Sociedade

Prevenção de incêndios passa por “melhorar qualidade das florestas existentes”

Incêndio de grandes dimensões na Serra da Estrela, em 2022
Incêndio de grandes dimensões na Serra da Estrela, em 2022
PATRICIA DE MELO MOREIRA

A intervenção na paisagem, através do restauro ecológico, é a “estratégia mais eficaz disponível para reduzir o risco” de incêndios de grandes dimensões e fazer frente às alterações climáticas, aponta o novo relatório da WWF com a ANP

Maria Monteiro

Jornalista

O restauro ecológico é a ferramenta mais importante para diminuir o risco de incêndios de grandes dimensões nas florestas, de acordo com o novo relatório da ONG ambiental WWF, que em Portugal trabalha com a Associação Natureza Portugal (ANP).

A par da topografia e das condições meteorológicas, a paisagem, nomeadamente a sua “disponibilidade e continuidade”, completa o triângulo do comportamento do fogo num determinado território. Nesse sentido, não basta aumentar a área florestal, dando primazia à reflorestação, tradicionalmente equiparada ao restauro.

“A principal prioridade é melhorar a qualidade das florestas existentes”, resume o relatório. A ideia é “ajudá-las, ativa ou passivamente, a melhorar a sua estrutura, o seu funcionamento e os serviços de ecossistema que prestam, a fim de aumentar a sua resiliência e biodiversidade”.

São vários os aspetos a considerar no momento de desenhar instrumentos de recuperação da paisagem, que devem “combinar uma perspetiva de ordenamento do território em grande escala com iniciativas a nível local”.

Primeiramente, é preciso “definir prioridades” em relação às “zonas de elevado risco de incêndio, em termos de frequência e de perigosidade”, designadamente “locais de fraca acessibilidade”. Ao mesmo tempo, devem ser privilegiadas as zonas “economicamente mais deprimidas” ou “com o desemprego mais elevado”, para que, posteriormente, os “usos e benefícios dos ecossistemas restaurados” possam servir a população.

O reconhecimento das “zonas estratégicas de ação” depende de uma “estreita parceria público-privada”, já que, em Portugal, “devido a fatores históricos, 98% da superfície florestal é privada, incluindo as áreas comunais, e apenas 2% da floresta é pública”, recordam a WWF Portugal e a ANP.

Diversificar as paisagens

Em segundo lugar, é preciso descontinuar os “milhões de hectares de florestas monoespecíficas (...) que foram queimadas muitas vezes e que alimentam o incêndio seguinte”, escolhendo, em alternativa, “a diversidade de espécies, a descontinuidade horizontal e vertical ou a estrutura etária” das árvores.

Por outro lado, as ações de restauro devem favorecer a proliferação de florestas mais maduras, já que grande parte das paisagens em Portugal “são muito jovens” e “particularmente vulneráveis aos grandes incêndios”.

A criação de “paisagens agroflorestais”, que juntem “sistemas agrícolas de elevado valor natural, destinados a rebanhos de ovinos ou caprinos (...) ou a pequenas culturas, como o castanheiro ou a cerejeira, ou o olival” com “florestas diversas”, são também uma estratégia eficaz, já que funcionam como “corta-fogos produtivos”.

Adicionalmente, podem ser “combinados fogos geridos com queimas prescritas”, métodos de “gestão do risco” sobre os quais “existe um consenso social crescente”.

A recuperação de florestas abandonadas, um dos principais fatores de vulnerabilidade dos territórios rurais aos incêndios, deve ser feita “de forma participativa” de modo a “planear usos que ajudem a diversificar a paisagem”, substituindo espécies como o eucalipto e diversificando as espécies de pinheiro “por outras mais adaptadas às novas condições”.

Além disso, é essencial “privilegiar uma silvicultura orientada para a produção de madeira de qualidade, que favoreça as plantações de folhosas como o castanheiro, o carvalho, a nogueira e a cerejeira”. Estas espécies são mais rentáveis a “médio e longo prazo, uma vez que as melhores qualidades se destinam a utilizações mais duradouras”.

Articulando utilização de recursos e conservação da natureza, promovem-se, por exemplo, “o desbaste de baixa intensidade” e a “limpeza seletiva dos matos” para prevenir a “continuidade vertical do combustível e reduzir a vulnerabilidade estrutural dos grandes incêndios florestais”.

De acordo com o relatório, desde 2022 que o investimento em prevenção supera a verba alocada ao combate de incêndios em Portugal, “o que pode ter contribuído para o menor número de incêndios e área ardida da última década” registados em 2023. “Esta estratégia mostra que é essencial continuar a apostar na prevenção.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmonteiro@expresso.impresa.pt

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