XXII Congresso de Nutrição e Alimentação aponta caminho para um cabaz alimentar sustentável
XXII Congresso de Nutrição e Alimentação no Porto
APN
“Comer bem não tem de ser mais caro”, garante a secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, a propósito das propostas a serem apresentadas no evento que decorre até esta sexta-feira, no Porto. Oriundos de vários países, 100 oradores vão fazer refletir sobre o paradigma atual da nutrição e alimentação
Um “cabaz alimentar essencial”, por oposição a um outro, o cabaz que traduz aquilo que a população portuguesa consome de forma generalizada, são duas das apresentações a fazer pela Associação Portuguesa de Nutrição (APN) no XXII Congresso de Nutrição e Alimentação, a decorrer no Porto esta quinta e sexta-feiras. O evento, que este ano acontece sob o lema da “sustentabilidade”, pretende fazer refletir sobre o paradigma atual da nutrição e alimentação.
Estamos perante “uma área em constante evolução e progresso", sublinha ao Expresso Helena Real, secretária-geral da APN, para explicar que os dois cabazes resultam de um trabalho conjunto com a World Wide Fund for Nature (WWF) Portugal. Ao fazer a comparação entre ambos, é possível perceber quais são “os principais erros” da população portuguesa: “o consumo de produtos de origem vegetal e de cereais abaixo do recomendado", por oposição a um consumo elevado de alimentos de origem animal. "Come-se mais carne e peixe do que o necessário”, concluiu a nutricionista, que encara o congresso como uma oportunidade para diagnosticar a situação nacional e traçar caminhos para o futuro.
“Comer bem não tem de ser mais caro”
O “cabaz alimentar essencial” - aquele que “deveríamos adotar tendo em conta as nossas necessidades nutricionais” - foi pensado considerando uma “família tipo”, composta por pais, um adolescente e uma criança, detalha Helena Real. Olhando para ele e para o que representa o consumo generalizado dos portugueses, a nutricionista não duvida: “comer bem não tem de ser mais caro”. Isto porque, garante, o preço dos cabazes apresentados é “muito semelhante”.
De acordo com secretária-geral da APN , em relação aos hábitos alimentares dos portugueses durante a pandemia, aquilo que se verificou foram dois grandes padrões: “Por um lado, aqueles que começaram a comer muito melhor porque ficaram mais conscientes daquilo que é a importância de ter uma boa alimentação. Por outro, o eixo da população em que a alimentação piorou. Se calhar estavam mais deprimidos e recorriam a alimentos mais ricos em açúcar ou gorduras”, equaciona.
Mais recentemente foi posta em prática a medida do IVA zero para produtos essenciais. A APN considera que podia ser uma medida “para sempre” e que sem dúvida veio ajudar “qualquer coisa". "Às vezes a redução do valor do cabaz parece mínima, mas a verdade é que para uma família com baixo rendimento, é muito, e é considerável, portanto nesse sentido não é uma medida de negligenciar”, acrescenta Helena Real.
Um cabaz sustentável
O grande objetivo deste trabalho conjunto com a WWF, revela Helena Real, é a criação de um “cabaz sustentável” que inclua escolhas amigas do ambiente, algo nunca antes feito em Portugal. Está previsto que venha a ser revelado até ao fim deste ano e vai estar “alinhado” com o acordo de Paris, respeitando o objetivo de que aquilo que comemos “não contribua para o aumento de 1,5 graus centígrados” do planeta.
A nutricionista reflete sobre o impacto que o consumo alimentar tem no ambiente: “É muito importante pensarmos se um alimento gastou muita água para se desenvolver. Um alimento não nos fornece apenas nutrientes, tem uma história, teve um percurso de vida e pelo meio pode ou não gastar muitos recursos naturais, que podem ou não ser regenerados. Um dos grandes problemas associados à alimentação tem a ver com aquilo que se desperdiça, que é cerca de um terço daquilo que se compra. A gestão do desperdício alimentar produz um dos gases com mais efeito de estufa que é o metano”.
Helena Real considera também que a chave está na “promoção da literacia alimentar”, assente em quatro eixos: planeamento e gestão, seleção dos alimentos, preparação e consumo. A população com maior literacia alimentar tem mais “ferramentas” que lhe permitem “gerir” melhor a sua alimentação e ultrapassar situações como a inflação.
As escolas são um dos locais para favorecer a mudança, defende, porque “trabalhamos” numa fase em que o ser humano é “uma esponja” de conhecimento e abertura à mudança de comportamento.
As crianças influenciam os pais em muitas coisas: “Se a criança estiver inserida numa escola em que o ambiente alimentar, aquilo que a rodeia, é saudável, equilibrado, ela vai consciencializar-se que aquilo é o correto. E elas vão influenciar também “auxiliares, instituições e outras entidades” relacionadas com a escola. Apesar da APN defender a existência de um “nutricionista escolar”, é muito importante envolver pessoas de outras áreas de modo a constituir uma “equipa multidisciplinar”, em que cada um partilha a “riqueza do seu conhecimento”.
Procurar aconselhamento profissional
Numa época em que o acesso à informação é mais fácil do que nunca, Helena Real alerta para outros perigos. Frequentemente dão conselhos em matéria de nutrição, mas os influencers nem sempre “são pessoas da área”, destaca. Muitas vezes têm “outro tipo de motivações” para aconselhar o que aconselham, fazendo recomendações “com pouca evidência científica”. Necessário sim é que a pessoa se aconselhe com o “profissional certo”. O que funciona para uns pode não funcionar para outros, sendo essencial ajustar “as necessidades individuais” sempre com o conhecimento de quem sabe.
O evento que termina esta sexta-feira no Porto, acolhe em simultâneo o 3º Congresso Internacional de Nutrição e Alimentação (que acontece a cada dois anos). Significa um incremento do número de participantes, "o que permite que a própria discussão à volta dos temas seja amplificada", dando a conhecer "a realidade e conhecimentos de outros países e investigadores, reconhecidos a nível internacional”, como explica a secretária-geral da APN.
Na capital nortenha estarão 100 oradores, entre os quais membros da APN, Comissão Europeia, Organização Mundial da Saúde (OMS) e profissionais das mais variadas áreas dentro da nutrição, que debatem a “urgência da sustentabilidade, o papel da nutrição no doente e o impacto das escolhas alimentares”. Para os ouvir, são esperadas 1500 pessoas, oriundas de vários pontos do mundo.
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