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Oeiras: petição contra novas torres de 19 andares no Espargal soma mais de mil assinaturas. A história de um terreno que já foi um matadouro

Imagem computorizada do que se projeta serem as Torres do Espargal, em Oeiras, com 19 andares
Imagem computorizada do que se projeta serem as Torres do Espargal, em Oeiras, com 19 andares
D.R.

Novo projeto urbanístico está a indignar residentes no concelho chefiado por Isaltino Morais

Oeiras: petição contra novas torres de 19 andares no Espargal soma mais de mil assinaturas. A história de um terreno que já foi um matadouro

Carla Tomás

Jornalista

Em véspera de terminar a discussão pública sobre a construção de dois prédios de habitação de 19 andares no Espargal, em Oeiras, um grupo de cidadãos residentes no concelho lançou uma petição pública contra o projeto apresentado pelo executivo de Isaltino Morais. A petição soma já mais de mil assinaturas, recolhidas online e em papel, e reflete uma grande mobilização de munícipes.

Os peticionários querem que a Proposta de Delimitação da Unidade de Execução do Espargal, da União das Freguesias de Oeiras, São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, conhecida como Torres do Espargal — aprovada em reunião extraordinária da Câmara Municipal de Oeiras a 9 de novembro de 2022, e colocada em discussão pública entre 9 de dezembro e 5 de janeiro de 2023 — seja alvo de debate na Assembleia Municipal de Oeiras. Argumentam que é preciso ter em conta “as consequências para a qualidade de vida dos residentes na área envolvente”, sobretudo para quem vive nos bairros Moinho das Antas, J. Pimenta, Figueirinha e Jardim dos Arcos.

“Esta é uma zona já densamente povoada e que sofre com deficiências ao nível de transportes públicos, escolas e centros de saúde e colocar aqui mais 250 fogos (onde podem vir a residir mais mil pessoas), vai agravar a situação”, lamenta em declarações ao Expresso Ana Nunes, uma das cidadãs residente na área e porta-voz do movimento contra o projeto.

A engenheira do ambiente lembra que soube da discussão pública porque outro cidadão colocou um papel no átrio do prédio e considera que “a forma como o município conduziu a auscultação pública em época de férias do Natal não foi ingénua, já que poucos se puderam pronunciar”.

Câmara vendeu terreno por €14 milhões

Se a construção de duas torres com 19 pisos acima do solo (e pelo menos dois abaixo do solo) for para a frente, vai criar dois edifícios com o dobro da altura dos edifícios dos bairros em redor, o que, segundo os peticionários, “destrói o tecido urbano, prejudicando as características dominantes da área, não respeitando o seu enquadramento paisagístico e arquitetónico”.

O plano de pormenor aprovado para a zona do Espargal em 1991 foi revogado em novembro último e, segundo Ana Nunes, “o projeto não foi discutido na Assembleia Municipal”. O projeto anteriormente aprovado tinha menos fogos (222) e previa no máximo de 6 a 7 andares por prédio.

Os terrenos foram vendidos pela Câmara de Oeiras em 2020 a uma sociedade de gestão de fundos imobiliários denominada Graceful Sound – Unipessoal, pelo valor de 14 milhões de euros. A licitação em hasta pública começara em 10 milhões e o primeiro leilão em 2019 ficou deserto.

A empresa, constituída em 2020, segundo o Racius, e com um capital de dois milhões de euros mudou entretanto de nome para Madadna PortugaL – SICAFI, SA. Esta empresa com sede em Lisboa é gerida pela Insula Capital que, com a Vanguard Properties, queria construir outro megaprojeto imobiliário na foz do Jamor.

“Sob o pretexto de querer constituir um corredor verde, a Câmara negociou com o novo proprietário a libertação de área de edificado, transferindo-os para duas torres de habitação com 19 pisos acima do solo e 125 fogos cada”, conta Ana Nunes.

O dito corredor verde resume-se ao Parque dos Poetas e aos jardins em redor dos projetados edifícios e tem pela frente uma muralha de prédios até ao rio.

De matadouro a habitação de luxo

Entre 1984 e 2019 funcionaram naquele espaço as oficinas da Câmara. Antes disso, os terrenos pertenciam à Junta Nacional dos Produtos Pecuários que os cedeu ao município, após a desativação do Matadouro Municipal.

O prédio urbano só foi inscrito na Conservatória do Registo Predial em 2014, depois de duas tentativas infrutíferas desde 2012. A Conservatória do Registo Predial considerava insuficiente o “termo de entrega” celebrado em 1984 para efeitos registais, uma vez que o mesmo não identificava o prédio em causa, nem as áreas e respetivos artigos matriciais. Em 2014, a CMO invocou a figura do usucapião e viu aprovada a aquisição de uma área de 21.676 metros quadrados (m2).

A área integrada no processo atual abrange um terreno de 32.566m2, dos quais apenas 9050m2 são destinados a estrutura verde,

Entre os signatários e dinamizadores da petição pública estão ex-candidatos à presidência da câmara, como Emanuel Martins e Marcos Sá, do PS, Miguel Pinto do Bloco de Esquerda e a líder da Associação Evoluir Oeiras, Carla Castelo, atualmente a única vereadora da oposição em 11 eleitos.

No parecer emitido sobre este caso, a associação Evoluir Oeiras lamenta que o município tenha “perdido a oportunidade para poder pensar num espaço destinado à boa qualificação urbana, numa das áreas mais densas do concelho de Oeiras”. E defende que deveria ter sido mantido sob propriedade municipal e criado “um corredor verde digno desse nome”, com um contínuo natural desde o Parque dos Poetas até à orla costeira. Segundo a associação, a proposta de UEE contraria em vários aspetos diferentes disposições do Plano Diretor Municipal de Oeiras.

“Este e outros projetos revelam a mudança de paradigma em Oeiras, que passa de município que primava pela qualidade de vida para o oposto, já que aposta na construção desenfreada”, critica Marcos Sá, munícipe e ex-candidato à Câmara de Oeiras pelo Partido Socialista. “Seria importante que os vereadores eleitos pelo PS e pelo PSD se juntassem à vereadora sem pelouro do Evoluir Oeiras e fizessem oposição”, aconselha o também dirigente do PS Lisboa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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