Qual foi a sentença do juiz? E o argumento legal?
O juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa condenou, esta sexta-feira, cada um dos quatro estudantes, Ana, Mateus, ‘Nemo’ e ‘Artur’, a uma multa de 60 dias, de 5 euros por dia, dando um total de 295 euros. Foi descontado o dia da detenção, passado dos 300 para os 295 euros. Estas condenações vêm em resposta aos dois crimes dos quais os jovens foram acusados: não dispersão em reunião pública e introdução em local vedado ao público, após terem ocupado a Faculdade de Letras, a 11 de novembro, numa ação de protesto em defesa do futuro climático. As condenações podiam ir de pena de multa até 120 dias até pena de prisão até um ano, pelo que a multa ficou a meio do caminho legal possível.
Durante a leitura da sentença, esta sexta-feira, no Campus da Justiça, o juiz António Calado defendeu que é necessário cumprir com “as regras da sociedade” independentemente das “causas que cada um abraça”. Apesar de ter dado como "demonstrado e provado todos os factos da acusação pública", o magistrado disse ter tido em conta o facto de os arguidos serem “jovens” e não terem negado “os acontecimentos”.
Ana Carvalho, uma das ativistas condenadas, considera que o juiz decidiu tento em conta as “questões mais legislativas” e não o “contexto” em que ocorreram. “Não ocupamos uma escola só porque sim, mas porque era a única solução para fazer a luta neste momento”. Aos jornalistas, a jovem lembrou ainda que a Lei de Bases do Clima prevê o “direito a defender o ambiente” e a ocupação do dia 11 de novembro foi “pacífica” e não necessitava do envolvimento das forças policiais. “Achamos que a ação do diretor [da FLUL] não foi legítima [de ter chamado as forças policiais ao local da manifestação para retirar os estudantes], apesar de estar dentro dos conformes legais. Porque nós também temos direito à manifestação”. Em conversa com o Expresso, também André Ferreira, advogado dos quatro ativistas, explicou que a defesa apresentou como argumentos “o direito à reunião e à manifestação” e a “causa pela qual os estudantes estavam presentes [na faculdade no momento da ocupação]”. Contudo, o juiz teve “outra interpretação”. Caso os jovens optem por não recorrer da decisão, a multa de 295 euros poderá ser paga de uma só vez, em prestações ou em “trabalho a favor da comunidade”.
Os estudantes vão recorrer da sentença? Quanto tempo têm para o fazer?
“Ainda vamos pensar” foi a resposta de Ana Carvalho, uma das ativistas condenadas, à saída da leitura da sentença, enquanto estava rodeada por jornalistas e apoiantes do movimento estudantil pelo clima. André Ferreira lembrou que a acusação ainda não está disponibilizada por escrito. Só nesse momento, tanto os arguidos como a defesa, poderão “refletir” sobre ela e os “argumentos que a fundamentam” para se pronunciarem “de forma clara”.
Os quatro jovens têm o prazo de 30 dias para recorrer da decisão do tribunal, “com as férias judiciais do Natal”. Caso decidam fazê-lo, haverá uma “avaliação feita pelos juízes superiores de relação”, já que é “muito raro” voltar a repetir o julgamento.
Como vai reagir agora o movimento "Fim ao Fóssil-Ocupa!"?
Com manifestação de apoio aos ativistas marcada para a mesma hora da leitura da sentença, as imediações do Campus da Justiça reuniam quase uma dezena de agentes policias e cerca de 30 apoiantes – maioritariamente estudantes, pais e professores – que receberam os arguidos com aplausos e cânticos que repetiam frases como “lutar pelo clima não é crime” ou “polícia, porrada, julgamento, não assustam mais que dois graus de aquecimento”.
Para Matilde Rocha, um dos membros do movimento "Fim ao Fóssil-Ocupa!", a decisão do juiz era “expectável”, mas “legalidade não equivale à justiça”. A estudante do mestrado em Estudos Urbanos na NOVA FCSH considera que, perante a inação dos políticos, “a desobediência civil é inevitável” e é a única forma de conseguir “grandes mudanças sociais”. Também Filipe Carvalho, outro dos membros do movimento e estudante da licenciatura em Filosofia na FLUL, considera que a Lei de Bases do Clima foi “ignorada”, o que abre um “precedente perigoso para o futuro”. “Seria importante perguntar até onde é que o Governo está disposto a ir. Aparentemente não muito longe e nós vamos fazer pressão para irem mais longe”.
E o que pensam os pais e professores?
Aos cerca de 20 estudantes que ocuparam as imediações do Edifício F do Campus da Justiça, onde decorreu a leitura da sentença, juntaram-se também quase uma dezena de pais e professores.
Sem quererem ser identificados ou prestar declarações aos jornalistas, os adultos presentes mostraram-se solidários com os jovens ativistas e com a própria causa climática. “Estes jovens fizeram-nos acordar de uma espécie de adormecimento [em relação às alterações climáticas]”, partilhou com o Expresso uma das pessoas presentes no local. A causa foi adereçada como “de todos” e foram pedidas responsabilizações “vindas de cima”. “Não basta reciclar ou andar de bicicleta, são necessárias diretrizes políticas”.
Nestes minutos após a declaração da sentença, uma das pessoas revelou ainda que também os pais e os professores estão a “organizarem-se” para se juntarem à luta dos jovens pelo clima.
Vai voltar a haver ocupações em escolas?
“Enquanto a resposta dos governantes continuar a ser tentarem-nos silenciar e não nos darem uma resposta, vamos ter de continuar a lutar”, garantiu Ana Carvalho. Como porta-voz dos restantes colegas condenados, a estudante afirma que nenhum deles está arrependido das ações de protesto ou de terem recusado a suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público, – que previa que os estudantes efetuassem 40 horas de trabalho comunitário e garantissem o “não envolvimento em delitos de invasão” nos próximos cinco meses. Quanto ao delito que originou a condenação desta sexta-feira, Ana Carvalho não nega que se poderá vir a repetir. “Se há muitos anos que fazemos greves e manifestações e isso não resulta, então temos de continuar a tentar outras táticas”.
Para já, os membros do movimento "Fim ao Fóssil-Ocupa!" Apenas revelaram que a onda de protestos e ocupações vai regressar “no próximo semestre” com o objetivo de chegar a escolas fora do concelho de Lisboa. “Há zonas no Alentejo que também sofreram muito, por exemplo, com as cheias”.
A estudante condenada ao pagamento da multa de 295 euros voltou a frisar que não se pode ignorar “a maior crise das nossas vidas” onde é a sua geração que irá “sofrer mais com isso”. “Não é uma questão de se vai continuar [as manifestações], mas tem de continuar”. Em apoio aos colegas levados a tribunal, Matilde Rocha concorda com a necessidade de manter a assiduidade dos protestos. “Estamos dispostos a travar as alterações climáticas e isso vai ter de passar por mais educação para este tópico e por ações de desobediência civil que incomodem a forma como as coisas estão neste momento”.
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