreas.
“Houve sempre o objetivo de democratizar esta metodologia. É algo que permite, por exemplo, um médico, ou um biólogo, ou qualquer outra pessoas que não é da área da química, desenvolver reações apenas com algum conhecimento de base. Para os químicos, o importante pode ser a química do clique, mas para outro tipo de investigadores o mais importante serão os resultados obtidos com as diferentes experiências”, explica Nuno Maulide, investigador português que leciona do Instituto Superior Técnico e na Universidade de Viena, na Áustria
A química do clique teve ainda o condão de ser aproveitada para desenvolver um segundo método que dá pelo nome de química bio-ortogonal que pode revelar-se especialmente útil para o conhecimento do funcionamento das células. Foi esta segunda via de investigação que viria a ser desenvolvida por Carolyn Bertozzi.
“O trabalho de Bertozzi revolucionou os métodos de diagnóstico (de doenças)”, explica Amélia Rauter, professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A investigadora da Universidade de Stanford tem vindo a estudar os açúcares que determinam ou pelo menos espelham as interações entre diferentes células humanas, e também entre essa células e vírus e bactérias.
“Os açucares que se encontram à superfície das células alteram-se com doenças como o cancro e também podem ajudar a conhecer as relações estabelecidas com bactérias e vírus”, acrescenta Amélia Rauter.
A abordagem bio-ortogonal abriu conhecimento para a manipulação do funcionamento interno das células, através de reações específicas geradas pelos cientistas. Ao tirar partido das inovações iniciadas por Meldal e Sharpless, Carolyn Bertozzi garantiu uma forma de “gerar reações dentro das células, sem afetar nada do que está à volta (do elemento que sofre a reação). É algo que permite alterar a célula de várias formas, através de reações com proteínas, lípidos, ácido nucleico, entre outras hipóteses. E desta forma consegue-se direcionar alterações específicas que só afetam as funções pretendidas dentro da célula”, explica Ana Petronilho.
A Real Academia de Ciências da Suécia enaltece igualmente o contributo da investigadora americana para o conhecimento da forma de funcionamento das células: “Carolyn Bertozzi levou a química do clique para um novo nível. Ao mapear as importantes, mas enganadoras biomoléculas na superfície das células - os glicanos - desenvolveu reações de clique que produzem efeito dentro desses organismos vivos”.
Lido num comunicado parece bem simples que aquilo que se passa nos laboratórios na hora de estudar as células: “Há tantas coisas a acontecer dentro das células, que conseguir desencadear uma reação seletiva é, realmente, um desafio de enorme complexidade”, sublinha Nuno Maulide.
No que toca ao pioneirismo da Química do Clique, tudo tem início numa reação engendrada, originalmente, por Barry Sharpless no ano 2000 que também batizou o termo de Química do Clique. Pouco depois, na Dinamarca, Morten Meldal juntou-se a esta via de investigação e viria a desenvolver um processo conhecido por cicloadição de alcino-azida catalisada por cobre, que mais uma vez, também contou com o contributo de Sharpless, ainda que os dois tenham trabalhado em laboratórios de forma independente.
“Entre muitos usos, é algo que é usado no desenvolvimento de fármacos, mapeamento de ADN, ou no desenvolvimento de materiais mais adequados aos diferentes usos”, informa a Real Academia das Ciências Sueca.
Nuno Maulide dá um exemplo para ilustrar o potencial da Química do Clique: Imagine-se que a indústria farmaceutica pretendia juntar uma molécula de fármaco a uma molécula fluorescente que permite ver o percurso feito dentro do corpo humano. A junção dessas moléculas pode ser especialmente complexa e onerosa porque pode produzir mais que um produto e exige, posteriormente, a extração dos desperdícios ou produtos indesejados. Com a Química do Clique, os cientistas apenas têm de colocar grupos funcionais de alcino na molécula de fármaco e de azida na molécula de fluorescente (ou vice-versa) para garantir a junção das duas moléculas.
“É como se tivéssemos um cinto de segurança que permite juntar duas moléculas”, acrescenta o cientista radicado em Viena, retomando uma metáfora também usada pela academia sueca.
Ao contrário do que poderá pensar um leigo, a mistura de duas moléculas raramente gera um só produto - e essa é a razão pela qual é especialmente valorizada a capacidade seletiva da Química do Clique. “É possível obter uma configuração de uma molécula com um catalisador de cobre, e obter outra totalmente diferente se usarmos um catalisador de outro material, mas a Química do Clique produz sempre no final um único produto”, acrescenta Ana Petronilho.
Amélia Rauter recorda que a química do clique permite formar “triazóis que já são usados para criar moléculas biologicamente ativas, que podem ser usadas em produtos antifúngicos, antivirais, anticancerígenos, e antibacterianos”.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes