Sociedade

No Dia do Trabalhador, as estatísticas mostram as lutas que ainda há para travar

No Dia do Trabalhador, as estatísticas mostram as lutas que ainda há para travar
MANUEL ALMEIDA/LUSA

A radiografia da Pordata à situação laboral dos portugueses revela as disparidades e carências por trás dos números: a falta de qualificações a crescer, os que mais lucram a pagar os salários mais baixos, a desigualdade que ainda separa sexos. Mas também as profissões mais bem remuneradas e as que mais crescem

No Dia do Trabalhador, as estatísticas mostram as lutas que ainda há para travar

Raquel Moleiro

Jornalista

A 1 de maio de 1886, meio milhão de trabalhadores manifestaram-se nas ruas de Chicago, nos EUA, pela jornada de 8 horas de trabalho. Houve mortes durante os confrontos, condenações à forca dos instigadores, mas os protestos operários culminaram com a conquista de vários direitos firmados em lei. Portugal comemorou o dia, pela primeira vez, em 1890, e passados 133 anos não faltam lutas para travar, mostra a radiografia do mundo laboral elaborada pela Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

A análise permite perceber, por exemplo, que os trabalhadores não qualificados da indústria e da construção foram os que mais cresceram na última década (+51 mil); além dos gestores e diretores, os profissionais das áreas da Ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM) estão entre os mais bem pagos; que as profissões mais mal pagas são as de assistente na preparação de refeições (€761), trabalhador de limpeza (€791) e trabalhador de cuidados pessoais (€818); que, no que toca à desigualdade salarial entre homens e mulheres, o maior fosso encontra-se entre os técnicos de nível intermédio dos serviços jurídicos, sociais, desportivos e culturais; ou que os setores económicos que mais riqueza geram têm salários abaixo da média nacional.

Mais enfermeiros, menos professores

De acordo com os Censos de 2021, cuja recolha de dados decorreu ainda em contexto de pandemia, a população empregada era de 4,4 milhões de pessoas, representando um aumento de 1,5% numa década. As profissões com mais trabalhadores são os vendedores (365 mil), os empregados de escritório e secretários (280 mil) e os trabalhadores qualificados da construção, eletricidade e eletrónica (273 mil).

Entre os ofícios que mais cresceram em profissionais desde 2011 estão os trabalhos não qualificados da indústria e da construção, os empregados de escritórios e secretários, os profissionais de saúde (que não médicos e enfermeiros), os enfermeiros e os engenheiros. Em declínio estão os diretores e gerentes do comércio e retalho e por grosso, os trabalhadores de limpeza em casas particulares, hotéis e escritórios, os vendedores, os trabalhadores qualificados da construção, eletricidade e eletrónicas e os professores.

“Da análise da evolução dos grandes grupos profissionais depreende-se a polarização da mão-de-obra: crescem, por um lado, as profissões altamente escolarizadas – dos especialistas das profissões intelectuais e científicas – e crescem também as profissões não qualificadas. O grande grupo profissional que sofreu a maior redução no seu contingente foi a dos trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices”, conclui a Pordata.

No que a setores económicos diz respeito, de acordo com o último recenseamento da população, quase meio milhão de pessoas trabalhava no comércio a retalho, 348 mil na administração pública, 328 mil na educação, e 277 mil nas atividades de saúde. Em conjunto, estes trabalhadores representavam um terço do total da mão-de-obra.

As atividades onde, nos últimos dez anos, se verificaram as maiores perdas de profissionais foram o da construção (-68 mil na promoção imobiliária), comércio (-59 mil no retalho), educação (-48 mil), indústria transformadora (-42 mil no vestuário) e alojamento e restauração (-37 mil na restauração).

O valor da Lei e da matemática

Em 2021, os trabalhadores por conta de outrem em empresas, ganhavam, em média, 1.294 euros Face a 2011, é um aumento de 210 euros que, descontado o efeito da inflação, é apenas de 118 euros em dez anos. Com salários acima da linha estão os representantes do poder legislativo e de órgãos executivos (+€1.483), as profissões intelectuais e científicas (+€701) e os técnicos de nível intermédio (+€314).

Dentro destes três grupos, as profissões mais bem pagas dizem respeito a cargos de gestão ou direção. Os empregos nas áreas CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) também se situam entre os mais bem remunerados.

Já os trabalhos com pior salário são os de assistente na preparação de refeições, trabalhador de limpeza e trabalhador de cuidados pessoais.

Os setores económicos mais bem remunerados são o da eletricidade, gás e água e as atividades financeiras e de seguros. Por oposição, o setor do alojamento e restauração e o da agricultura são os menos bem pagos.

Ser homem vale mais €2409

No que toca à desigualdade salarial entre homens e mulheres, o maior fosso encontra-se entre os técnicos de nível intermédio dos serviços jurídicos, sociais, desportivos, culturais: os homens ganham, em média, mais 2.409 euros. A diferença de remuneração é igualmente acentuada entre os representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes superiores da Administração Pública, diretores e gestores de empresas, diretores de produção, diretores de serviços administrativos e comerciais, especialistas em finanças, contabilidade, organização administrativa, relações-públicas e comerciais; e profissionais de saúde.

E acrescente-se à lista mais um dado de injustiça laboral (e motivo de luta): revela a Pordata que os setores económicos que mais geraram riqueza (VAB – Valor acrescentado bruto), em 2020, são também aqueles onde os salários médios dos trabalhadores estavam abaixo da média nacional. É o caso da indústria transformadora, com destaque para as indústrias alimentar e têxtil, onde os salários médios são 121€ e 340€ inferiores à média nacional; as atividades imobiliárias e o comércio, a administração pública e a saúde.

Entre os indicadores a mudar estão também os da produtividade e formação. A produtividade do trabalho em Portugal é 35% inferior à média da UE27 e o país é o quinto a contar do fim neste indicador. No que diz respeito à escolaridade, em 2021, cerca de 6 em cada 10 trabalhadores da agricultura, construção e indústria tinham, no máximo, o ensino básico. Este é também o nível atingido por metade dos trabalhadores das atividades administrativas e dos serviços de apoio, do alojamento e restauração.

Em contrapartida, mais de metade dos empregados da área da informação e comunicação (69%), das atividades financeiras e de seguros (61%), das atividades de consultoria e científicas (59%) e da educação (58%) têm o ensino superior.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMoleiro@expresso.impresa.pt

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