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As alterações climáticas vão trazer mais tempestades como as de terça-feira. Lisboa está preparada?

Avenida da Liberdade após temporal do dia 8 de novembro de 2022
Avenida da Liberdade após temporal do dia 8 de novembro de 2022
RODRIGO ANTUNES

Chuvas fortes, ventos intensos e um tornado de pequenas dimensões causaram o caos na capital, com quedas de árvores, ruas inundadas e danos em infraestruturas. Qual o estado de preparação da cidade para lidar com eventos climáticos extremos?

Em apenas dez horas, entre as 12h e 22h de terça-feira, a Proteção Civil registou 229 ocorrências relacionadas com o mau tempo em Lisboa.

Foi também neste período, por volta das 14h, que aconteceu um tornado de baixa intensidade, “uma situação que não é tão comum como noutros lugares da Europa, mas não é de todo anormal”, esclarecia o IPMA nesse dia ao Expresso.

O fenómeno esteve “associado a uma baixa pressão muito intensa no Atlântico Norte”, explica ao Expresso o meteorologista Alfredo Rocha. “Entrou em Portugal uma grande banda de precipitação, com muita instabilidade associada a ventos de sudoeste.”

E acrescenta: “São ventos que vêm de um oceano tropical, portanto é uma massa de ar quente com muito vapor de água. Assim é muito natural que essa massa de ar quente se desloque para norte, em direção a temperaturas mais frias, encontre a determinada altura e em determinada região ar frio que vem do norte. Sempre que temos este encontro entre estas duas massas de ar muito diferentes (uma muito quente e húmida, outra fria e seca), temos condições propícias a este tipo de fenómenos.”

Tornado é fenómeno “muito localizado, muito intenso e difícil de prever”

A situação não foi uma surpresa. Um aviso divulgado pela Proteção Civil no seu site no dia anterior alertava para o risco de inundações em zonas urbanas, cheias potenciadas pelo transbordo de cursos de água e o “arrastamento para as vias rodoviárias de objetos soltos, ou ao desprendimento de estruturas móveis ou deficientemente fixadas, por efeito de episódios de vento forte, que podem causar acidentes com veículos em circulação ou transeuntes na via pública”.

Foi o que aconteceu. A maioria das ocorrências registadas esteve relacionada com inundações (82) e queda de árvores (27), sendo as freguesias de Alcântara (33 situações), Alvalade (30), Estrela (28) e Avenidas Novas (28) as mais afetadas. Segundo declarações à Lusa da diretora do Serviço Municipal de Proteção Civil, Margarida Castro Martins, foram apenas registados danos materiais, não havendo feridos ou desalojados a lamentar.

Já o tornado, diz a representante da CML, afetou sobretudo a Ajuda e Estrela, onde provocou "muitas árvores caídas, muitas até arrancadas pela raiz" e danos em 25 viaturas.

Este tipo de fenómeno extremo, explica Alfredo Rocha, “é muito difícil de prever se vai acontecer em Lisboa, em Vila Franca de Xira ou em Santarém. Por isso é que os alertas do IPMA não falam concretamente de quando vai acontecer, mas dizem simplesmente que há probabilidade de acontecer isto em Portugal continental ou na zona sul, norte ou centro. É uma caraterística do próprio fenómeno. É muito localizado, muito intenso e há uma grande variabilidade em relação ao local exato onde vai acontecer e ao momento exato em que vai acontecer.”

Desta vez, e depois de um incidente também relacionado com ventos muito fortes na Marinha Grande durante a manhã, aconteceu em Lisboa. Mas podia ter acontecido “em qualquer ponto do país”, como veio a suceder cerca de uma hora mais tarde (por volta das 14h55) na freguesia de Santo Estevão, em Santarém, indica o relatório preliminar do IPMA.

“Há uma diferença entre o que vimos em Lisboa e os tornados que que ocorrem nos EUA

Embora Alfredo Rocha concorde que “o fenómeno em si é normal desta altura do ano, das estações de transição” e “nada de anormal”, a possibilidade de um aumento do número de tornados no território nacional é uma possibilidade real. “Já há vários estudos que têm mostrado que estes eventos extremos têm de uma maneira geral aumentado em frequência e intensidade, quer nos Trópicos como fora, como resultado das alterações climáticas.”

