Dentro do Conselho Geral, só 15% são alunos
Cada vez menos professores, investigadores, estudantes e trabalhadores não-docentes participam na vida democrática das instituições de ensino. A taxa geral de abstenção é de 55%, mas o número agrava-se quando o foco se vira para os estudantes. Dos 45% que participam, 76,6% são professores e investigadores e apenas 8% alunos. “Por oposição aos professores e investigadores, é entre os estudantes que a taxa média de participação é menor, não ultrapassando os 8%”, lê-se no estudo “Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (2007-2022) - Contributos para uma revisão fundamentada”, encomendado pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior, e já disponível para consulta.
A análise feita à participação eleitoral da comunidade escolar, entre 2007 e 2021, verifica uma “tendência de aumento das taxas de abstenção e uma redução gradual das taxas de participação” comum a toda a estrutura de ensino. Contudo, é nos estudantes que está a maior fatia de não participação. Nas eleições para representantes de estudantes no Conselho Geral – o atual órgão deliberativo e fiscalizador criado pelo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) em 2007 – a taxa média de abstenção chega aos 90%. Em 2021, apenas 5% dos alunos foram votar.
“De acordo com o atual RJIES, o Conselho Geral tem de ter, pelo menos, 50% de docentes e 15% de estudantes. Significa que somos um dos maiores grupos das instituições de ensino, no entanto somos aqueles que estão menos representados”, explica ao Expresso Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto (FAP). Para a estudante de 25 anos, esta “sub-representação” dos estudantes justifica o desligamento dos mesmos em relação às eleições. Também João Mineiro, autor do estudo, relaciona as taxas de abstenção com as mudanças dentro dos órgãos decisores. “Antes de 2007, havia paridade entre alunos e docentes [dentro dos Conselhos Gerais]. Com o atual RJIES, o número de estudantes diminui. É complicado conseguir altos níveis de participação quando se perde a capacidade de influência”. João Machado, presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), partilha da mesma opinião: “Não tenho dúvidas que um peso da comunidade estudantil mais reforçado e adequado àquilo que são as realidades, iria levar a uma maior participação dos estudantes na eleição dos órgãos”.
Esta distribuição dos lugares dentro do Conselho Geral, para Ana Gabriela Cabilhas, chega mesmo a levantar dúvidas acerca do “grau de interesse e compromisso dos reitores das universidades e dos presidentes dos institutos politécnicos para com os desafios e problemas dos estudantes”.
Abstenção não é sinónimo de desinteresse. Estudantes são “ativos” e “participativos”
Apesar de votarem menos que a geração mais velha, os jovens têm demostrado interesse na política através de formas de participação não convencional – como as manifestações pelo clima que ocuparam várias escolas e terminaram com uma reunião com o Ministro da Economia. Também na vida democrática das instituições de ensino, os presidentes das federações académicas defendem que o problema não é o “desinteresse” dos estudantes. “Se formos comparar [as taxas de abstenção para órgãos das instituições de ensino] com as taxas de abstenção nas associações de estudantes, o número é muito menor e são os mesmos a votar”, lembra João Machado. De acordo com estes jovens, a vida académica não passa só por “ir às aulas”. “Os estudantes do ensino superior são ativos, conscientes e têm uma participação na sociedade que vai desde integrar conselhos municipais de juventude a grupos de voluntariado ou de desporto universitário”, garante a presidente da FAP.
Quem vota são “sempre os mesmos”. É preciso divulgar o funcionamento dos órgãos
Dentro dos 8% dos estudantes que participam ativamente na vida democrática dos órgãos internos das universidades e politécnicos é possível encontrar características em comum. São jovens “mais politizados”, com “mais conhecimento do funcionamento dos órgãos” e com uma maior “relação com as pessoas envolvidas nos processos eleitorais”, segundo o perfil traçado por João Pedro Caseiro, presidente da Associação Académica de Coimbra. “O eleitorado que participa acaba por ser muito semelhante. Um dos grandes desafios é chegar ao resto que não é tão participativo”.
Uma das barreiras encontradas é o desconhecimento destas eleições e do próprio funcionamento interno das instituições de ensino. “As associações estudantis procuram comunicar o papel destes órgãos, mas admito que não chegue a todos os estudantes”, partilha o presidente da FAL. Este esforço de divulgação é feito “essencialmente por estudantes”, uma das razões apontadas para não conseguirem “chegar a todos”. “Se as associações apostassem na divulgação também poderia ajudar. Era importante darem a conhecer o que fazem através de reuniões abertas a estudantes, por exemplo, e transmitirem as posições e propostas”.
Há distâncias a mais e comunicação a menos. É preciso “pluralidade” e programas eleitorais que reflitam “problemas dos alunos”
A falta de representatividade dos jovens nos órgãos de decisão, assim como o desconhecimento do funcionamento das instituições de ensino são dois dos fatores apontados pelos presidentes das federações académicas para as altas taxas de abstenção entre os jovens. Contudo, há outros fatores possíveis para o apagão dos estudantes na vida democrática das universidades e politécnicos. “Há uma grande distância entre a figura do reitor ou presidente e os estudantes”, aponta Ana Gabriela Cabilhas. Por outro lado, João Pedro Caseiro chama a atenção para a importância de divulgar as competências dos órgãos durante todo o ano letivo, e não apenas na véspera das eleições. “Alguns estudantes podem ter a sensação que só estão a conhecer a estrutura por causa do ato eleitoral e não pela importância do órgão”. Esta comunicação permanente pode ajudar a criar uma maior “consciencialização” que, no ano seguinte, se reflita na hora de ir às urnas.
Ao nível dos programas eleitorais apresentados pelos candidatos aos órgãos, a dirigente federativa do Porto alerta para a importância de incluir “problemas dos estudantes” como a “promoção da ação social, o alojamento, os serviços de psicologia, os modelos de ensino e aprendizagem ou o apoio ao desporto universitário”. Também a pluralidade de listas e candidatos pode fazer a diferença. “Quanto mais listas, mais representação é sentida pelos estudantes. E quanto mais os estudantes se sentirem representados, mais se vão sentir motivados para participar no ato eleitoral”, defende o representante de Coimbra.
Se estes esforços forem cumpridos, poder-se-há caminhar para uma inversão de marcha na tendência que perdura há 15 anos. Um objetivo difícil, mas que está na mira destes dirigentes estudantis. Ana Gabriela Cabilha assevera: “Estamos atentos à qualidade das nossas democracias, também dentro das instituições de ensino superior”.
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