A Plataforma Intergovernamental Ciência-Política sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (conhecida pelo acrónimo IPBES) e o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) são os dois vencedores do Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2022.
“A evidência baseada na ciência”, que estas duas entidades intergovernamentais independentes produzem e comunicam, “tem sido fundamental não só para o avanço de muitas ações políticas e públicas, mas também para a necessidade de colocar um ‘caráter de urgência’ na forma como, em termos de agenda política, é abordada a questão do combate à crise ecológica e à crise climática”, salientou o júri, agora presidido pela ex-chanceler alemã Angela Merkel.
Ao entregar o prémio “à comunidade de cientistas que abordam duas das crises globais mais complexas que a humanidade terá de enfrentar neste século XXI”, está a pôr-se o foco “no esforço de mobilização e síntese de conhecimento científico sobre a crise climática e a biodiversidade de forma a proporcionar aos decisores políticos a melhor informação disponível”, acrescenta ao Expresso o vice-presidente do júri, o geógrafo Miguel Bastos Araújo. O também Prémio Pessoa 2018, lembra ainda que o júri teve em conta “a iniciativa do IPBES e do IPCC que deu origem a um estudo publicado em 2021, no âmbito de preparação da COP26, e que vincula a crise climática e de biodiversidade uma à outra”. E explica: “Se pensarmos que a atmosfera possui menos de 2% do carbono planetário, que 7% está armazenado sob forma de combustíveis fósseis e os restantes 91% estão armazenados no mar e na terra. E se pensarmos que uma parte deles depende de processos dependentes do funcionamento dos ecossistemas e da biodiversidade, percebe-se que não será possível responder à crise climática sem uma resposta corajosa à crise de biodiversidade. E que, de igual modo, não conseguiremos proteger a biodiversidade planetária, tal e qual a conhecemos, se deixarmos o clima derrapar para além dos limites de segurança planetária”.
A urgência das duas crises
Para Anne Larigauderie, Secretária Executiva do IPBES, o prémio conjunto representa “uma poderosa declaração que confirma que a perda global de espécies, a destruição de ecossistemas e a degradação dos benefícios da natureza para as pessoas, em conjunto, representa uma crise não só de magnitude semelhante à das alterações climáticas, mas também uma crise que deve ser abordada pelo menos com o mesmo caráter de urgência”. Por isso, sublinha a mensagem principal dos cientistas que colaboram voluntariamente com a plataforma: “Ou combatemos e resolvemos as crises da biodiversidade e do clima, juntas, ou falharemos em ambas as frentes.”
Criada em 2012, na Cidade do Panamá, a IPBES é um organismo independente que produz informação científica sobre a perda de biodiversidade e de habitats no planeta. No seu relatório mais recente, publicado em abril, dá conta de que pelo menos um milhão de espécies da fauna e da flora estão ameaçadas e 680 espécies de vertebrados foram já levadas à extinção pelo homem. Apesar de ter sede no Campus da ONU em Bona, na Alemanha, a IPBES não é uma agência das Nações Unidas.
Por seu lado, o IPCC – que em 2007 recebeu o Prémio Nobel da Paz com Al Gore – é o organismo científico das Nações Unidas que, desde 1998, avalia os impactos climáticos da ação humana, fornecendo aos governos informação sustentada para adotarem medidas de combate às alterações climáticas.
“A ciência é o instrumento mais importante que temos para combater as alterações climáticas, uma ameaça clara e iminente ao bem-estar e meios de subsistência humanos, e ao bem-estar do planeta e de todas as suas espécies”, frisa Hoesung Lee, presidente do IPCC. Honrado com a distinção, o professor de economia coreano, lembra que, para os cientistas do IPCC, “este prémio é um reconhecimento e um incentivo, e também uma forma de pressionar os decisores políticos para uma ação climática mais decisiva e eficaz".
Num relatório, divulgado em fevereiro deste ano, o painel intergovernamental confirma que já se ultrapassaram algumas fronteiras sem retorno e que perto de metade da população da Terra se encontra numa situação “muito vulnerável” devido à exposição a calor extremo, inundações, secas, incêndios ou outros eventos extremos devido à crise climática.
Um trabalho de milhares de voluntários
O trabalho destes dois organismos internacionais vive do resultado do trabalho voluntário de milhares de cientistas de todo o mundo e inclui o contributo de comunidades indígenas. Os dois representantes das duas instituições presentes na atribuição do prémio, disseram estar muito honrados com a distinção.
A IPBES e o IPCC foram escolhidos entre 116 nomeações de 41 nacionalidades, dos 5 continentes.
Este é o terceiro ano em que a FCG atribui este galardão que visa “promover o desenvolvimento sustentável, o bem-estar e a qualidade de vida de grupos vulneráveis da população, em equilíbrio com a proteção ambiental e a prosperidade económica”. A primeira distinguida foi a jovem ativista sueca Greta Thunberg, em 2020, que sempre chamou a atenção para o que nos diz a ciência. O premiado em 2021 foi Pacto Global de Autarcas para o Clima e Energia (Global Covenant of Mayors for Climate & Energy).
O Prémio Gulbenkian para a Humanidade, no valor de 1 milhão de euros, será entregue esta quinta-feira, às 18:00, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
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