Em Portugal, os tornados mais fortes foram de nível F3. Os desta terça-feira ficaram pela categoria mais baixa da escala (F1), com ventos na ordem dos 48 km/h. Países como os EUA têm regularmente tornados de categorias F4 e F5 (a mais grave).

“Se é provável que aconteça um fenómeno semelhante aos dos EUA na nossa região? Acho que não, porque este tipo de tornados nos EUA já ocorrem há muitos anos, não têm que ver com o histórico recente”, conclui.

“Há uma diferença entre este tipo de fenómenos extremos, como o que vimos em Lisboa e os que que ocorrem nos EUA. A origem não é a mesma e a física destes eventos não é exatamente a mesma. O que aconteceu [esta terça-feira] está sobretudo associado a uma banda de precipitação criada por um ciclone muito intenso no Atlântico Norte e que varreu de oeste para este todas as latitudes a sul dessa baixa pressão. Os que acontecem nos EUA não são próximos do mar, não são gerados no oceano. Acontecem na região central dos EUA. Mas em termos de efeitos, de facto, podem ser semelhantes.”

E acrescenta: “As escalas dos tornados geralmente determinam-se com base nos estragos que os ventos e a precipitação causam, mas posso ter também um outro tipo de fenómeno que não seja exatamente um tornado e cause o mesmo tipo de danos materiais.”

“A rede de drenagem pluvial tem vários problemas

Já “em termos de precipitações intensas, a situação mais crítica é precisamente nas grandes cidades por causa do escoamento das águas pluviais”, afirma o professor da Universidade de Aveiro e investigador de CESAM. No meio urbano, onde o solo está quase totalmente impermeabilizado, a drenagem de água depende de sistemas pluviais pois não pode ser absorvida pelo solo.

“Numa cidade grande como Lisboa, para já não há fluxo suficiente para escoar as águas. Se coincide depois com uma maré alta [como foi o caso na terça-feira em que a preia-mar aconteceu às 15h13], aí temos um problema mais grave. As águas não escoam, ficam acumuladas.”

O que levanta questões sobre a resiliência e preparação da cidade para enfrentar as alterações climáticas. Os estudos de projeção alertam que a precipitação no território nacional tenderá a ser escassa, mas mais concentrada em curtos períodos de tempo.

É neste contexto que o município tem já em marcha o Plano Geral de Drenagem de Lisboa 2016-2030, que está estimado em 250 milhões de euros.

“A rede de drenagem pluvial tem vários problemas, encontrando-se entre eles a sua antiguidade e dificuldade de prestar o devido escoamento a situações de eventos pluviais desta grandeza e intensidade, característicos das alterações climáticas em curso”, confirma o gabinete da vereadora Filipa Roseta (responsável pelo PGDL) em respostas enviadas por escrito ao Expresso.

Assim, este plano “prepara a cidade para os eventos extremos provocados pelas alterações climáticas”, “reduz significativamente as inundações e cheias e os consequentes custos sociais e económicos”, “cria a infraestrutura que permite a reutilização de águas para lavagem de ruas, regas de espaços verdes e reforço de redes de incêndio” e “fecha o ciclo urbano da água, permitindo diminuir a “fatura” da água potável”.

Entre as medidas que integram este plano está, por exemplo, a construção de duas bacias de retenção/infiltração, uma na Ameixoeira e outra no Alto da Ajuda, além de várias bacias de menores dimensões em jardins e parques da cidade.

Outra medida é a “construção de dois túneis, ambos com diâmetro interno de 5,5 metros”, “um entre Monsanto e Santa Apolónia, com um comprimento da ordem dos 5 km”, “outro entre Chelas e Beato, com um comprimento da ordem de 1 km”. Entre os dois deverá ser possível resolver “entre 70 e 80% das inundações”. O projeto foi iniciado a 29 de julho de 2021 e estima-se que deverá ficar concluído no fim do primeiro trimestre de 2025.

O Expresso tentou contactar os vários departamentos da Câmara Municipal de Lisboa ligados à gestão do arvoredo e Proteção Civil da cidade para tentar perceber que outros planos estão a ser implementados preventivamente neste contexto, mas até à hora de publicação deste artigo não obteve resposta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

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