Sabendo que as legislaturas duram quatro anos e que há promessas que ficam mesmo para o final, centremo-nos no que a AD pretende fazer em dois meses, caso chegue ao Governo, para resolver vários dos problemas dos portugueses no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Chama-se “Plano de Emergência” e vai desde a garantia de um médico de família para todos os cidadãos residentes no país, passando pela criação da especialidade de medicina de emergência até à aposta na procriação medicamente assistida como um dos pilares para resolver o problema da natalidade.
O plano que será lançado nestes primeiros 60 dias e que contempla medidas para os anos de 2024 e 2025 é dividido em três vetores: consultas, urgências e cirurgias. Na área das consultas Luís Montenegro já tem falado sobre o cheque- consulta à semelhança do que já existe com as cirurgias, através do SIGIC (quando ultrapassado o tempo de espera o doente recebe uma requisição para efetuar o ato cirúrgico num hospital privado - estes “cheques-cirurgia” têm tido pouca adesão, porque muitas vezes os doentes preferem esperar para serem atendidos nos hospitais públicos). Este sistema seria alargado a consultas da especialidade.
No que se refere aos cuidados de saúde primários, o programa é mais extenso e inclui várias medidas:
- um “incremento sustentado das USF tipo B” (este tipo de Unidade de Saúde Familiar permite aos médicos receber por objetivos e em janeiro deste ano passaram a existir mais 220 num total de 570, sendo promessa do atual governo universalizar este modelo);
- a realização de “contratos temporários com Médicos de Família aposentados ou privados”. Segundo dados de junho do ano passado, estavam a trabalhar no SNS quase 500 médicos reformados, principalmente de medicina geral e familiar. Desde 2010 que existe um regime de contratação especial para estes profissionais aposentados;
- “assegurar consultas digitais com Equipa de Família das USF e Centros de Saúde” é outra das medidas previstas, sendo que já existem teleconsultas nos cuidados de saúde primários, embora não estejam disponíveis em todas as unidades;
- abrir USF tipo C em Lisboa e Porto num esquema de projetos-piloto - as USF tipo C são unidades geridas pelos privados ou pelo setor social; chegaram a ser ponderadas por Manuel Pizarro que acabou por recuar e foram tema de discussão entre PS e PSD, com troca de galhardetes acerca de “preconceitos ideológicos”.
Ainda no que respeita aos cuidados de saúde primários, a AD promete a realização de “um check-up anual tendo por base as boas práticas internacionais, num protocolo personalizado de cuidados de saúde entre prestadores públicos, privados e sociais”.
“Motivar” profissionais de saúde
Sem nunca falar em concreto de aumentos salariais - a questão que levou os médicos a entregarem recusas às horas extraordinárias - a AD refere um Plano de Motivação dos profissionais de saúde, que “versará sobre as carreiras dos médicos, enfermeiros, farmacêuticos, administradores, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e técnicos auxiliares de saúde”. Nele se falará de “incentivos laborais, desenvolvimento de carreiras, flexibilidade de horários de trabalho, diferenciação profissional, novos perfis de competências”.
Para os médicos em específico a AD promete mais incentivos para fixação em zonas carenciadas.
Dar a volta à Ordem dos Médicos
Nas urgências, também existem várias propostas para arrancarem nos primeiros dois meses de governação. Esta é uma das áreas mais críticas do SNS por ser uma das portas de entrada do sistema. Nesta área, o atual governo, através da Direção-Executiva do SNS, tem implementado algumas alterações, como a referenciação para os serviços dos doentes que terão de passar pelo SNS24 ou outro médico, a revisão da rede das urgências de pediatria e ginecologia e obstetrícia da Grande Lisboa e o arranque de alguns projetos piloto nas duas áreas.
Começemos por uma das medidas que mais salta à vista no programa da AD, uma vez que tem sido amplamente discutida: a criação da Especialidade de Medicina de Urgência e Emergência. Desde há alguns anos que tem havido tentativas para criar esta especialidade e fazer assim equipas dedicadas de urgências, mas em dezembro de 2022 a ideia esbarrou na Ordem dos Médicos após dois anos de discussão.
Caso consigam convencer a Ordem a avançar com a especialidade, a AD quer então criar “um modelo de equipas dedicadas com auditoria externa” e implementar beneficios especiais para estas equipas. Não se sabe se à semelhança dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) que acabaram de ser criados pela Direção Executiva e que devem arrancar em fevereiro em cinco hospitais do país - haja médicos suficientes para tal, como noticiou o Expresso.
Nas cirurgias o plano é “desenvolver os CRI públicos” (unidades especializadas por exemplo de cirurgia cardio-toráxica em que os médicos recebem por objetivos) e criar incentivos aos cheque-cirurgia para que as pessoas os utilizem em maior quantidade.
Aposta na Procriação Medicamente Assistida
Um dos pontos que não deixa de ser surpreendente no programa da AD é a importância que a coligação entre PSD, CDS e PPM dão à Procriação Medicamente Assistida (PMA), que tem sido alvo de bastante discussão nos últimos anos - recorde-se que a gestação de substituição, por exemplo, voltou a esbarrar em Marcelo Rebelo de Sousa.
A PMA é mesmo vista como algo que pode levar ao aumento da natalidade. O objetivo da AD é dar “maior acesso às técnicas de Procriação Medicamente Assistida, com práticas sustentadas numa sólida moldura ética” e para tal quer “reforçar o investimento nos centros públicos de PMA em recursos humanos, equipamentos e espaços físicos; garantir a autonomização funcional e financeira do Banco Público de Gâmetas e reforço da sua estrutura orgânica especializada com aumento da capacidade de resposta; fazer parcerias com os privados e ”assegurar a referenciação mais precoce dos Médicos de Família para centros de PMA".