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Trans: esconderam barbies, quiseram reprimi-la, mas a criança sentia-se menina. Agora a professora chama-a pelo nome Maria e todos aplaudem

INCLUSÃO Maria, menina trans de nove anos, ensaia uma pose de dança em cima da cama, quer ser estilista de moda quando for grande; às outras meninas e meninos trans deixa o conselho: “Não desistam!”
INCLUSÃO Maria, menina trans de nove anos, ensaia uma pose de dança em cima da cama, quer ser estilista de moda quando for grande; às outras meninas e meninos trans deixa o conselho: “Não desistam!”

Falta pouco para a discussão do projeto de lei que estabelece medidas a aplicar em ambiente escolar. As histórias de Maria, Amanda e Bernardo, crianças e jovens trans, marcam um tempo e uma sociedade que encara a diferença

Foi como um murro no estômago. À mesa, Paulo, de 43 anos, foi confrontado com um pedido da filha, de 3 anos, vista na altura por todos como um rapaz, a quem fora atribuído o género masculino à nascença: “Pai, queria ser menina!” Seguiram-se longas conversas, convicções de que seria uma fase, tentativas para que passasse a brincar mais com o pai e menos com a mãe e irmã mais velha. Esconderam-se as Barbies e os disfarces de sereia e princesa. Vieram os super-heróis e bonecos musculosos. De nada serviu. A mãe, Cristina, engenheira técnica de segurança, recorda quando um dia chegou a casa e viu o marido com uma capa de super-homem na cabeça a fazer de cabelo e os super-heróis vestidos com roupas de boneca. “Ela deu a volta à situação e feminilizou o pai e os bonecos. Tentámos reprimi-la, mas percebemos que estávamos a criar infelicidade na nossa criança.” Perdidos, estes pais pediram ajuda especializada. Depois de consultas e testes, confirmaram ser pais de uma menina trans quando ela completara 5 anos. Quem lhes comunicou foi a médica pedopsiquiatra Maria Laurea­no, a trabalhar no Hospital Pediátrico de Coimbra, com larga experiência em crianças transgénero, que identificou a “disforia de género” de Maria. “Tornou-se claro que esta criança, considerada do género masculino de acordo com o sexo biológico, tinha uma identidade de género feminina. Havia uma incongruência entre o que ela sabia ser e o que os outros viam nela. Ao contrário do que alguns pensam, é possível em idades precoces detetar diversidade de género ou uma identidade trans.” A pedopsiquiatra esclarece os riscos que envolvem estas crianças e jovens quando não são validadas pelo género com que se identificam. “Em crianças pequenas, começam a surgir quadros de perturbação depressiva e ansiedade social. Na adolescência é mais grave. Quando são discriminadas e invalidadas, há um grande risco suicidário, pior qualidade de saúde mental e surgimento de quadros psiquiátricos.”

Dos 5 aos 7 anos, Maria iniciou gradualmente a transição social de género em Aveiro, cidade onde reside. Foram precisas várias reuniões com o diretor da escola, professores e auxiliares, tanto na escola como nas duas escolas de dança que Maria frequentou, para que fosse tratada pelos pronomes femininos e nome social que escolhera e que nas pautas e documentos oficiais constasse o novo nome. O mais desafiante foi conseguirem que na documentação escolar deixasse de constar o antigo nome de menino. “Não foi má vontade da escola, mas desconhecimento”, sublinha a mãe. “Tirámos dúvidas, explicámos tudo, apoiando-nos em relatórios médicos, em guias da associação AMPLOS e na Lei 38/2018”, esclarece o pai. No dia em que a professora chamou Maria à criança, na sala de aula todos a aplaudiram. Maria não esquece esse dia: “Senti-me bem. E digo aos outros como eu que não desistam.”

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.

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