Na segunda-feira à noite, o ministério da Saúde congratulou-se por ter alcançado um acordo com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), firmando um aumento salarial médio de 10% até 2027. Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos médicos (FNAM) chama-lhe "traição". "Aquilo a que assistimos ontem é uma traição por parte do Ministério da Saúde, de Ana Paula Martins, a toda a classe médica, uma falta de respeito, porque é um acordo que não vai permitir trazer mais profissionais ao Serviço Nacional de Saúde. Se conseguíssemos repor hoje, a 31 de dezembro de 2024, a perda do nosso poder de compra, teríamos que ter uma atualização de 20% nas nossas grelhas salariais. E a verdade é que o Ministério só garante metade, 10%, ainda por cima faseados", critica.
O entendimento alcançado prevê que o aumento de vencimento ocorra ao longo de três anos e também incide ao nível da progressão na carreira. “Na carreira médica, como em outras carreiras na saúde, progride-se pelo mérito e, de facto, vamos já em 2025, e durante os próximos três anos, abrir 350 vagas por concurso para assistente graduado sénior”, o topo da carreira, anunciou a ministra. Esta medida é “muito importante” face ao desequilíbrio entre a base e o topo da carreira, porque os médicos "mais seniores são fundamentais" para que, nas próximas décadas, se garanta capacidade de formação no SNS.
A leitura da presidente da FNAM é outra. "No fundo, acabam por impedir que a maior parte dos médicos chegue à última categoria, de assistente graduado sénior. Porque se abrem 350 vagas em 3 anos, e temos neste momento mais ou menos 7 mil médicos graduados que até poderiam já concorrer para sénior, isto por ano só permite, no máximo, que 1% dos graduados cheguem lá".
Joana Bordalo e Sá encontra mais lacunas no acordo aceite pelo SIM. "A melhoria das condições de trabalho também não estão contempladas. Continuamos a ver uma recusa na reposição da jornada de trabalho de 35 horas, os médicos vão continuar a trabalhar as 40 horas normais, mais todo o trabalho extraordinário, as centenas e centenas de horas extra, e os médicos internos, um terço da nossa força de trabalho, estão completamente fora. Não há reintegração dos médicos internos na carreira. Aliás, o que preveem é que sejam pagas horas extraordinárias a um preço melhorado, mas os médicos não conseguem trabalhar mais, os médicos muito jovens querem ter jornadas de trabalho que lhes permitam ter uma vida. Isto é inaceitável".
"Grave violação da Lei"
Para trás, alerta a FNAM, ficaram os médicos que têm contratos anteriores a 2013, a reposição dos dias de férias perdidos na altura da troika, medidas que melhorem a parentalidade e a atribuição do estatuto da profissão de risco e desgaste rápido, com a possibilidade de reforma antecipada. "Porque o que acontece, quando os médicos se reformam, com o facto de fazerem o trabalho extraordinário, trabalharam 5, 6, 10 anos a mais do que o resto das pessoas. Além de que a nossa esperança média de vida é inferior à da população geral", explica a sindicalista. "Vamos continuar a lutar para que as coisas possam ser de outra forma, a começar pelo regresso às negociações, que o ministério tem recusado sistematicamente".
A Federação acionou os "mecanismos legais disponíveis"para garantir o cumprimento da negociação coletiva, alegando que a recusa da ministra em negociar constitui "uma grave violação da Lei". Para tal foram enviados ofícios à Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, bem como cartas ao primeiro-ministro e ao Presidente da República.
"Por outro lado, não pomos de parte novas medidas de luta", avança ao Expresso Joana Bordalo e Sá. "Aliás, temos uma greve ao trabalho extraordinário nos cuidados de saúde primários, que acabaria hoje mas que renovámos e volta a entrar em vigor a partir da manhã até 31 de março. E poderemos eventualmente de ser forçados e empurrados para novas medidas de luta em 2025".
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