Sociedade

Dia Mundial dos Refugiados: Organização das Migrações considera que portugueses não veem imigrantes como perigo

Dia Mundial dos Refugiados: Organização das Migrações considera que portugueses não veem imigrantes como perigo
Jasmin Merdan

Os dados da Comissão Europeia confirmam esta perceção e indicam que Portugal não olha para as migrações como um problema

O responsável pelo escritório português da Organização Internacional das Migrações (OIM) em Portugal considera que os portugueses são recetivos aos imigrantes e minimizou o impacto da retórica populista na sociedade.

"Eu acho que efetivamente, nestas últimas eleições, quer legislativas quer europeias, houve alguma retórica política ligada às migrações, algo que, se não estou em erro, nos 50 anos da democracia em Portugal nunca aconteceu", afirmou Vasco Malta, em declarações à Lusa.

"Essa retórica política foi, infelizmente, contaminada com informações que não são verdadeiras", como a relação entre insegurança e imigrantes, que "não existe", afirmou.

Para Vasco Malta, "a maior parte da população portuguesa não vê a imigração como um perigo para Portugal", sem prejuízo de "haver ainda situações de discriminação ou situações de racismo".

O responsável sublinhou que a "generalidade dos portugueses ainda se recorda da grande massa de migração portuguesa que houve nos anos 60 e 70", quando muitos tiveram que emigrar, existindo ainda hoje muitos portugueses que veem os "filhos e filhas a saírem do país".

Por isso, disse, "sabem o quanto é importante receber aqueles que vêm para cá da mesma forma como querem que os nossos sejam recebidos lá fora".

Os dados da Comissão Europeia confirmam esta perceção e indicam que Portugal não olha para as migrações como um problema.

"Quero acreditar que, passados os períodos eleitorais, a perceção das migrações em Portugal possa de alguma forma voltar a ser esclarecida, baseada nos factos e no contributo absolutamente inequívoco oe que os migrantes fazem para a economia do nosso país", sustentou.

"É preciso dizê-lo, de uma forma objetiva, que há áreas de atuação da nossa economia portuguesa que, sem migrantes, simplesmente paravam", considerou Vasco Malta, que falou à Lusa por ocasião do Dia Mundial do Refugiado, que se comemora hoje.

3% da população mundial é migrante

De acordo com o último relatório da OIM, de 2023, existem 281 milhões de pessoas migrantes.

De acordo com Vasco Malta, trata-se "sensivelmente de 3% de toda a população mundial, o que significa que mais de 90% da população mundial não é, não foi e provavelmente poderá não vir a ser migrante".

Apesar do "fenómeno das migrações ser algo que existe e sempre existiu durante a humanidade, não é um número avassalador", ao contrário do que alguns media ou "fake news por parte de alguns partidos políticos" sugerem, disse.

No entanto, salientou, "é verdade que há cidades, comunidades ou países que, num curto espaço de tempo, receberam muitas pessoas" migrantes, como é o caso das fronteiras sul dos Estados Unidos ou da Europa.

A OIM "trabalha com o princípio de uma migração humana ordenada e regular, que beneficia todos: beneficia as pessoas migrantes acima de tudo, beneficia as comunidades de origem e as comunidades de destino", explicou Vasco Malta, salientando que parte do trabalho da organização é também discutir processos de integração.

"É importante perceber como é que nós vamos receber, como é que os serviços de integração podem funcionar para garantir que aquela pessoa migrante possa concretizar o seu projeto de vida, mas também ser um ativo para a sociedade e para a comunidade onde se vai inserir", acrescentou.

Pedidos de asilo aumentam por falta de canais regulares

O responsável pelo escritório português da OIM em Portugal alertou, no entanto, que a ausência de canais regulares de entrada para migrantes está a pressionar o número de pedidos de asilo na Europa.

"Em Portugal, aquilo que temos vindo a assistir, e até um pouco por toda a Europa, é a utilização deste mecanismo [de estatuto de refugiado], que deveria ser considerado excecional, como um mecanismo para regularização de algumas pessoas" migrantes, disse Vasco Malta, em entrevista à Lusa.

Vasco Malta admite que a "utilização massiva deste tipo de procedimento pode ofuscar aqueles que efetivamente precisam, do ponto de vista de risco de vida que correm no seu país de origem, de pedir a sua proteção internacional".

Mas isso só acontece porque não existem "canais seguros que permitam efetivamente às pessoas que, não se enquadrando na perspetiva de requerentes de asilo, possam, de forma legal, segura e ordenada, procurar" uma nova vida como imigrante económico.

"A inexistência desses canais legais e seguros [de migração] é que faz com que muitas destas pessoas se sintam compelidas a usar este mecanismo de proteção internacional", o que pode levar a uma banalização do estatuto de refugiado ou a um rigor excessivo por parte das autoridades nacionais.

"Estamos a falar de pessoas que foram forçados a fugir das suas casas devido aos conflitos, perseguições ou desastres e, portanto, é preciso garantir que estes conseguem ser filtrados, porque, de facto, correm riscos sérios de vida", avisou Vasco Malta.

"A banalização [das candidaturas ao estatuto de asilo] ocorre pela inexistência de outros mecanismos que permitam, de forma regular e legal, aos migrantes obter a sua regularização", acrescentou o responsável da OIM.

Segundo o Alto Comissariado para os Refugiados, cerca de 117 milhões de pessoas estão deslocadas à força dos seus países.

No caso português, a "OIM tem estabelecido protocolos de colaboração com o Estado português desde 2018" e, desde então, "conseguiu, de uma forma humana e digna, ajudar a trazer para Portugal 1297 pessoas, que procuraram refúgio do nosso país e que tiveram uma oportunidade em reiniciar o seu projeto de vida".

A OIM identificou os refugiados, tratou dos processos e assegurou exames médicos prévios.

A organização, explicou Vasco Malta "reúne-se com estas pessoas durante alguns dias, explica-lhes como é a cultura em Portugal, o que vão encontrar, em que cidade vão viver e, portanto, faz a ponte entre aquela que era a realidade destas pessoas antes de chegarem a Portugal".

"É importante destacar que o processo de asilo é sempre um processo individual", porque "ninguém nasce refugiado" e é necessário analisar casa caso, à luz da Convenção de Genebra e dos mecanismos de proteção internacional.

"As normas do requerente de asilo servem, primeiro que tudo, para proteger as pessoas que fogem de forma legítima relativamente a perseguições que são vítimas" e trata-se de um mecanismo que deve ser considerado excecional, concluiu ainda o responsável da OIM.

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