“Estamos perante o maior desafio para a saúde das populações nas próximas décadas”, sublinha ao Expresso Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), lembrando que os fenómenos extremos ligados às alterações climáticas estão a intensificar-se e que aumentam os riscos de doenças e de mortes. “Uma em cada quatro mortes em todo o mundo estão associadas a fatores ambientais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)”, indica o Relatório Saúde e Ambiente 2024, produzido pelo Observatório Português da Saúde e Ambiente, que vai ser apresentado esta quinta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian.
A poluição, as alterações climáticas e a perda de biodiversidade são apontadas como os principais culpados de uma crise que o médico especialista em medicina interna considera, acima de tudo, “uma emergência de saúde pública a que o sector tem de dar resposta”. E lembra que, de acordo com dados de 2021, 8% das mortes no país estão ligadas a fatores ambientais.
Muitas infecções respiratórias, doenças cardiovasculares, diarreicas, pulmonares, cancerígenas ou até doenças mentais estão relacionadas com a qualidade do ar, da água e dos alimentos que nos rodeiam e ingerimos, assim como da temperatura, num país onde se morre de calor e de frio. A explicar esta realidade está também a pobreza energética que afeta um quinto da população, limitando a climatização térmica nas casas e contribuindo para a mortalidade associada a extremos de temperatura.
As doenças relacionadas com o calor aumentaram mais de 50% entre idosos. No verão de 2024, duas ondas de calor severas adicionaram 20 dias de calor perigoso, afetando sobretudo idosos e crianças. Entre 2011 e 2023, os incêndios atingiram 33% do território, com plumas de fumo a afetarem áreas ainda maiores, como ocorreu em setembro de 2024 na região Centro e Norte.
Monitorização insuficiente
“A monitorização do efeito dos problemas ambientais da saúde em Portugal ainda é escassa e dispersa. É crucial ter portais de dados abertos e transparentes para desenhar políticas eficazes”, alerta Luís Campos.
A poluição do ar afeta uma em cada nove pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Em Portugal, a poluição originada pela atividade industrial (nomeadamente as emissões de dióxido de enxofre) diminuiu, sobretudo nas áreas de Lisboa e Vale do Tejo. Contudo, os níveis de óxidos de azoto aumentaram devido ao aumento do tráfego rodoviário.
“Os sinais de alarme são claros. Precisamos de agir com urgência para mitigar os efeitos das alterações climáticas na saúde e para adaptar os sistemas de saúde a esta nova realidade”, afirma Luís Campos. E reitera: “Se não tomarmos medidas agora, estamos a comprometer o presente e o futuro das próximas gerações”.
O relatório (que contou com a colaboração de dezenas de instituições académicas e de investigação nacionais) também refere a expansão de espécies de vetores transmissores de doenças, como mosquitos e carraças, que elevam o risco de surtos de doenças como a dengue e a febre hemorrágica. As alterações climáticas e a destruição de ecossistema aceleram a possibilidade destes surtos. Situações de seca meteorológica, como a que afetou 82% do território no final do verão de 2024, ou a degradação de habitats, agravada pela urbanização e a intensificação agrícola, tendem a fazer piorar a situação, enquanto a poluição química ameaça recursos hídricos e ecossistemas costeiros.
Riscos emergentes e oportunidades
Os plásticos também representam uma ameaça crescente. Segundo o relatório, um estudo revela que 58% dos pacientes com arterosclerose têm nanoplásticos nas placas de ateroma, o que “aumenta em 2,5 vezes o risco de AVC ou morte súbita”, indica Luís Campos.
Noutra perspetiva, a utilização crescente de plásticos no setor da saúde, incluindo nos blocos operatórios, sublinha a necessidade de ações urgentes de reciclagem e regulação. “Ainda não existe legislação robusta que limite a utilização de plásticos em dispositivos médicos ou que promova uma gestão sustentável dos resíduos hospitalares”, critica Luís Campos. Para enfrentar esta crise, o relatório apela a uma mudança cultural no setor da saúde, integrando critérios de sustentabilidade em todas as decisões e promovendo a economia circular.
O setor da saúde contribui com 4,8% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em Portugal, segundo o relatório. Os hospitais desperdiçam até 50% dos alimentos e geram mais de 200.000 kg/ano de plástico nos blocos operatórios. A pegada carbónica dos inaladores usados em doenças respiratórias é estimada em 30.236 toneladas de CO₂ equivalente, e as políticas de gestão de resíduos hospitalares ainda são ineficazes. Apesar de iniciativas como o programa Second Chance, a reciclagem de materiais estéreis enfrenta barreiras legais. “Se fosse um país, o setor da saúde mundial seria o quarto maior emissor global”, afirma Luís Campos, defendendo uma estratégia nacional para reduzir a pegada ecológica do setor.
Segundo o relatório, apenas 25% das escolas médicas ensinam o impacto das alterações climáticas na saúde, e muitos profissionais desconhecem a pegada ecológica do setor. O relatório elogia a investigação ativa em instituições como o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e o Instituto de Saúde Ambiental, mas reforça a necessidade de maior apoio e financiamento. Embora algumas universidades abordem estas questões, Luís Campos considera que “a abordagem é ainda limitada” e defende planos integrados nos sistemas de saúde para lidar com fenómenos climáticos extremos e pandemias emergentes.