Há boas notícias sobre a saúde mental dos estudantes portugueses. Segundo um estudo do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, que monitoriza os indicadores de saúde mental e bem-estar nas escolas, os sintomas de mal-estar psicológico, que anteriormente afetavam cerca de um terço dos alunos do 5.º ao 12.º ano, reduziram-se este ano para 25%.
Apesar destas melhorias face a estudos anteriores, persistem alguns aspetos negativos: mantém-se o padrão de agravamento dos problemas de saúde mental com a idade, sendo os alunos mais velhos os que apresentam menor “satisfação com a vida” e menor “qualidade de vida”. Além disso, persistem disparidades significativas entre estudantes do sexo feminino e do sexo masculino: as raparigas registam mais sintomas como irritabilidade, nervosismo, stress, dificuldade em adormecer, tristeza e outros sinais de ansiedade e depressão.
“Os resultados indicam uma melhoria geral na saúde mental dos alunos. No entanto, os mais velhos continuam a apresentar um quadro mais desfavorável em comparação com os mais novos, reportando menor sensação de pertença à escola, reduzida confiança e menor curiosidade. As diferenças entre rapazes e raparigas continuam a assustar-me: as raparigas apresentam maior vulnerabilidade psicológica e mais sinais de mal-estar do que os rapazes”, sublinha Margarida Gaspar de Matos, coordenadora do observatório, criado pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, através da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
O estudo nacional (“Saúde Psicológica e Bem-Estar no Ecossistema Escolar”, o segundo realizado pelo observatório) baseia-se num inquérito realizado entre janeiro e junho de 2024 que envolveu 6112 alunos, desde a educação pré-escolar ao ensino secundário. Além disso, participaram mais de 900 adultos do ecossistema escolar, entre os quais professores, psicólogos, assistentes técnicos e operacionais, bem como encarregados de educação.
Para os alunos mais novos (pré-escolar, 1.º e 2.º anos), os questionários foram respondidos pelos educadores e professores. Segundo o estudo, “os rapazes revelam mais problemas de comportamento e hiperatividade, enquanto as meninas se destacam nos comportamentos pró-sociais”. Em termos concretos, dois terços dos alunos apresentam indicadores positivos, como sensibilidade aos sentimentos dos outros (73%), enquanto 25% exibem comportamentos impulsivos ou hiperatividade. A maioria dos alunos do 3.º e 4.º anos (80%) afirma não enfrentar dificuldades significativas.
Alunos mais velhos com mais problemas
À medida que a idade aumenta, os estudantes enfrentam mais dificuldades. A “satisfação com a vida” diminui - os rapazes apresentam, ainda assim, níveis mais elevados do que as raparigas. Mais de um quarto dos alunos do 5.º ao 12.º ano relata sentir irritação ou mau humor (30%), nervosismo (32%) e dificuldade em adormecer (27%). Além disso, mais de um quinto refere sentir tristeza (21%). Mais uma vez, as raparigas sobressaem negativamente, apresentando valores mais elevados nos indicadores de stress, depressão e ansiedade.
Margarida Gaspar de Matos destaca, contudo, um dado positivo: “Ao contrário do nosso estudo anterior [2022], parece haver uma recuperação do bem-estar dos alunos no 12.º ano. Isso é encorajador, pois indica que, quando ingressarem no ensino superior, serão capazes de gerir eventuais problemas que surjam. O 12.º ano parece marcar um ponto de viragem, talvez pela proximidade do fim da escola, com menos aulas e mais oportunidades de socialização.”
Menos bullying
O estudo também analisou o “bullying”, apontando para uma diminuição gradual. “Portugal já foi líder europeu em bullying, mas agora regista melhorias significativas”, afirma Margarida Gaspar de Matos. “Os dados mostram que este fenómeno atinge um pico no 8.º ano, mas depois tende a melhorar. A partir daí, alguns aprendem a gerir melhor, outros tornam-se mais agressivos e violentos, e outros ainda, sobretudo as meninas, internalizam os problemas, muitas vezes desenvolvendo sintomas depressivos.” Ainda assim, quase 40% dos alunos relataram já ter sido ridicularizados e 25% ameaçados pelo menos algumas vezes por ano. Cerca de 30% afirmaram não se sentir seguros na escola.
Quanto ao tempo de ecrã, a esmagadora maioria dos alunos (97%) dedica pelo menos uma hora diária a dispositivos eletrónicos, sendo que mais de metade (53%) dedicam quatro ou mais horas. Os alunos mais velhos são os que permanecem mais tempo em frente aos ecrãs, mas mesmo os mais novos (5.º ano) acumulam, em média, três horas por dia.
Embora os alunos mostrem progressos em relação a 2022, o mesmo não se verifica com os professores. Quase 70% dos docentes referem agitação e dificuldade em relaxar; também dizem “reagir em demasia a determinadas situações” e sentir-se “demasiado suscetível ou irritável”. Cerca de metade reporta nervosismo, tristeza, mau humor, dificuldades em adormecer, dificuldade em se acalmar e sinais de depressão. Os alunos parecem ter recuperado, mas os professores não”, avisa Margarida Gaspar de Matos. Ainda assim, ressalva que a baixa adesão dos docentes ao estudo impede conclusões científicas robustas.
Aumentar a participação dos estudantes
Para a investigadora, é essencial implementar estratégias de autocuidado para os professores e apostar na formação que promova o desenvolvimento de competências socioemocionais, através de workshops, por exemplo. “É importante que a formação esteja orientada para a resolução de problemas. Os professores dizem-nos, no terreno, que já sabem tudo, mas não conseguem aplicar o que aprendem, porque não é fácil, não têm tempo, entre outros motivos.” Uma das principais recomendações do estudo é precisamente integrar, na formação inicial dos futuros educadores, a promoção de competências socioemocionais.
No que diz respeito aos alunos, é necessário desenvolver competências como a “autonomia”, fortalecer “sentimentos de pertença à escola”, promover “uma gestão equilibrada entre lazer e sono, que é um dos fatores mais ligados ao bem-estar psicológico”, e trabalhar “a ansiedade, especialmente entre as alunas do sexo feminino”, considera Margarida Gaspar de Matos.
É igualmente crucial aumentar a participação ativa dos estudantes e “ouvi-los sobre questões relacionadas com a escola”. “A nossa experiência mostra que, muitas vezes, não são envolvidos na identificação dos problemas nem na criação de soluções, sendo frequentemente tratados de forma infantilizada, o que gera frustração”. Segundo o estudo, um quinto dos alunos considera que a escola não é inovadora.
A investigadora propõe também a criação de “clubes” em todas as escolas, onde “os alunos analisem problemas, criem soluções e as implementem, reunindo-se regularmente com a direção da escola e com a Direção-Geral da Educação”. Defende ainda a expansão das tutorias entre alunos e entre professores e alunos, em que “os mais velhos apoiem os mais novos e os motivem a participar na transformação da escola”, uma prática já implementada com sucesso em algumas instituições. “Há escolas onde estas iniciativas já mostram resultados muito positivos. É essencial tornar as escolas mais inovadoras e envolver os alunos nesse processo. Estão numa fase de grande criatividade, mas raramente têm oportunidade de se expressar.”